Dedo Duro - parte IV

- Você é dedo duro, Emengarda?

Acordara com a voz da patroa fazendo tal pergunta, enquanto lhe alisa os cabelos fartos, loiros. sentia os dedos longos e finos da patroa no seu pescoço, num toque sutil, morno.

- O-onde estou?

- Você desmaiou queridinha. O porteiro me ajudou a trazê-la para dentro da minha cobertura. Deu um trabalho. Você é pesadinha. Ta gordinha, acho.

- Onde estou? Nunca estive nesta dependência da cobertura...

Observou, com surpresa. O quarto era escruro e exalava um odor desagradável.

- Você está no quarto secreto, queridinha. Sei que todos os empregados desta casa morrem de curiosidades a respeito deste quarto. Enfim, o segredo revelado. sabia que a curiosidade matou o gato?

- Você vai mata-la? Ela é uma gatinha.

perguntou a menina, rindo. Estava num canto, de pé, braços cruzados. O seu comportamento soou como estranho para Emengarda. Ela parecia ser coninvente, quando não, devia ser cúmplice daquela aberração de cardápio. Tinha uma expressão facial carregada de cinismo." Seria mais uma canibal?" - Indagava-se, com terror.

-Você não perguntou a pergunta dela, respode. Você é dedo duro, moça?

Perguntou a menina, com autoridade.

-Pelo amor de Deus, eu quero sair daqui, não me matem. Vocês são monstros, como podem comer carne humana?

- Emengarda, o que houve? Você nos decepcionou. Como pode pensar em nos abandonar. Somos canibais,sim. Mas guardamos um grande segredo. vai nos entender, essa coisa de comer gente faz parte da natureza humana, é coisa de séculos. Os Tamoios faziam, oa Tapuias do interior da Bahia. Eles acreditavam que ao devorar o inimigo que fosse um bravo guerreiro consumiria a sua bravura. Levante-se, venha.

O senhor falcannus a conduziu a uma porta, depois seguiram por uma escadaria. As suas pernas trocavam os passos a muito custo. Tremia feito vara verde, parecia aguardar o momento fatídico. Estava num trillher de terror," seria a próxima vítima", perguntava-se.

Uma jaula guardava uma figura estranha. parecia um homem, de barbas longas, cabelos compridos. Quando notou a chegada dos dois, levantou-se do chão. A jaula fedia. Era um quarto com grades na porta. Ali estava um homem um tanto animalizado. parecia louco. Os Dentes eram proeminentes, caninos avantajados á semelhança das feras carnívoras, selvagens. Devorou-a com os olhos. A baba escorria pelos seus lábios. Grunhia, agitava-se nas grades.

-Ele é quem nos provém, queridinha. Basta que todo mês assine os documentos e movimentamos a sua fortuna. Mas, não foi sempre assim. O tito Francisco sempre foi egoista. Queria ter vida eterna e pagou a um cientista maluco para desenvolver uma fórmula secreta que prolongasse a sua juventude - pretendia viver mais de um século e meio. As drogas inventadas à peso de ouro o transformaram nessa coisa bizarra, grotesca. Raramente tem momentos de razão - para isso precisa comer carne, carne humana. Até tê-lo descoberto, vivíamos na mais absoluta miséria. Cuidamos dele e do seu dinheiro. Os seus filhos e a sua esposa foram por ele devorados, crus.

- Eu juro que não vou falar nada. deixe-me ir...

Emengarda não acreditou naquela história fantasiosa de fórmula secreta para a juventude eterna. Encarou como se fosse uma fantasia de uma mente doentia, tentando se justificar.

-Não, não queridinha. Ninguém poderá saber de nada. Mas, tenho uma proposta para você. Vai ficar aqui conosco trabalhando. Servindo-nos com o seu tempero maravilhoso. Você é uma cozinheira de mão cheia.

Ele virou um monstro minha querida, mas ja tem cento e trinta e cinco anos, com aparência de quarenta e cinco. Resolvemos investir em novas pesquisas, melhorar a fórmula. Deu certo. Não tivemos o efeito colateral dele, mas um desejo incontrolável se manifestou em nossos organismos - o de comer carne humana. O cientista, coitado...

Emengarda viu a câmera frigorífica. Qual mais supresa desagradável, poderia ter ali.

-Ah, sim, olhe, olhe. Venha, veja.

Emengarda soltou um grito de pavor. Reconheceu todos os empregados que ali trabalharam e que desapareceram misteriosamente.

Estavam dependurados em ferros de açougue. Partes dos corpos espalhados. As cabeças decepadas. O espetáculo mais macabro visto em toda sua vida.

- Precisamos dar um fim nas partes que não consumimos. temos um triturador, esse vai ser o seu serviço. Não se preocupe, vai ser bem remunerada. tenho um canil para dar fim ás partes. Não precisamos mais do cientista, ele podia ser um dedo duro, então foi pra panela.

-Eu...eu...eu não vou ter condições emocionais, por favor... A polícia vai descobrir. Os ossos caem no beco Vera Cruz.

- Não ha como a polícia nos atrapalhar. Tenho empresas pelo Brasil todo. Os meus funcionários viajam, são transferidos. Alguns não têm famílias próximas, são de outros estados. Você tem sorte em ter família tão perto. Não se preocupe não vamos mais sujar o beco.

-Eu...eu...eu..quero ir embora.

O seu patrão olhou-a nos olhos, e com voz pausada, indagou.

- Você é dedo duro Emengarda?

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 07/08/2012
Reeditado em 13/05/2014
Código do texto: T3818677
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