Os Rostos Dos Escravos do Além - parte III

O fenômeno mexera com a rotina da família. Era visível a preocupação nos rostos dos pais. As crianças estavam tensas. Jamile não largava do seu gatinho.

- Nós vamos embora? Vamos para onde? O papai vendeu a outra casa...

Os pais nada disseram. Ligaram para desmarcarem compromissos profissionais. As crianças seriam levadas para a escola em outra cidade, Feira de Santana. Ali, ficariam, com os avós, até que se resolvesse a situação.

- Os nomes são de etnias africanas. Escravos que vieram para o recôncavo, talvez. Pelo menos duas delas têm registro histórico na Bahia.

- Não sei o que se passou, tenho minhas dúvidas, esse menino tem arte. Não gosta daqui, e de tudo faria para nos importunar. Vive prometendo até matar o pobre do gatinho da irmã.

marcos ficou sozinho na casa, apesar de pouco temeroso, pois, ateu que era não acreditava em Deus, nem na vida após á morte. Procurou por toda á casa o material que pudesse ter escrito as palavras na parede. Nos quartos, na cozinha, sala. Depois seguiu para o quartinho dos fundos, onde se guardava de tudo,nada. As latas de tintas eram de material diferente, e estavam todas secas, impróprias para o uso, e não havia ali a cor vermelha. Insistente, conhecendo o filho que tinha saiu procurando pelo brejo, circundando à chácara.

para sua surpresa, encontrou o entulho das paredes que havia a pequena construtora derrubada para à reforma. Curioso,sem muita objetividade, funçou , por entre os blocos, e partes de paredes inteiras. Notou o desenho rústicos de rostos em algumas partes da parede. Juntou tijolos partidos e viu que unidos se desenhavam novos rostos. Todos de negros, de feições rústicas, expressando sofrimento,outros, ódio, ou angústia, alguns de expressiva tristeza.

- É sempres assim, quando a casa é barata, e revela ser um paraíso, tem bolo...

Marcos acreditava na vida material. Fenômenos que não tinham explicações lógicas, faziam parte dos fenômenos desconhecidos da mente humana, criações do inconsciente científico. Lia muito a respeito de parapsiquismo.

Foi remexendo os escombros, tirava a poeira com as mãos e foi descobrindo inúmeras cabeças, rostos pelas paredes. Algumas vezes, como num quebra-cabeça foi juntando as partes. Conseguiu juntas uma pequena parte de uma das paredes, ali estavam os rostos dos negros. Acima estava escrito:

Iorubás, haussás, bornos, baribas.

Agora, havia na sua face, uma expressão de preocupação, pois estava diante de um real enigma. " Como poderia ter nos escombros das paredes derrubadas, as quatro etnias, escritas, com a mesma tinta. Um vermelho sangue, vivo. saiu dali, nervoso, tropeçando nos escombros, no matagal. O suor lhe caía pelo cenho. Não sabia o que pensar daquela situação. Não sabia o que faria, a casa estava comprada - não poderia sair dali, agora, e não encontraria um comprador de imediato. Havia sete anos á venda, so agora, tendo sido comercializada, ele, de comprador. Entrou em casa inseguro, pegou do telefone e ligou para o corretor.

- Alô, Angelo, quero saber alguma informação da chácara. Não, não, não Armando, poupe-me dos elogios rasgados, sei que é um paraíso verde, distante da agonia da cidade grande, ar puro, afinal de contas ja fizemos negócios. Quero que seja sincero, sabia algo a respeito de alguns escritos nas paredes e de alguns rostos nas paredes?

O correto lhe pareceu convincente. A região é habitada por pessoas ligadas ao candomblé, às religiões dos orixás. Ali, foi um terreiro há muitos atrás. As terras foram desapropriadas pelo governo para a construção de uma ponte que nunca saiu do papel. Uma parca informação, nada além.

Inseguro, pegou da chave e entrou no quarto do filho, ficou pasmo, quase o seu coração lhe saiu pela boca. os olhos saltaram das órbitas, o fôlego lhe faltou nos pulmões.

( Continua)

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 31/10/2012
Reeditado em 07/11/2012
Código do texto: T3960902
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