O PESADELO REAL DE ANNE

Dizem que quando dormimos tudo o que vivemos no subconsciente não passa de um simples sonho. Será mesmo? Eu descarto essa hipótese. Sei que há capacidade dos sonhos serem tão reais quanto à vida. E eu sou a prova viva dessa afirmação. Talvez não tão viva como vocês esperem, mas sei que isso é possível.

Chamo-me Anne e tudo isso começou depois de um dia comum. Cansativo para ser exata. Depois de um banho relaxante, dei boa noite para os meus pais e fui dormir. Mas naquela noite, tudo parecia estar diferente. Não conseguia manter meus olhos abertos, era como se minhas pálpebras ficassem terrivelmente pesadas, a respiração era bem fraca, porém profunda. Escutava sussurros, vozes, risadas, gritos e por fim, comecei a sonhar.

De início me vi em um parque de diversões, acompanhada de amigos. Gargalhávamos constantemente, porém ao olhar a minha volta, percebi que não era um parque de diversões comuns. O local era mais sombrio. Os palhaços tinham ódio estampado em seus olhares e o sorriso era irônico. As pinturas esboçadas nos brinquedos, que em nosso mundo eram puras e fofas, naquele parque eram todas deformadas e sombrias. Os cavalinhos do carrossel rodavam com velocidade e no lugar de seus olhos meigos, havia olhos vermelhos, seus dentes pontiagudos e no lugar da crista, um par de chifres encaracolados. O mais sinistro, foi ver que não havia ninguém no parque. Senti um calafrio percorrer da ponta dos pés até o último fio de cabelo, fazendo com que todos os pêlos do meu corpo se eriçassem. Minha feição divertida agora havia se transformado em medo, queria avisar meus amigos do que estava ocorrendo, mas ao olhar para o lado, me vi sozinha. Como assim? Como meus amigos sumiram?

Parei diante da roda gigante, onde tocava uma música macabra e ensurdecedora. Eu sentia meus tímpanos vibrarem, tamanha altura que se encontrava o som. Levei minhas mãos aos ouvidos, fui ficando tonta, sentindo tudo a minha volta rodar. Caí ao chão e a minha volta juntaram-se os palhaços, que agora gargalhavam constantemente de mim. Eu só queria acordar, me livrar daquela maldita sensação e já sem forças, sem conseguir distinguir nada ao meu redor acabei desmaiando.

Acordei com alguém segurando minha mão. Ainda estava zonza, mas ainda assim sorri. Será que finalmente havia acordado daquele pesadelo horrível? Abri os olhos mais uma vez e tudo estava escuro. Tentava falar, mas não conseguia. Fazia uma força tão grande para conseguir dizer algo, que minha garganta até doía. Era como se eu gritasse tão alto, ao ponto de dilacerar a carne da minha garganta, mas ninguém, nem mesmo eu conseguia ouvir nada. Fiquei assim por um longo tempo. Quanto mais eu gritava, mais a mão que me segurava me apertava. Cansada fechei os olhos novamente e desejei que me escutassem e que o quarto se iluminasse. Não demorou muito, meus próprios gritos ecoaram tão alto, que me causaram tontura e só então tive consciência do estrago que havia feito em minha garganta. Luzes se acenderam e iluminaram o local. Abri os olhos. Era um quarto. Mas não era o meu quarto, nem a minha cama. Era um quarto de madeiras velhas e a roupa de cama suja. Correntes envoltas da cabeceira. Já não sentia a mão que me segurava antes. Onde eu estava afinal? Que lugar medonho era aquele? Será que eu não havia acordado?

Dei um salto da cama e fui para o canto do quarto. Encolhi-me por inteira e fiquei quieta durante um longo período, chorando, até que as luzes se apagaram o que fez com que meu coração disparasse e os soluços se cessar.

A porta abriu-se e senti o ar que predominava no cômodo ficar pesado. Levantei a cabeça bem devagar e observei em direção a porta, mas não havia nada. Era como se fosse um portal, que desse em direção a outro mundo. Levantei-me e caminhei devagar até a porta. Ao olhar para baixo, segurei firme nas paredes para não cair. Era como se fosse um poço sem fundo, sem vida e negro.

Onde eu estava afinal? Que lugar maluco era aquele? Escutei as paredes do quarto rangerem, como se algo do outro lado possuísse unhas tão longas e afiadas e quisesse entrar no quarto para me machucar. Senti medo. E se aquilo entrasse no quarto? E se eu morresse? Espere. Morrer? Mas isso não passa de um pesadelo?

De repente tudo parou e um silêncio brotou. A parede do quarto parou de ranger, o vento mórbido que soprava no lugar também cessou. Fechei a porta e me encolhi em um canto novamente tão rápido. Abaixei a cabeça e ouvi uma gargalhada assustadora. A porta se abriu, mas nada saiu dela.

-Eu acho melhor você sair do quarto, Anne.

-Quem falou isso? Onde você esta? Que lugar é esse? – indaguei assustada.

Novamente a voz gargalhou e tornou a dizer:

-Saia do quarto, Anne. Sei que você não vai querer ver o que vai entrar aí.

Os ruídos começaram novamente na parede, mas dessa vez parecia vir de todos os lados e pareciam estar mais ferozes. Risadas e gritos começaram e foram ficando cada vez mais altos. Como iria sair do quarto? Teria que pular no poço escuro? Onde eu iria cair? Abri a porta e fiquei parada pensando no que iria fazer. Eu estava nervosa. Olhava para o negro sem vida e olhava para trás ouvindo a madeira ser quebrada e unhas longas e pontudas penetrarem o quarto. Em seguida uma mão negra, com dedos longos entrou no quarto, aquilo foi o suficiente para me fazer pular.

-Isso é só um pesadelo. Seja lá onde termina esse poço, não vai doer em mim.

Ao atingir o chão gélido senti uma dor tão forte em meu corpo, que meus olhos se inundaram de lágrimas. Por que a dor era tão real? Por que meu medo era tão grande e anormal? Onde eu estava?

Depois de me recuperar da dor que dilacerava meu corpo, me coloquei de pé e caminhei bem devagar pelo escuro, sem direção. Não silêncio total. Ora vez escutava um choro bem baixinho, algumas risadas, alguns sussurros, passos atrás de mim, mas continuava andando. Estava tão escuro que bati minha cabeça em uma porta. Deslizei a minha mão por toda a sua extensão até encontrar a maçaneta. Estava quente e senti-a aquecendo cada superfície da palma da minha mão. Cozinhando e dilacerando a carne, até chegar ao osso e fazer uma dor terrível percorrer meu corpo e eu soltar um grito de horror. Dessa vez a porta se abriu e adentrei o local. Fechei a porta com um chute e escutei as risadas do outro lado. Meu Deus, como aquilo era tão real? Como a dor era tão real? Como o medo era tão real?

Já do outro lado da porta era mais claro. Estava em uma espécie de sala de aula. Porém era sombria. A lousa era rabiscada, a mesa do mestre destruída, as janelas pregadas com tabuas velhas, mas o que me chamou atenção foram os alunos. Todos na mesma posição, com os olhos parados, sem vida alguma e um sorriso irônico no rosto. Pareciam bonecos. Não piscavam, não mudavam o sorriso e não respiravam. Silêncio absoluto naquela sala escura. Olhei a minha esquerda e tinha uma seqüência de portas. Meu corpo já não doía mais e já não ligava para a queimadura profunda em minhas mãos. Silêncio. Eu não escutava minha respiração e nem meu coração pulsar, mas eu sabia que estava viva. Subi um degrau e parei em frente a primeira porta, ao lado da primeira fila. Os alunos ainda continuavam a mesma coisa. Quietos, sem respirar ou piscar, mas ainda assim sorriam irônicos. De repente a terceira porta abriu-se lentamente e vi um braço pálido a empurrando. O medo tomou meu corpo e minha alma novamente e subi na tentativa de fechar e impedir o que quer que fosse de atravessar a porta. A bati com força e em seguida, uma das alunas que estava na primeira fileira, virou a cabeça toda para trás, o que me deixou impressionada, pois ser humano algum consegue virar a cabeça como ela conseguiu virar. Do sorriso irônico, deu lugar a sua seriedade. Levou o dedo indicador aos lábios e disse:

-Fique quieta!

-Por quê? – perguntei.

-Senão você vai acordar o que está dormindo na última porta e te garanto Anne, que você não vai querer saber o que está a sua espera.

Ela desvirou a sua cabeça e voltou a posição normal. Sorriso irônico, sem respirar ou piscar. O que será que esta na última porta? Não sei. Faz horas, ou talvez dias, ou semanas, ou anos que estou aqui. Nunca mais acordei de volta para a minha dimensão. Aqui é assustador. Sinto medo e a cada momento que passa, sinto que minha alma esta morrendo. Escuto as portas se arranhando, risadas horríveis, vozes, sussurros, choros, gritos, pessoas falando meu nome. Depois que ingressei nessa suposta sala de aula, não tive coragem de abrir as outras portas ou olhar pelas frestas entre as madeiras podres da janela. Por enquanto aqui é o único lugar que me sinto um pouco segura desde quando comecei a ter esses pesadelos. Quando alguma porta teima em abrir, eu a fecho bem rápido e com cautela. A garota daquela vez nunca mais acordou. Mas ela acordou aquele dia? Não sei. Às vezes acho que estou maluca, ou que vou acordar. Mas ao mesmo tempo perco esperanças. Tenho medo do que possa estar na última porta. Tenho medo de que ele acorde e termine de sugar o pouco de vida que existe em mim, portanto o silêncio é a minha única companhia nesse mundo sombrio. Vai ver que é por isso que estes alunos se comportam como bonecos. Sinto que o medo prevalece neles ainda.

Marsha
Enviado por Marsha em 06/08/2012
Código do texto: T3816687
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