O Filho do Advogado do Diabo

Jeferson, ou Jef, como gostava de ser chamado, era um garoto de dezesseis anos, um tanto introspectivo demais para a sua idade. Gostava de ficar recluso na escola, ainda mais por causa de seu pai.

Sempre que se encorajava a levar alguma amizade adiante, nunca respondia quando as mesmas perguntavam qual a profissão de seu pai, ou então ele mentia, dizia que seu pai era administrador ou qualquer outra coisa. A verdade era que ele tinha vergonha da profissão de seu pai, um advogado criminal, daqueles que defendem bandidos das piores espécies.

Em seus dezesseis anos de vida tinha conseguido esconder a profissão do pai, até que certo dia, na nova escola, em uma cidade bem pequena, com quase novecentos habitantes, os professores resolveram passar um trabalho, onde seus pais deveriam ir à escola falar de suas profissões.

Jef enlouqueceu com tal trabalho e fez de tudo para que conseguisse escapar daquilo, mas ao chegar em casa, seu pai falou que ele e a esposa já haviam confirmado a presença deles no evento escolar do filho. Nada que ele disse fez os pais mudarem de ideia.

- Filho, por acaso tem vergonha do emprego do seu pai? – seu pai perguntou. “Você nem imagina o quanto”, ele pensou, dando-se por vencido.

Quando enfim chegou o dia do tal trabalho, Jef tentou fingir uma febre, mas não obteve êxito e ele acompanhou os pais até a escola. Quando chegou a vez de sua mãe falar ele ouviu. Da mãe tinha orgulho – era uma costureira famosa por costurar para várias grifes. E então chegou a vez do pai, e tudo o que ele queria era fugir dali.

- Meu nome é Martin Medeiros e eu sou advogado criminal, uma profissão muito importante.

- O que o senhor faz? – perguntou Sarah, colega de classe de Jef.

- Eu defendo pessoas que foram acusadas de cometerem crimes. – ele falou, e toda a classe se espantou – Todos têm direito à uma segunda chance e, às vezes, não cometeram os crimes pelos quais foram presas. – continuou, e todos continuaram espantados. O silêncio imperava na sala e, quando a professora pediu que um novo pai se apresentasse, um engraçadinho falou no fundo da classe:

- Ele é o advogado do diabo. – Todos riram e a professora, furiosa, pediu que quem tivesse falado aquilo que se identificasse, mas ninguém falou e ela nada pôde fazer a não ser pedir desculpas ao senhor Medeiros.

No dia seguinte ao do evento, Jef preocupava-se em como seria tratado na escola. Suas preocupações mostraram-se reais. Quando ele chegou, todos na sala cantaram em coro: “Jef é filho do advogado do diabo... Jef é filho do advogado do diabo...”.

Ele odiava aquela situação, todos os dias era a mesma coisa. Até que um dia Jef se cansou daquela situação. Estava sozinho num parque quando, com raiva, gritou:

- Se eu sou filho do advogado do diabo, cadê o cliente do meu pai? – ele perguntou. De repente as luzes dos postes se apagaram e uma imagem foi surgindo, toda feita de lava e fogo.

- Estou aqui Jeferson Medeiros. – falou o diabo em pessoa. O garoto ficou assustado. Não sabia que podia convocar o coisa ruim assim.

- Você pode me ouvir?

- É claro. Aliás, você me chamou. Deve haver um motivo e talvez eu possa lhe ajudar. – falou. Sua voz era sedutoramente cativante e amigável.

- Todos ficam me tirando na escola, dizendo que sou filho do advogado do diabo. – falou.

- Eu posso te ajudar. É só confiar em mim. – o diabo falou. Jef pensou – a proposta era sedutora. Falou:

- Você pode acabar com isso?

- É claro Jeferson. Você confia em mim?

- Confio. – o garoto falou e o diabo riu e desapareceu, depois de confirmar que acabaria com aquela situação.

Jef foi para casa achando tudo aquilo uma loucura, certo de que imaginara a conversa com o diabo. Chegou em casa e foi jantar com os pais. Tiveram uma conversa boa e seu pai falou que tinha uma surpresa, mas que só contaria no dia seguinte para o filho, pois queria confirmar primeiro. Quando o rapaz foi se deitar, sentiu vontade de dizer aos pais que os amava.

O rapaz acordou, pronto para enfrentar mais um dia de provocações. Levantou, lanchou, se arrumou e foi para a escola. Para a sua total surpresa, ninguém o chamou de filho do advogado do diabo e um pessoal até o chamou para ele se sentar com eles no intervalo. Ele estranhou, mas aceitou. Parecia que ninguém se lembrava de quem ele era filho e ele achou que o diabo o estava mesmo ajudando.

No intervalo, Luana, amiga de Sarah, falou que a amiga queria ficar com ele e ele foi falar com a menina. Acabaram ficando ali mesmo e combinaram de se encontrar depois da escola. O dia acabou e quando Jef voltava para casa, cruzou com um senhor que parecia ser de alguma igreja e que o chamou.

- Meu filho, não deposite sua fé nas coisas erradas. Não seja egoísta. Aceite a Palavra. – Jef apenas deu às costas e saiu dali, mas sem parar de pensar nas palavras daquele senhor. Sentiu um aperto no peito e correu para casa. Ao chegar lá, estava vazia e um bilhete dizia que sua mãe estava no hospital. Ele foi para lá, e encontrou sua mãe, aos prantos.

- Mãe?

- Oh filho... O seu... Seu pai... Morto. – falou entre lágrimas e o abraçou. – Justo hoje que ele ia começar no novo emprego como jurado do tribunal. Mudou de emprego por você. – falou. Então aquela era a surpresa, pensou, o pai largaria o emprego de advogado do diabo, enquanto ele fazia pactos com o próprio.

Ele entrou no quarto onde seu pai repousava, morto.

- Aparece seu desgraçado! Você matou meu pai!

- O que há Jeferson? – o diabo perguntou. Estava sentado na cadeira do acompanhante. Ninguém os ouvia.

- Você matou meu pai.

- A seu pedido. Ninguém te chamou de filho do advogado do diabo hoje. – ele falou, rindo.

- Não era para matar meu pai! Ele ia mudar de emprego! – gritou. Nessa hora o diabo aumentou o fogo ao seu redor, com se fosse queimar todo o quarto.

- Foi sua escolha seu idiota! – falou, deixando o tom amigável de lado. – Eu só fiz o que você pediu. Cresça e aprenda a fazer as escolhas certas. Passe a esperar o tempo certo para as coisas. Você só está colhendo o que plantou. – o diabo gritava. – Ou achou mesmo que eu ia fazer um favor, assim, de graça, sem derramamento de sangue? – ele falou. E com o eco de sua risada sobrenatural, o diabo desapareceu, deixando Jef arrasado e aos prantos.

A partir daquele dia, ninguém mais o chamou de filho do advogado do diabo, mas o preço que ele pagou por isso foi alto. Ele nunca mais foi feliz, pois cresceu com o sofrimento da mãe, que não se conformava com a viuvez precoce, e com o próprio sofrimento, que o tornou, mais uma vez, excluído de tudo e de todos, enquanto viveu, culpando-se pela morte do pai.

Camilla T
Enviado por Camilla T em 22/10/2012
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