Autópsia

Paulo Magalhães era um médico de renome na instituição em que trabalhava – no Hospital Geral de sua cidade. Mas o uso do verbo no passado tem um propósito. Ele não é mais um médico de renome. Por quê? Paulo começou a trabalhar com seus vinte e dois anos como assistente de médico-legista e, quando aos seus trinta e dois anos, seu superior veio falecer, ele assumira o cargo com louvor. No início nada podia impedir que ele fizesse seu trabalho com prazer, cheio de gás, ajudando famílias e à polícia a descobrir como haviam morrido seus familiares, contribuindo para um fim digno de cada vida que passava por sua autópsia. Porém, com o passar de mais alguns anos, Paulo, em seus quase cinquenta e cinco anos de vida, já não sentia mais o prazer que tinha no início do ofício, nem em confortar familiares, nem em ajudar a polícia. Tudo o queria era aposentar-se logo, ou seja, estava apenas a dois anos de sua tão almejada aposentadoria. Queria poder ir para casa, sentar-se de frente para a TV, assistir um filme, ou suas novelas. Queria poder visitar os filhos e queria poder fazer o que bem entendesse.

Com esse comportamento, não era de se espantar que o rendimento do chefe de departamento de autópsia tivesse caído consideravelmente. Mas a diretora do Hospital já tinha avisado:

- Paulo, você sabe que o seu último descuido podia ter custado à vida de alguém. Mais um comportamento desleixado de sua parte e eu terei que demiti-lo, antes de sua aposentadoria. – ela havia sido dura com ele, e desde o chamado da patroa que ele tentava se controlar, mas estava cansado do trabalho, queria apenas poder não termais que levantar cedo para ir ao trabalho. Com isso, acabou deixando seu comportamento desmoronar outra vez. Isso fez com que a diretora Fernandes ficasse muito irritada, afinal, por mais que ela entendesse o homem, não podia fazer nada por ele. Por isso resolveu coloca-lo para clinicar.

Ele estava entediado, mas enfim chegou o último paciente e ele deu graças aos céus por isso.

- Qual o problema? – perguntou.

- Não sei. Acho que senti uns nódulos. – falou o homem. – Pode ser câncer?

- Vou pedir um exame. – ele falou, entediado. Porém, como o tédio era grande, ele achou que uma mentirinha não seria descoberta e voltou para o consultório. – Sabe, acho que não é nada não. – falou ele fazendo um falso exame. – Tome estes comprimidos aqui. – ele falou, receitando um antialérgico qualquer.

O paciente foi embora estranhando a atitude do médico, mas aceitando o exame e Paulo foi para casa, contente que o dia estava acabando.

Uma semana se passou, tranquila, com o mesmo tédio de sempre, até que chegou um paciente no departamento de autópsia, o que fez Paulo ter que sair da clínica, para verificar a causa da morte do paciente defunto que havia acabado de chegar.

Ele chegou tranquilo na sala esterilizada do necrotério, mas sua tranquilidade vai para o espaço, quando ele vê que o defunto era ninguém menos do que o paciente que havia chegado na clínica uma semana atrás, reclamando de câncer. Estremecido, ele pôs-se a cortar o homem e arrancar alguns pedaços para fazer biópsias e exames. Porém, o resultado da autópsia o surpreendeu. Acusou que ele tinha mesmo câncer, mas um câncer que poderia ter sido curado, não fosse ele ter receitado o antialérgico para o paciente, que entrou em conflito com o câncer, co-operando para sua morte precoce. De fato o homem sentiu um pesar em seu peito, um pesar terrível. Era culpa o que ele sentia. Se não tivesse pensado apenas nele próprio, poderia ter salvo a vida do homem que estava morto, ali, na mesma sala que ele.

Arrependido, foi com pesar assinar o relatório da autópsia. Foi neste instante que as luzes começaram a piscar e se apagaram, fazendo o médico Paulo ficar com medo. Quando enfim a luz voltou, a cena com que Paulo se deparou foi horripilante. O corpo do paciente defunto estava bem em pé, na sua frente. Os locais onde Paulo havia feito furos, escorriam sangue, manchando todo o chão. Paulo não sentia as pernas, de forma que não conseguia se mexer. O morto começou a rir da cara dele, um riso de raiva e de vingança.

- Você me deixou morrer por causa do seu egoísmo, seu idiota. EU PODIA ESTAR VIVO! – ele berrou, mas o único que podia ouvi-lo era Paulo, pois ele era o culpado pela morte do rapaz.

- Olha me desculpe! Eu não queria... Olha...E-eu... Eu estou arrependido. – Paulo falou, tentando controlar seu medo, mas o defunto só gargalhava.

- Você vai me pagar. – o defunto falou indo em direção a Paulo e o agarrando pelo pescoço com uma força sobrenatural. Paulo não teve tempo de correr, gritar ou qualquer outra coisa. Foi arremessado contra a parede e em seguido colocado numa cama.

O defunto pegou uma agulha para fazer punção lombar e enfiou com tudo na barriga de Paulo, que deu um berro de dor, digno de pena. O sangue começou a escorrer pelo pequeno furo. Mas o defunto não estava satisfeito. Pegou um bisturi e cortou a barriga do médio em forma de círculo e com a mão, arrancou-lhe órgão por órgão. O homem estava quase morrendo quando o defunto, ainda insatisfeito, cortou-lhe a garganta fazendo espirrar sangue para todos os lados. Quando Paulo enfim morreu, o defunto não mais gargalhou, pois sentia raiva, mas sabia que sua morte estava vingada. Antes de ele deixar o local para vagar mundo afora, assinou algo em algum papel.

De manhã quando o faxineiro chegou para limpar o necrotério, levou um susto com o que viu: a total destruição da sala de autópsia e, em cima da maca, ao invés do corpo do defunto com câncer, estava o corpo, todo mutilado, de Paulo. Os policiais ainda acharam um papel, um atestado de óbito e nele, estava escrito: “Causa da Morte: Egoísmo”.

Camilla T
Enviado por Camilla T em 20/10/2012
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