A Noiva

Ao som de memory, em meio a velhos salgueiros, hortênsias e antigas videiras que num aclive iam beijar as margens do Cáspio, a noiva levava mais uma vez o bouquet a boca e fechando os olhos deu um beijo saudoso antes de retornar ao seu castelo.
Que tempos eram? Apenas flashes de pequenas tendas passavam na memória da noiva, o cheiro de pólvora e os coches fúnebres, que cruzavam as alamedas, vistas de seu quarto na torre norte. Já viria a hora, imaginava-se na catedral, cercados os seus bancos com rosas lilases, vindas da terra basca especialmente para a sua união com o Marques de Lampeje, homem de estatura alta, rosto alvo, uma verdadeira personagem de Franz Kafka, com a ternura de uma criança quando dorme.
Lá adiante pousaram os olhos da noiva no diminuto povoado, senhoras com vestidos armados e senhores de fraque, estranhamente lhe era habitual tal vestimentas, mas logo vinham as indagações: Que tempo é esse?
O seu quarto despojado era por assim dizer, o quarto de uma noviça, sem luxo, sem pompa...
Um paradoxo, pois quando olhava a noiva suas vestes, algo não combinava, alguma coisa não era seu... As imagens eram acompanhadas de uma nostalgia doída, e apenas flashes compunham suas lembranças.
A direita do povoado as tais tendas brancas, e conforme balançavam os eucaliptos, as escondiam, os olhos da noiva, o coração da noiva sentiu uma curiosidade absurda de conhecer o que havia naquelas tendas, e assim vestida para o casamento, desceu as escadas e caminhando por uma ruela beirando a cidadezinha podia sentir o outono em seus pés, o lapso temporal estranhamente não lhe alterou em nada, não notou que passara 3 estações desde que passeava entre arbustos antes de se recolher ao castelo.
Ao aproximar-se das tendas olhou numa pequena saída do pátio, entre as árvores os coches fúnebres, que saíam em comboio e sumiam na colina mais próxima.
Uma tenda maior na entrada do pátio, pessoas com máscaras brancas sobre o nariz, não lhes davam atenção, por várias vezes lhes dirigiu a palavra, mas sem repostas, era como se não a vissem...
Desde que saiu do castelo, sentiu que algo exercia leve pressão sobre seus ombros, como se alguém a guiasse...
Em nenhum momento ela olhou quem ou o que era.
Ao fundo desta grande tenda, a noiva visualizou uma saída para as outras tendas menores, e para lá caminhou, o cheiro ocre de sangue coagulado, e o forte odor de éter foi a primeira coisa que notou.
Ao adentrar na primeira tenda, um sentimento de enorme horror a princípio e após intensa compaixão lhe tomou...
Assim, a cada tenda que entrava a mesma cena de degradação humana e infinita dor.
Quando terminou de visitar as tendas na cor branca, do outro lado de um jardim castigado pelo outono, havia uma fileira interminável de tendas negras...
Antes que entrasse, notou uma coisa que só agora visualizou... No pano das tendas em letras grandes em escrita francesa as palavras, ”Grippe espagnole”.
Baixou a cabeça, olhou em volta de si, andou até a primeira tenda, e vislumbrou na terceira cama um senhor de pele alva, quanto mais deslocava o olhar para ter a visão de cima para baixo, mais e mais, um sentimento de grande perda lhe tomava conta...
Neste exato instante viu a noiva, flashes de toda a sua vida passar diante de si desde o seu nascimento até sua morte, num quarto do castelo, vestida de noiva...
A noiva que desencarnou antes de seu amado, teve de Deus a chance de aqui ficar até ter a certeza que seu amor também partira...
A morte é assim, incompreensível, saudosa, quem partiu como carne, se aqui está em espírito não sabe, e se aqui está vivo em carne, sabe bem menos sobre ela.

Malgaxe
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 11/10/2012
Código do texto: T3927700
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