Portão do inferno: os olhos do gato nunca metem medo na bruxa

Portão do inferno: os olhos do gato nunca metem medo na bruxa

-Regina, minha filha, para que você quer um gato? Seu pai e eu não confiamos em gatos, são animais que não merecem o amor que os seres humanos lhe conferem. – Marta, olhava para filha com o gato preto filhote na mão, deveria ter uns dois meses.

-Por favor, mãe, ele é tão fofo ,você sabia que as supertições a cerca do gato preto começaram com os egípcio, eles eram mumificados com os faraós– Regina era filha única do casal de dentistas. Roberto e Martha tiveram uma vida perfeita,começaram a namorar com quinze anos, estudaram na mesma faculdade,sentiam um grande amor um pelo outro,até seus pais eram amigos de infância .Até que o tempo passou,e como tempo faz com as coisas destruiu tudo.

Não conseguiam ter filhos,vários tratamentos foram tentados,os dois foram para EUA,até que descobriram que Roberto era estéril e que o casal não poderia ter filhos, foi a primeira grande dor do casal, a primeira grande perda na viva perfeita.

Aos quarenta anos Roberto, de uma forma estúpida perdeu os pais, um acidente de carro numa uma viaje para o Nordeste ,um caminhão com motorista bêbado matou o casal,.O casal ficou sozinho, pois os pais de Martha haviam morrido no verão passado, primeiro a mãe.Que cosia dura aquilo!Martha perder a mãe assim,.difícil de entender.Foi em setembro, sol um dia que Martha foi com a mãe ao medico da família, ele foi direto e seco, a mãe de Martha, uma senhora simpática que fazia café para os moradores de rua e ajudava qualquer pessoa que pedia ajuda, tinha um câncer de intestino, em seis meses fez cinco cirurgia até morrer na ultima.O pai, que era pianista, ficou sem o seu par romântico, todo mundo sabia que quando fosse um, logo depois iria o outro,arrasado com a morte da mulher morreu meses depois de infarto, e aqueles dois últimos anos foi dolorido para o casal que ficou sozinho na grande casa, onde a família se reunia, então depois de muito dialogarem, depois de noites de discussão, prevaleceu a opinião de Roberto, adotar uma criança e mudar para o interior, sendo assim, chegou Regina.

Quando foram ao orfanato à primeira fez ela não estava,Regina tinha ido ao médico para ajustar o aparelho das pernas que permitia que andasse com dificuldade, doença paralisia infantil, as pernas de Regina ficaram fracas,finas e perderam toda a musculatura, nessa época, que o casal apareceu no orfanato, Regina tinha doze anos, já havia passado por uns três lares adotivos.

Roberto , dentro do seu coração, buscou motivos para adotar Regina, Martha preferia um bebê.A opinião de Roberto prevaleceu novamente

Em frente ao pet, Regina passava a mão na cabeça do gato.

-Só por que ele é preto? Você tem medo de gato preto mamãe? – Martha sabia que quando Regina chamava assim de “mamãe” era porque ela queria muito uma coisa, levou muito tempo para acontecer. – O gato preto na idade média ficou marcado pela bruxaria,no paganismo o gato preto representa proteção e sabedoria, pena que hoje em dia ainda há pessoas que vejam o gato preto como sinal de má sorte, ele é apenas um animal de estimação, que sai a noite para caçar.

-Vamos falar com seu pai – Martha achava que Roberto poderia ajudar se falasse com ele dos malefícios de ter um gato, ele tinham ido ao pet para comprar um cachorro,cachorros são confiáveis, a ideia foi de Roberto, presente de aniversário de quinze anos.

Além disso, Martha e Roberto, depois de muito debaterem, em fim ,estavam de partida para o interior, venderam o apartamento de São Paulo ,agora a mudança era certa, o caminhão já iria encostar amanhã, o gato para viver em uma fazenda, provavelmente desapareceria em dias.

-Liga para o papai – Martha sabia que estava sendo manipulada, Regina e o pai eram muito unidos e ligados, ela nunca teve problema para chamar Roberto de pai, ele era um bobo, fazia as vontades dela, pegou o telefone. Sabe que Roberto disse? – pensou Martha com seus botões..

-Um gato, que legal! – Inacreditável, um felino que transmite trezentas doenças, liberado pelo pai, com um telefonema.

Levaram o gatinho preto para casa.

O que impressionou Martha é que Regina carregava aquele gato nas mãos, para onde ia, se colocasse ele no chão começava a miar, depois que aquele gato preto chegou na sua casa, pensou Martha, tudo virou do avesso, a vida com o marido estava a beira da loucura, Roberto antes tão carinhoso, agora só falava com brutalidade, não ligava para ela,trabalhava até a noite, seus paciente eram atendidos em um consultório no sobrado da família, um lugar que pertenceu ao pai de Roberto , Martha atendia as crianças, mas nos últimos anos não estava trabalhando, a filha adotiva dava muito trabalho, para começar os problemas escolares, Regina tinha um comportamento escolar estranho, suas notas eram boas, mas implicava com os meninos, com os professores. A maioria dos professores achavam Regina inteligente, muito boa, em historia, ciências e matemática, outra coisa que ninguém gostava é que era se intitulava uma bruxa, a orientadora disse que ela talvez tivesse um distúrbio de atenção.

-Ela é aluna nota dez, essa menina sabe de tanta coisa – disse Martha quando foi chamada pela orientadora.

-Não é bem esse o problema – disse a orientadora.

-Então qual é?

-Ela fica falando coisas de inferno,de bruxaria – orientadora fez o sinal da cruz - sabe um monte de nomes de demônios de cor e salteado,além de seu conhecimento de história ser muito superior a da senhora Alice,que naturalmente é a nossa professora de historia, que se diz insegura para lecionar para uma criatura assim,palavras dela.Toda essa ação teatral seria perdoada,adolescentes adoram monstros, vampiros e bruxas, mas o caso é que já temos queixas das mães religiosas desse colégio, dizem que o comportamento de Regina assusta as outras crianças crianças, a senhora devia levar essa menina em uma igreja,ou num psicólogo, ou nos dois.

Quando Regina chegou da aula Martha perguntou.

-Regina, minha filha, por que você gosta desses assuntos? Você é tão inteligente, a professora disse que você fica assustando os meninos.

Ela olhou com os olhos vermelhos – Por que você não morre Martha, só você atrapalha aqui, não vê que não gostamos de você.

Na manhã seguinte Martha procurou um padre, ela não era muito religiosa, tinha que admitir, nos últimos anos sua fé escorria pelos dedos, sua mãe foi uma cristã convicta, Martha tinha duvidas, a força da fé depende de uma fonte que tem que ser alimentada, o conhecimento as leituras não alimentam essa fonte, ao fazer quarenta anos Martha sentia que toda fé tinha secado, não rezava mais antes de dormir, não tinha obrigação de ir a mica aos domingos, nem lembrava de Deus, tudo havia acabado, a fonte secou com a morte da sua mãe, os múltiplos sofrimentos dela na sala de cirurgia, as dores que não passavam com morfina, única coisa que a mãe falava era :”se for vontade de Deus, que seja assim”, havia algum tempo que não entrava na igreja.

-Que comportamento da sua filha, criativo, porém perigoso, pelo sim pelo não essas coisas acabam atraindo a maldade - disse o padre Horácio, que era formado em psicologia,um vigário com uma vasta formação, lecionara na faculdade de filosofia, agora aos setenta anos estava aposentado, amigo da família, foi a primeira pessoa que Martha pensou quando passou a ter problemas com Regina. –As crianças rejeitadas podem desenvolver comportamentos compensatórios, você precisa ter paciência, esse é apenas um comportamento adolescente, poderia ser pior, a maioria das mães vem aqui reclamar que os filhos estão enterrados nas drogas.

-Ela age como se eu fosse o mal – Regina tomou o chá que o padre serviu – não tem um oração que o senhor possa fazer na nossa casa?

-Isso poderia piorar as coisas e reforçar o comportamento de Regina – o padre colocou a xícara na mesa - a melhor atitude é não confrontar, dialogar com ela e seu marido, não ser supersticiosa, isso também ajudaria.O que Roberto diz disso tudo?

O comportamento de Regina era diferente, na frente de Roberto era uma menina pura e educada, contou ao padre.

-Típico, ela compete com você – o padre pegou na mão de Martha – tenha calma, isso é fase, se a coisa piorar terá que falar com seu marido,se precisar da minha ajuda para isso, estarei aqui.

A conversa com o padre tinha acalmado Martha,resolveu falar com Roberto logo.

-Tenho que falar com você – disse Martha.

-Tem que ser agora? – Roberto nunca parava para falar com ela,não depois da adoção.

Martha desabou num choro nervoso, o tremor, as lagrimas mostravam uma pessoa que não tem saída, sem os pais e com o marido que confiava se distanciando, o que sobrava para ela?

-O que foi? – ele sentou perto dela.

-Acho que é loucura minha...

-Fala, nunca vi você assim.

-É que..

-Oi papai, mãe – disse Regina da porta – Fico tão feliz de ver os dois juntos, assim me sinto segura, desculpa, estou atrapalhando, não é?Interrompendo alguma coisa?

Roberto olhou para o relógio – Tenho que ir trabalhar, Regina fique com sua mãe, ela está com dificuldade de se adaptar a fazenda,anda chorando.

Regina deu um sorriso– O que foi mãozinha. – os olhos do gato, vermelhos.

Quando Roberto saiu, Martha ia levantando.

O gato miou e olhou com os mesmos com aqueles malditos olhos vermelhos que,agora também eram os malditos olhos de Regina – Megera, não se atreva, ia se queixar para o meu pai, arranco seu coração, ou faço ele fazer.

-Ele quem?

O gato miou, e Regina deu uma gargalhada.

-Meu pai. Ele é meu agora.

Aquela noite Martha não dormiu, as moscas estavam incomodando e havia um fedor, a casa estava muito fria. Roberto dormia e roncava, meia noite e meia, queria ir até a geladeira beber água, mas estava com medo.

-Que ridículo?-levantou e foi até a geladeira, quando estava de pé e pensando no tempo bom, quando viajava com Roberto, quando os dois eram tão unidos que ligavam um para o outro até quatro vezes ao dia, nas tardes de sábado na casa do pai tocando piano, tudo isso não voltaria. A vida é muito estranha, a única coisa que faltava, o filho, agora parece ser um problema.A filha adotiva, será que ela estava ficando louca?

-Pensando em mim? – Regina estava em pé, andando sem o aparelho nas suas pernas, andando normalmente de camisola e cabelo solto – AH,isso, sabe como é uma menina abandonada aleijada é mais bem tratada, não que eu finja,tive um probleminha, minhas pernas foram quebradas em outra situação, então ando assim, sabe a história de vidas passadas, esqueci, você perdeu a sua fé..

-Mas suas pernas? – falou, mas deixou cair o copo, E aquele gato no ombro de Regina,os olhos dele estavam vermelhos vidrados em Martha.

-Minhas pernas vão bem – disse Regina – vim aqui para te falar um coisinha, você tem que deixar meu pai, agora ele é só meu.

Martha, pela manhã resolveu voltar no padre e contar tudo, porém no caminho mudou de ideia, resolveu telefonar para Onofre.

-Onofre, tudo bem, queria um favor.

-Como vai à vida no campo, eu e Josefina estamos com saudade.

-Ótima – mentiu Martha.

Onofre era o advogado que tinha ajudado no processo de adoção.

-Preciso de um favor – Martha pediu as informações de Regina, Onofre disse que era segredo,ele não sabia de nada, mesmo se soubesse não poderia fornecer .

Martha acabou num impasse, parou em uma lanchonete, colocou a bolsa na mesa e pediu um café, um rapaz alto, magro e de barba ruiva aproximou-se, ela normalmente não falava com estranhos, mas em cidades do interior agir assim poderia ser uma política pouco recomendada,por isso ela odiava cidades pequenas, a maioria das pessoas se conhecem, desenvolvem uma intimidade que as vezes nem querem, Martha principalmente não queria..

-A senhora é a Dr Martha, dentista de criança?Não é, sei que é. – ele limpou a mão na calça e deu para Martha apertar.

Martha balançou afirmativamente a cabeça e apertou a mão do rapaz, ser cordial naquele momento era difícil, queria apenas ficar sozinha.

-Quando é que vai atender, estamos todos na cidade esperando – ele acendeu um cigarro ali mesmo dentro do bar, em cidades grandes isso não era mais permitido – A senhora é bonita, com todo respeito.

-Desculpe, mas acho que não é uma hora boa para conversa.

-Ah, não fala com pobre.

O homem de boné, que ficava atrás do balcão e que parecia ser o dono do bar disse – João procura o rumo do trabalho.

-Obrigada – Martha disse agradecendo ao homem.

O outro havia saído depois de jogar o cigarro no chão.

-Ele é boa gente, só está impressionado com a sua beleza, não temos muitas mulheres bonitas, a maioria trabalha na zona rural e se arrebenta, outras no fogão – deu um risada, óbvio que não tinha os dentes da frente isso para uma dentista era a morte,Martha tinha que sair dali.

-Quanto que é o café?

-Por conta.

Ao chegar à sua casa, Roberto e Regina estavam jogando banco imobiliário, nem olharam para Martha,queria falar alguma coisa que mudasse a situação,porém não achou nada,chorou novamente, a terceira vez.

Decidida foi até o quarto e fez as malas,disse apenas adeus ia fechando a porta quando Roberto falou.

-Que é isso,onde pensa que vai com essa mala?

-Preciso de um tempo - disse olhando para a menina - acho que você podem ser feliz ao lado dela,mas eu?Eu não gosto desse lugar, não estou gostando do rumo dessa família,não estou sendo ouvida,para mim chega, eu tenho que sair.

-Acho uma pena.será que sou culpada?– Perguntou Regina, enquanto o gato miava sem parar, e de forma rude e bem debochada completou - Seria por que você adotou uma menina aleijada e não dá conta de cuidar dela, pensa que eu não sei que você queria um bebê?

-Vou sair porque quero a minha vida de volta, meu trabalho, meu apartamento em São Paulo, minhas amigas, o cinema, cultura, conversa boa, quanto a você? Agora você é problema de Roberto .

-Martha, isso não é jeito de falar.

Martha olhou para o marido com pena.

Um vento frio passou, alguma coisa tinha se modificado no olhar de Roberto, afinal o amor dos dois é grande,ela sabia, e ainda batia no peito de Martha,estavam juntos a vinte e cinco anos e nunca haviam brigado dessa forma, Roberto foi seu grande amor,sua grande aposta, a sua indiferença nos últimos dias tinha sido uma decepção. Naquele instante ela voltou a ver o brilho nos olhos dele.

-Há dois anos, estava tudo bem, tudo – ele falou olhando para duas – depois que esse gato veio para o nosso convívio tudo mudou – Roberto estava alucinado, como se tivesse percebido que toda culpa era do demoníaco gato preto, pegou a sua arma na escrivaninha e mirou no gato.

O amor deveria prevalecer para Roberto e aquele gato era o culpado, o tiro acertou o bicho que caiu morto, logo depois a menina desfaleceu.

Roberto foi até ela, deitou Regina no sofá - voltou-se para Martha - Coloque aquela coisa em um saco e jogue no lixo, vamos voltar para São Paulo ainda hoje.

Martha ouviu mais um tiro, estava jogando o gato dentro de uma sacola no lixo, virou-se para a porta a menina estava de pé com a arma na mão apontando para ela.

-Você não achou que era o gato, achou?

contínua em :gatos sempre voltam para casa

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 04/10/2012
Reeditado em 04/10/2012
Código do texto: T3915736
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