Vozes

Marcos não sabia por que havia agido daquele jeito. Estava em seu quarto que, tal como ele, estava todo ensanguentado. Ele segurava um cutelo e olhava para frente, mas sem ver nada realmente.

Tentava não acreditar no próprio ato, mas era inevitável, pois o corpo de sua mulher jazia em sua frente, cortado em diversos pedaços.

Mas a culpa não era sua – diziam as vozes – Ela fez por merecer e teve que pagar pelo que havia feito. A culpa era totalmente dela.

Há semanas desconfiava que estivesse sendo traído. Começou procurando provas, pequenas, até aquilo foi se tornando uma obsessão. Ele nem percebeu quando começou a ouvir as vozes. Elas gritavam em sua mente, cada vez mais alto, cobrando punição, cobrando uma atitude da parte dele.

- De que adianta viver sendo traído? – diziam – Sua mulher merece pagar. Seu corno. Corno. – gritavam as vozes.

Foi quando resolveu agir. Não aguentava mais aquela situação. Elas estão certas, eu sou um corno – pensava.

Começou a preparação, mental e física. Ficou escondido atrás da porta do quarto do casal, com o cutelo na mão.

Sua esposa era bonita. Naquele dia em especial, havia ido na casa de uma amiga, que vendia umas roupas sexy e passara horas lá, escolhendo algo bonito para usar com o marido quando chegasse em casa. Ela sabia que seu marido a estava traindo, mas estava disposta a salvar o casamento, pois amava demais o marido – seu primeiro amigo, seu primeiro amor, seu primeiro e único homem.

Chegou em casa e estranhou o silêncio. Abriu a porta do quarto e nem sentiu quando morreu, com um golpe do cutelo direto em seu pescoço.

Tomado pela raiva, esquartejou a mulher e ficou observando o que havia feito. As vozes gritavam em sua cabeça, comemorando, felizes com a atitude que ele havia tomado.

Então o telefone tocou. Ele não atendeu. Estava pensando no que havia feito – começava a sentir-se mal; o estômago embrulhando. A chamada acabou caindo na secretária eletrônica.

- Querido? Quando você vem aqui, mais tarde? Tomara que dessa vez você dê uma desculpa melhor para sua esposa. Estou te esperando com sede de você. – falou a voz da sua amante.

Ele caiu no chão, desolado, com a constatação. Havia mergulhado numa loucura e feito dela verdade. Inventara em sua mente que sua mulher o traía, quando na verdade era ele quem a traía. Acabara acreditando nesta sua loucura interior, apenas para não sentir culpa. Se sua mulher o traísse ele teria uma desculpa para sentir raiva – pensava, antes de mergulhar profundamente na maluquice. Trocou os papéis em sua cabeça para esconder dele próprio que ele que era o safado traidor, que traía a esposa que tanto o amava. E agora ela estava morta, despedaçada, assim como sua vida, quando na verdade era ele quem deveria estar em seu lugar.

Tudo porque dera ouvido às vozes, que ele mesmo havia criado em sua insanidade.

Não restava o que pudesse fazer. Não podia trazê-la de volta. Olhou para o cutelo e sem hesitar, se matou, com uma cutelada na cabeça. Não morreu de imediato, mas era esse seu objetivo, que se punir, se torturar, sofrer.

Quando enfim morreu, ao sussurrar um último ‘eu te amo’ para a esposa morta, o único som que se ouvia no quarto, era o de vozes, gargalhando da desgraça em que ele havia se metido.

Camilla T
Enviado por Camilla T em 19/10/2012
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