Noite de Vingança

Eu era jovem, tinha um futuro brilhante pela frente, namorava uma linda mulher, gozava de vitalidade, força e saúde. Mas agora tudo isso é passado. Tudo acabou no dia em que fui assaltado e, mesmo sem reagir, um bando de três criminosos atirou em mim com covardia.

Hoje estou doente e aleijado, condenado a viver para sempre em uma cama, não posso mover braços ou pernas, não posso nem ao menos falar, sou alimentado por uma sonda e outra sonda coleta minha urina enquanto uso fraldas para não sujar as roupas. Minha namorada me deixou há muito, não a culpo, não poderia suportar tal fardo e também todo o amor que existia em mim se acabou, agora resta somente ódio, ódio por aqueles malditos que atiraram em mim e hoje estão impunes, soltos por aí a cometer novos delitos.

Os dias são longos, as noites mais ainda, meu corpo imprestável não sente coisa alguma, mas ironicamente ainda sofro dores terríveis. Silenciosamente penso no meu destino terrível, como aquilo foi acontecer comigo? Logo eu, um sujeito bom com todos, não merecia tal coisa. Silenciosamente rezo a Deus todos os dias para me tirar dali. Mas em vão, Deus em sua bondade não atenderia aos pedidos de um coração cheio de ira e rancor.

E foi por isso mesmo que passei a endereçar minhas preces a outra entidade, uma entidade que talvez compreendesse o ódio em meu coração.

“Demônio” – suplicava eu na clausura de minha mente – “se realmente existe, me escute, dou minha alma em troca do prazer de me vingar daqueles que me puseram nesta maldita cama de hospital.”

Repetia isto todos os dias, todas as horas, mas também parecia ser em vão, não parecia haver Deus ou Diabo que me ouvisse. Mas eis que estava enganado, alguém atendeu meus chamados.

Um dia ele veio até mim.

Era noite, não que isso importasse, na minha condição o tempo se arrastava imutável. Senti um cheiro estranho no quarto, um brilho avermelhado tomou conta de tudo, a temperatura subiu, movi a única coisa que ainda podia, os olhos, e vasculhei cada canto, não via ninguém até ouvir uma voz.

-Vim ajudar você meu filho.

Eu sabia que não podia falar, mesmo assim tentei e para meu espanto consegui pronunciar algumas palavras.

- Então você é real?

- Sim.

- Se veio me ajudar sabe o que eu quero e sabe o que terá em troca.

- Você está realmente disposto a fazer um trato comigo? Depois não haverá volta.

- Quero minha vingança, depois disso pode levar minha alma e também meu corpo, pois ele não me serve mais de nada.

- Pois bem , então saia desta cama agora, tenha sua vingança e traga mais infelizes para meus domínios.

Eu tentei me mexer, vi que conseguia mover minhas pernas e meus braços, arranquei a sonda de alimentação de meu nariz e depois outra sonda de meu pênis, consegui me sentar e vi o próprio demônio à minha frente, a besta de muitas faces que eu achava ser um mito estava bem ali e sorria para mim.

- Agora vá meu escravo – disse-me ele – Vá, fareje a noite a procura de seus algozes e traga-os para mim, depois disso você virá também, pois agora sua alma me pertence.

O demônio desapareceu deixando para trás apenas sua fedentina insuportável. Eu me levantei e fui até a janela do quarto, a abri e olhei para baixo.

- Se o demônio cumpre seu acordo uma queda daqui não fara mal.

Então pulei. Pulei e cai de pé. Ninguém me viu, a noite estava fria, deserta e silenciosa, apenas eu, um homem totalmente nu, ousava sair. Imediatamente farejei o ar e descobri em que direção deveria seguir.

- Vermes imundos – disse eu – eu vou para o inferno, mas vocês irão primeiro.

Corri pelas ruas escuras, o faro apurado a me guiar, as vezes encontrava pessoas na rua, mendigos bêbados e putas vadias que não pareciam achar estranho um homem pelado correndo pela madrugada. Somente os cães de rua pareciam se importar e ganiam a minha passagem como se fosse o próprio demônio a atravessar as ruas, de certo modo eles não estavam longe da verdade.

Foi quando meu nariz captou num beco escuro o cheiro dos criminosos. Avancei até aquele lugar e ouvi risos e gritos. Sim eram eles, os três filhos da puta que tiraram tudo de mim, e não estavam sozinhos, uma mulher estava com eles, na verdade estava sendo violentada por eles.

Me aproximei mais e falei:

- Deixem ela e venham brincar comigo.

Todos se viraram imediatamente, assim que me viram, nu em pelo, um deles comentou:

- Olha só, tem um viadinho com inveja da putinha, tá querendo brincar com a gente tá?

Olhei para a mulher, pelo pouco de roupa que ainda tinha deu para perceber que era apenas uma prostituta de rua.

- Some pra lá sua bicha – disse um dos homens – senão a gente vai encher teu rabo de bala.

Ele então levantou um revólver, o mesmo revólver que tirou minha antiga vida, tinha sido aquele canalha que atirou em mim.

- Vou pedir só mais uma vez – falei – soltem ela agora!

Os três realmente soltaram a mulher.

- Quer saber? – falou o homem do revólver – Essa puta aí não tá valendo nada mesmo.

Assim que ele disse isto ele apontou para mulher e, mesmo com um de seus companheiros atracado com ela, atirou e estourou seus miolos.

- Agora é tua vez seu viado intrometido! – ele atirou na minha direção, senti a bala entrar em meu peito e atravessa-lo, cai com a força do impacto.

Ouvi o riso dos bandidos comemorando seu feito.

- Se deu mal viadinho!

Mas então eu me levantei num salto e vi a surpresa espantada em seus rostos.

- O desgraçado tá vivo! Atira de novo Cherapó – gritou um deles e me revelou o “nome” daquele miserável.

Cherapó atirou mais uma vez, mais duas vezes e uma terceira vez. As balas me acertavam e eu nada sentia, uma delas entrou pelo meu olho esquerdo, saindo pela nuca e levando com ela parte de meus miolos, mesmo assim eu avancei. O beco era sem saída, não havia como eles escaparam sem passar por mim.

- Hoje vocês morrem!

Um dos marginais tentou escapar, mas assim que passou do meu lado eu o agarrei, olhei seus olhos cheios de medo e cravei ali meus polegares, ele gritou de dor. Sem dó eu torci seu pescoço facilmente e o deixei ali.

O segundo bandido foi mais corajoso, era o mesmo que estava violentado a moça quando cheguei, achou uma barra de ferro no chão e avançou com ela até mim, me golpeando com toda sua força.

- Morre, morre, morre – gritava ele.

Eu ria de seu desespero. Até que cansei da brincadeira e lhe tomei a barra de ferro.

- Morra você! – eu disse e lhe cravei a barra na barriga.

Depois retirei a barra e disse:

- Gosta de enfiar no rabo das vadias não gosta? Pois agora é teu rabo que vai levar ferro desgraçado! – coloquei o canalha de quatro no chão e cravei sua bunda com o pedaço de ferro e o deixei gemendo e sangrando ali para morrer.

- Agora é tua vez! – falei olhando para Cherapó.

Ele tremia dos pés a cabeça.

- Vê se some cara, senão eu te passo fogo.

- Atira então – desafiei.

Ele atirou mais, atirou até as balas acabarem.

Eu chegava cada vez mais perto, ele então soltou a arma e disse chorando:

- Me deixa vive! Me deixa vive cara, tem um pouco de piedade.

Enquanto ele dizia isto eu percebi que ele mijava nas calças e ri saboreando minha vingança.

- Piedade? – perguntei – Você por acaso teve piedade de mim quando me acertou pelas costas?

O bandido então me olhou mais atentamente e seu medo cresceu mais ainda.

- Você? Eu matei você!

- Não, você não matou, não teve competência para isto, mas de todo modo você arruinou com minha vida e por isso vai para o inferno!

Agarrei o infeliz e esmurrei sua cara, ele gritou de dor, senti seu nariz se quebrar e o sangue inundar sua face. Não parei, continuei a dar socos em seu rosto, em seu peito, em sua barriga. Enquanto batia sentia seus ossos se quebrarem e sua pele se abrir, o sujeitinho caiu no chão, mas eu o levantei, o ergui no ar e num movimento o projetei até meu joelho e ouvi o estalo de sua coluna se partindo, agora ele era um inválido como eu.

- Gostaria de deixa-lo assim, vivendo uma vida inútil tal como a que você me condenou, mas tenho um acordo e costumo cumprir meus tratos.

Então eu pisei sobre a cabeça do desgraçado e a esmaguei, espalhando sua massa encefálica pelo chão.

Contemplei meu feito, a minha volta estavam quatro cadáveres, os três marginais mais a mulher que tinha sido sua vítima. Fui até ela, mas quando cheguei perto percebi que ela se movia.

- Será que ainda vive? – me perguntei.

Mas nisso a mulher se levanta em um único salto.

- Nada pode me matar – disse ela.

Compreendi então que aquela mulher era o próprio demônio.

- Parabéns – falou ela de novo – teve sua vingança, agora eu quero meu pagamento.

- Sou todo seu, leve minha alma, melhor viver no inferno do que em um corpo inútil.

- Então venha e honre sua dívida.

A mulher aproximou-se de mim, envolveu-me em seus braços, olhou no meu olho e me beijou, era o beijo da besta, e com este beijou ela sugou minha alma e me levou para o inferno junto com ela.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 15/10/2012
Reeditado em 15/10/2012
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