Dedo Duro-parte I

Rua das Flores,num dos bairros mais nobres da cidade, a Graça. Prédio Mansão do Caminho. Uma rua tranquila, arborizada, policiada. Rua dos nobres da cidade. Na cobertura era visível o cheiro agradável que exalava da cozinha.

Emengarda tinha cabelos loiros,olhos azuis e pele de brancura diáfina. era visível a sua descendência germânica. Cursava letras numa faculdade particular. Era doméstica por necessidade, urgente.

Saindo da cozinha conduzia a bandeja com o cheiro forte de carne assada. A família Falcannus tinha hábitos alimentares estranhos, para ela que era vegetariana - comiam muita carne. Além disso, jogavam os pequenos ossos pela janela e os guardanapos - jeito estranho de ser para uma família de sangue azul. Ela tentava, de forma involuntária acabar com aquele gesto de falta de educação. Fechava a janela que ficava junto á mesa. Não adiantava, eles a abriam e assim faziam - os pequenos ossos iam pela janela.

Bariloche, Ilhas Gregas, Paris, Buenos Aires. A família viajava muito.

Emengarda escrevia poesias panfletárias, com resquícios de esquerda radical. Emengarda conhecia Feira de Santana, Camaçari, lauro de Freitas e Jaíba.

Emengarda, inspirada pelo cardápio dos patrões escreveu, um dia, a seguinte poesia:

FOME

Rico têm comida boa

Come três ou mais vezes ao dia

Rico tem dinheiro e vai às compras

Na geladeira dos Falcannus so tem carne

Bicho de carne que não sei

Carne de cheiro bom

Gosto adocicado-dizem eles

Todos estavam sentados à mesa de refeições. O cheiro de carne assada espalhava-se pela cobertura. Emengarda sentia náuseas pelo cheiro.

-Ai, mordi e doeu, carne dura.

Reclamou o seu filho, criança traquina e faceira.

-Vai ver que era o dedo de um dedo duro.

Observou o pai, dando gargalhada. Tinha a boca cheia, o rosto melado pelo óleo da carne assada. Lábios lambuzados e dedos.

A sua esposa feito uma hiena comia de mãos. Arrancava a carne dos osso, com voracidade. Quase engolia sem mastigar. Os ossos iam pela janela, caiam pela lateral do prédio num terreno baldio cercado- ali, em breve seria erguido um majestoso prédio. Era uma rua fechada conhecido como, outrora, Beco Vera Cruz.

Uma semana depois, Emengarda indo à banca de revista comprar um módulo para estudar para determinado concurso público, leu com surpresa a capa de um jornal que tinha essa notícia:

" Até quando o Beco Vera Cruz servirá de depósito humano?" - Perguntava a imprensa. Comprou o jornal e leu assim: " Dedo humano é encontrado mais uma vez no Beco Vera Cruz, parecia fritado à óleo. Crime ou acidente?"

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Leônidas Grego

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 04/08/2012
Reeditado em 13/05/2014
Código do texto: T3813885
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