A Última Sessão

Dedico este conto a todos leitores do Recanto das Letras!! Em especial ao Julio Dosan, Zeni Silveira, Eliane Verica, Felipe TS, Gantz, William Medeiros, Eduardo Abreu, Deivid Ducca, Allan Rossi, Leônidas Grego, JJ de Souza, Raphael Andrade, dentre tantos outros que acompanho, e me acompanham..... Meu abraço a vocês!!!! Espero que gostem da leitura!

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-Vamos amor! Desse jeito a gente não chega!

-Ai que droga! Porque vocês ficam acelerando a gente?

Daniel esperava impaciente Juliana terminar de se arrumar. Sabia que no final toda aquela espera seria recompensada, mas ele não tolerava demoras, e Juliana sabia disso.

-Vamos logo! Deixei os ingressos comprados. Não quero me atrasar para o filme.

-Saco! Você com essa mania de ser apressado...

Daniel bufou alto e se jogou no sofá. Esperou dois meses até o lançamento e agora ia perder a estreia. Quando era ele quem ia assistir filmes chatíssimos de romance Juliana sempre estava adiantada. Começou a mexer em seu celular buscando pelos joguinhos sem graça daquele simples aparelho, quando a porta do quarto dela finalmente se abriu.

-Estou pronta, e ai o que acha?

-Está linda, perfeita, maravilhosa. Vamos?

Juliana se irritou. Ela havia experimentado 04 blusinhas diferentes, usado sua melhor maquiagem, estava com sua bota nova e ele mal havia notado.

-Vamos seu grosso.

Daniel subiu as escadas correndo e entrou no carro. Assim que Juliana se sentou ele saiu cantando pneus.

-Torce pra gente não perder a sessão.

-Fica calmo amor. Vamos conseguir.

Daniel dirigia apressado cortando os carros pela avenida. Hora ou outra metia a mão na buzina e gritava:

-Vai pra direita seu infeliz! Tira essa merda da frente!

A afobação de Daniel não o ajudava em nada. Na verdade, ela era resultado de todo stress pelo qual ele passava no trabalho, e a única forma que ele conhecia de extravasar seu nervosismo era essa.

Os dois chegaram em cima da hora, pouco antes da sessão começar. Por sorte a sala estava pela metade e havia bons lugares para sentar.

-Pipoca! Olha a pipoca!

Uma funcionária do cinema passava empurrando um carrinho e oferecendo os produtos aos que estavam na sala.

-Quer uma amor?

Juliana assentiu com a cabeça e Daniel comprou um pacote e um copo médio de refrigerante. A vendedora saiu da sala e as luzes escureceram. A sala era grande e tinha um teto alto. Juliana sentia certa vertigem ao olhar para ele de vez em quando, mas no momento, se preocupou em segurar a mão de seu namorado.

Estava arrependida de ter aceitado ir com ele naquele cinema. Não gostava de filmes de terror, e Daniel sabia disso. No entanto ela tinha optado por ir desta vez por ser aniversário dele, e não queria deixa-lo só.

Era a última sessão. Talvez por isso a sala estivesse pela metade.

As luzes se apagaram por completo após a exibição do último trailer.

Era um filme de terror em estilo antigo. Chamava-se “Nos tempos das trevas”. Tudo era em preto e branco, e as cenas rendiam bons sustos a plateia.

Juliana queria ir embora, mas pode ver o entusiasmo no rosto de Daniel. Não queria ter de chateá-lo, fazendo ir embora por sua causa, de forma que aguentou até o final do filme.

Daniel vibrou e levantou-se empolgado da poltrona.

-Puta filme bom!

-Não concordo muito - disse Juliana esforçando-se para mostrar um sorriso.

-Ah... Deixa de ser mole! - Daniel riu e estendeu-lhe a mão -. Vamos indo?

Juliana levantou-se olhando para os outros casais. Todos sorriam e conversavam empolgados discutindo o filme. Aos poucos, a sala ia se esvaziando e os dois enfim saíram.

Havia um pequeno aglomerado de pessoas em frente a um dos caixas. Daniel e Juliana passaram batidos procurando não dar atenção. Provavelmente alguém tinha passado mal, ou podia ser briga. Tanto faz. Juliana e Daniel sempre foram na deles, de forma que não se importaram.

Foi quando abriram a porta que se deram conta de que estavam envolvidos em um grave erro.

-Mas que...?

-Vamos voltar pra dentro - interrompeu Daniel.

Os dois correram para dentro do saguão do cinema. Lá dentro, as pessoas estavam apreensivas. Umas com braços cruzados, outras sentadas nos bancos, e outras tentando falar no celular. Eles tinham sido trancados.

-Amigo, - Daniel dirigiu-se a um homem alto que falava com um grupo de pessoas - estamos trancados mesmo?

Manoel virou-se procurando por sua namorada. Ela tentava falar com o pai no telefone. Cruzou olhares com ele deu um tchauzinho. Em seguida, ele olhou para Daniel.

-Pois é... Parece que se esqueceram da gente e foram embora. O pessoal está tentando contato, mas ninguém está conseguindo.

-Ué... E o funcionário do projetor?

Robson apresentou-se:

-Sou eu. Acho que também me esqueceram aqui dentro. Estou indo procurar pelos seguranças. Há dúzias deles aqui à noite. É só acharmos alguém que saímos daqui. Uma pena, diga-se de passagem. Meu último ônibus deve ter acabado de passar.

-Qual seu nome? - perguntou Daniel.

-Sou Robson, e o seu?

-Daniel. Prazer em conhecer.

Manoel também se apresentou.

-Podem me chamar de Mané.

-Bom, se ficarmos aqui dentro não vamos sair tão cedo, não é? O que acha de irmos todos procurar pelos seguranças? O shopping é enorme. Seria bom se andássemos juntos. Não quero ter que demorar muito aqui dentro.

Daniel e Mané concordaram com a ideia de Robson, e em poucos minutos todos estavam do lado de fora do cinema, procurando pelos seguranças.

O breu do shopping era completo, quebrado apenas pela luz da lanterna de Robson e algumas piscadelas de celulares.

Robson estranhou. Normalmente o shopping ficava com algumas luzes acesas a noite, pois sempre existiam faxineiras indo e vindo com baldes, enceradeiras dentre outros produtos. E sem falar claro, dos seguranças. Sempre ficava ao menos um em cada corredor.

Mas dessa vez tudo estava deserto. Só podia ter acontecido alguma coisa.

Daniel no fundo achava a situação engraçada. Via o medo no rosto de sua namorada, e sabia que no dia seguinte teria uma história incomum, e no mínimo um pouco assustadora para contar. Seus amigos no trabalho eram como ele. Vidrados em histórias de terror, e em filmes. Por vezes, esse era o assunto do dia inteiro.

Achava uma pena William e Eduardo não terem ido com ele. Mas fazer o que? Daniel não podia perder aquele filme.

-Amor... Não devíamos ter vindo - ralhou Juliana.

-Relaxa linda. Só vamos achar a saída e logo estaremos em casa.

O grupo de pessoas chegou à praça de alimentação. Robson, que portava a lanterna parou por uns momentos e por fim resolveu prosseguir.

-Tudo bem amigo? - Perguntou Mané.

-Tá um cheiro estranho aqui.

Os dois foram um pouco a frente conversando, quando escutaram um barulho não muito longe dali. Eram gemidos de mulher, e vinham do banheiro.

Todos ficaram apreensivos e pararam diante da porta.

-Juliana, você entra lá dentro?

Daniel esperou uma resposta de sua namorada, e ao pegar em sua mão reparou que ela suava. Por um instante tinha se arrependido de leva-la até lá. Aquela situação parecia ficar a cada momento mais estranha, e seu desconforto aumentava à medida que os acontecimentos se desenrolavam.

-Eu vou - disse uma das mulheres do grupo - me dê sua lanterna. Vou lá ver o que está acontecendo. Quem sabe alguém possa nos ajudar?

-Vou também- apresentou-se uma senhora soltando-se dos braços de seu marido.

As duas entraram no banheiro, e por um instante tudo silenciou-se. Repentinamente ouviram-se gritos, e Maria saiu ensanguentada de lá dentro.

-Corram!!! Eles estão por todo lado! Corram!!!

O grupo se viu cercado por sombras que saiam de dentro da escuridão. Um a um, eles eram tragados para dentro do breu e seus gritos, calados.

Daniel não cria naquilo. Só podia estar sonhando ou a cena do filme estava realmente se repetindo? Não tinha tempo para pensar.

Pegou na mão de Juliana e correu desenfreado, seguindo Robson e Manoel, que juntamente com sua namorada, buscavam a saída. Chegaram finalmente diante de uma porta de vidro. Esta estava aberta, e os quatro saíram pra fora. Do outro lado, um segurança olhava resoluto para eles.

-O que estão fazendo ai dentro?

Juliana chorava copiosamente, enquanto Daniel, Robson e Manoel tentavam explicar ao guarda o que tinha acontecido.

-Calem a boca! Vocês não deviam estar aqui dentro! Não numa hora dessas. Antonio, aonde você está?

O segurança tentava contato com seu colega no interior do shopping, mas tudo o que conseguia era o som da estática como retorno. Sacou o revolver da cintura e virou-se para o grupo que o observava:

-Fiquem aqui. Vou lá ver o que está acontecendo.

-Melhor o senhor não ir - disse Juliana.

Tarde demais. O segurança já havia entrado lá dentro, enquanto os 05 que estavam do lado de fora contemplavam horrorizados as sombras o arrastar e sumir com ele na escuridão.

-Precisamos sair daqui - disse Daniel.

Mas Juliana já estava no interior do shopping novamente. Perplexo, Daniel pode ver do lado de fora as sombras se aproximarem. Em um súbito arranque, correu até ela e a jogou para o lado de fora, enquanto era arrastado corredores adentro. Juliana ainda pode ver reflexos de luzes vermelhas iluminando as sombras, fazendo-as ficar brancas.

Daniel acordou assustado. Levantou-se de sua cama e correu até o telefone. O relógio marcava 01:30 mas ele tinha que ter certeza de que tudo aquilo não passara de um pesadelo.

-Alô Juliana?

-Papai... O Daniel quer falar com a Ju...

Outra voz entrou na linha.

-Escute aqui moleque! Não sei quem você é, mas isso não é hora de passar trotes na casa dos outros!

Bateram o telefone na sua cara.

Daniel pegou as chaves do carro e desceu pelas escadas. Viu sua mãe sentada no sofá. Suas mãos cobriam-lhe o rosto, e dele emanavam soluços de desespero. Havia outras pessoas na casa. Sua avó que ele não via desde o ano passado, seus primos e colegas do trabalho. Todos com ar triste e agoniados.

Antes de chegar até sua mãe, viu o pai esmurrando a mesa na cozinha.

Daniel abaixou-se e tocou a mãe.

-Mãe... O que aconteceu?

Elvira ergueu a cabeça por uns instantes e o contemplou. Um leve sorriso pareceu querer brotar de sua face, mas levantou-se passando direto por Daniel, e abraçou a mãe de Juliana.

-Eu sinto muito dona Elvira. A Juliana disse que não queria ir com ele pra lá... Tentou fazer outro passeio...

-Como ela está Helena?

-Nada bem. Ela inalou muita fumaça. Os médicos não acham que ela poderá sair do coma.

Na TV, imagens de um shopping em chamas eram exibidas em uma reportagem.

-Ei, mãe!!! O que aconteceu?

Elvira não olhou Daniel. Este, desesperado acompanhava a conversa da duas mulheres, em busca de alguma resposta.

-E quanto aos outros dois? - perguntou Elvira.

-Não aguentaram. Morreram hoje à noite.

O choro invadiu a casa e todos pareceram se entregar ao mais profundo amargor e luto que a morte podia conceder.

Daniel corria pelas ruas com aflição. Queria chegar ao hospital o quanto antes e ver seu amor, antes que ela partisse.

A chuva começou a cair na noite, e ele sentia os pingos molhados lhe atravessarem a alma a cada passada que dava.

Minutos depois, lá estava ela.

Um tubo estava enfiado em sua boca, e outros dois menores, ajudavam-na a respirar, conectados a seu nariz. Daniel alisou seus cabelos e beijou sua face desejando profundamente que ela acordasse, que não o deixasse só.

Um médico entrou no quarto com uma radiografia nas mãos. Examinou-a contra a luz, passou por Daniel e tomou o pulso de Juliana.

-Está melhorando... - analisou.

A porta se abriu novamente, sem que o médico percebesse. Por ela, entrou alta e elegante a própria morte. Fria, sem expressão. Apenas seus olhos vermelhos penetrantes pareciam transmitir alguma coisa perante seu corpo totalmente sem vida.

-Você a salvou filho. Deu tempo a ela, poupou meu trabalho... Mas está na hora de dizer adeus.

Daniel desesperou-se diante do pronunciamento de sua captora. Antes que pudesse dizer qualquer palavra, a foice iluminante correu em sua direção mais rápido do que a luz, enquanto Juliana abria os olhos e via um vulto desparecer diante deles.

Confusa, respirou fundo e dormiu novamente, alegre pela sensação de ter visto uma última vez seu grande amor.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 23/10/2012
Reeditado em 23/10/2012
Código do texto: T3948003
Classificação de conteúdo: seguro
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