JACK DOS SALTOS DE MOLA

Esse conto é baseado em uma história real que aconteceu em 1838 na Inglaterra.

“Surgiu das neblinas da noite, dando saltos enormes, o super-homem que manteve uma nação dominada pelo terror durante mais de 60 anos.”

(o grande livro do maravilhoso e do fantástico, 1977)

Na madrugada do dia 13, as luzes do giroflex invadiram o apartamento, o brilho colorido penetrou a cortina branca desenhando figuras sombrias nas paredes recém pintadas, os pés descalços tocaram o piso de madeira envernizado e seguiram para a janela entreaberta, o vento gelado adentrava as entranhas da alma, ela observou silenciosamente o movimento lá fora... mais uma vítima, agora em um beco próximo de onde morava, com essa já eram 15 moças mortas pelo misterioso assassino.

A primeira coisa a qual deitava os olhos quando acordava pela manhã era o velho porta retrato cuidadosamente posicionado ao lado da cama, fitava por alguns minutos o olhar terno de seu finado marido e suspirava de saudades. A senhora, já aposentada há alguns anos, vivia o resto de sua vida de lembranças do passado, levantou, vestiu-se com dificuldade e saiu apoiando-se em sua bengala. Os policiais ainda estavam à procura de pistas e da cabeça, o assassino era esperto... todas as vítimas, mulheres jovens, foram violentadas, antes e depois de mortas e suas cabeças, arrancadas e deixadas em lugares públicos e bem altos, lugares que não poderiam ser alcançados sem uma escada bem longa, mas o curioso é que assassino fazia isso sorrateiramente, sem ser visto por ninguém.

A velha caminhou lentamente em direção ao mercado ao qual ia todas as manhãs, percebeu uma agitação na praça do bairro e seguiu para o burburinho... era a cabeça, estava presa em um poste de luz alto no meio da praça. Impossível de ser alcançado sem uma escada, ou uma corda, tentava imaginar como isso era possível e de repente viu algo que a fez tremer, algo que trouxe a tona lembranças já há muito tempo enterradas no fundo de sua mente... e dentro de um caixão fechado... seu anel de noivado, caído próximo a cena do crime... um anel simples banhado a ouro que ela enterrou junto com seu esposo quando ele morreu.

Voltou para casa meio atordoada e muitos flashes de acontecimentos passados invadiam sua memória, ela agora, uma velha já tão debilitada já fora uma bela moça assim como as vítimas desse assassino... e houvera em seu passado uma figura misteriosa que assombrava a cidade onde viveu, fazendo dezenas de vítimas... ele era chamado Jack dos saltos de mola, uma aberração da natureza que dizem saltava metros de altura e violentava as moças da pequena cidade, não se sabe se isso era verdade, mas o fato que a polícia local investigou o fato por muito tempo. E muitos relatos de pessoas que viram a figura aterrorizante pulando pelas ruas e telhados das casas espalhou o pânico por toda Inglaterra durante sessenta anos.

A escada era longa, e o elevador quebrado há dois meses a obrigava a exaustiva subida que lhe fazia as pernas queimarem, às vezes se perguntava por que morava tão alto, no apartamento pequeno ela raramente recebia visitas. O silêncio era soberano e a velha senhora conversava com os retratos inertes por todos os cômodos, retratos de pessoas que ela já não reconhecia filhos, irmãos e amigos que nunca teve e recortes de jornais emoldurados sobre o mistério do Jack salto de mola e a morte de seu marido que, ela acreditava estar relacionada.

Na sala escura ela repousava todas as tardes sobre sua confortável cadeira de balanço em frente a TV desligada, com o desenho feito a próprio punho do misterioso ser que a assombrava, entretanto dessa vez algo a mais a atormentava o anel encontrado a fazia crer que ele estava de volta e que a estava procurando.

A exatamente setenta anos ele apareceu pela última vez, ela era apenas uma garota de dezoito anos, recém casada e se recuperando de um aborto espontâneo que a impossibilitou de ser mãe, estava trancada no banheiro e passava uma lamina afiada pelos pulsos na tentativa de tirar a própria vida, quando ouviu batidas na porta. Era aproximadamente meia noite e seu marido estava ausente, ele era médico. Assustada ela caminhou até a porta com os pés descalços no chão frio... os pulsos sangravam um pouco, mas não o suficiente para que morresse. As batidas eram fortes e insistentes, ela se aproximou da porta lentamente. As batidas cessaram. Colocou o ouvido na madeira em busca de algum ruído, mas não houve tempo, em questão de segundos ele estava sobre ela, seu olhos de brasa a cegaram e ele passou a corda em seu pescoço, mas antes que a luz a tirasse a visão ela pode ver chifres e que para ficar do tamanho dela a criatura estava de joelhos.

Ele lhe rasgou a camisola apertando a corda em seu pescoço frágil, lhe abriu as pernas com violência e fez com ela o que lhe dava a fama monstro. Ela mergulhou em um mundo de escuridão, acordou com dois baques surdos e viu a aberração morta a sua frente, dois tiros na cabeça, em sua mão, ainda com fumaça no cano, uma pistola, largou a arma com repulsa, o sangue que escorria por suas pernas era igual ao que formava uma poça sob o corpo imóvel... e agora ele não parecia tão grande, nem tão ameaçador, ao se aproximar percebeu seu erro mortal... o cadáver era de seu marido.

As lágrimas encharcavam o desenho em suas mãos, pelo reflexo da TV, contemplava seu rosto flácido e enrugado, já fazia tanto tempo, mas ela nem sempre se lembrava de tudo. A noite sorrateira inundou a sala, e ela não tinha mais dos que a fraca iluminação da rua adentrando pela janela quando um barulho na cozinha a deixou alerta, levantou-se com dificuldades e caminhou até o corredor pouco iluminado. Algo se movia lentamente, fazendo um chiado no piso de madeira, aos poucos a figura se revelava na luz fraca... era uma mulher, nua de cabeça para baixo, seu corpo coberto de sangue girava, mas a cabeça apoiada no chão permanecia imóvel, com os olhos vermelhos e iluminados...

A velha não se lembra de ter deitado, mas acordou suando frio na sua velha cama com o retrato na sua frente e o anel posicionado em seu travesseiro, caminhou até o corredor e um risco no piso desenhava a trajetória da criatura medonha que vira na noite passada. A caminho do mercado viu mais uma vítima ser recolhida de seu leito de morte, o contraste da pele branca o do vermelho intenso do sangue lhe eram familiar.

Naquela tarde a velha permaneceu com os olhos fixos no desenho, porém agora, ela já não tinha certeza de que ele era realmente daquele jeito, talvez ele fosse mais baixo, ou mais velho... com certeza mais velho. Pelo reflexo da TV fitou sua face pálida, como em um pesadelo viu seu rosto se transformando... seu cabelo, seus olhos, sua expressão, viu a figura do Jack surgir em sua face como ela o imaginava agora, não da forma que ela desenhou há sessenta anos, não tinha chifres, e sim orelhas pontudas e seus olhos eram gelo. Ela assustada, com a boca e os olhos abertos em espanto, se afastou aos tropeços da TV, tocando o próprio rosto em busca de mudanças, mas tudo parecia normal, enquanto na tela ele se transformava a cada detalhe que a velha inventava em sua mente, misturando-se com as faces dos retratos e suas lembranças confusas... até surgir por completo uma nova criatura, com o mesmo propósito.

Em segundos a imagem se projetava para fora do aparelho, uma figura fantasmagórica de dois metros de altura, com rosto desfigurado exibia seus dentes pontiagudos em uma gargalhada que ecoou pela sala escura, caminhou com vigor para a janela onde desaparece em um salto. A velha senhora, com o coração acelerado e as pernas trêmulas demais para suportar o próprio peso, ainda assim, arrastou seu corpo inútil o mais rápido que conseguiu até a janela onde pôde ver Jack sumindo por entre o emaranhado de prédios aos pulos de mais de cinco metros de altura.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 12/11/2012
Código do texto: T3981858
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.