A maldição

Com um lenço comprimindo o nariz e a boca, o homem se aproximou da velha cripta. La de dentro veio o barulho de alguém rastejando, e como fazia todos os dias, ele deixou a vasilha de comida e se afastou apressado. Seu pensamento era sempre o mesmo: Até quando aquela pobre criatura resistiria? Quando a morte viria libertá-la de tamanho sofrimento? Já havia perdido parte dos membros do corpo desde que chegara doente e pedira para morar naquela parte esquecida do cemitério. A história da mulher era muito triste. Assim que o marido descobriu que ela estava com lepra, ordenou que saísse de casa, e como a esposa recusou tentou assassiná-la. Sem destino e sem nenhum parente, ela recorrera ao coveiro que fora amigo de seus pais já falecidos. Apesar do medo de contrair a terrível enfermidade, o homem deixou que ela ficasse na cripta, e todos os dias levava lhe água, comida e algum remédio. Enquanto isso o marido que a escorraçara doente, casou novamente e estava prestes a ser pai. Sua nova esposa sabia do fim terrível que teve a outra, e nem se importava. Era fria, vaidosa e egoísta. Achou que o marido fizera certo em colocar para fora de casa sua primeira mulher. As dores eram lancinantes e por vezes Maria Clara implorou pela morte. Deitada em um desgastado colchão ela sofria e esperava. Uma vez por dia ela se arrastava tal qual um réptil pelo chão frio e úmido para buscar o alimento trazido pelo coveiro. Suas mãos já não existiam então ela se alimentava com dificuldade ali mesmo na entrada. O ódio à mantinha viva. O dia do parto de sua segunda mulher chegou. André ouviu pouco depois a terrível noticia. O bebê nasceu cego, sem os dois bracinhos e sem os pés. A mãe não resistira a uma forte hemorragia e falecera. Desesperado o homem voltou para casa levando nos braços a criança defeituosa. Dias depois ele a matou asfixiado. Não conseguiu aceitar a anomalia do filho. Passaram-se os meses, e André adoeceu. Uma febre insistente o deixou prostrado. Bolhas avermelhadas surgiram em sua pele e ao procurar o médico soube que estava com lepra e que não havia nada a ser feito. A doença já avançara muito. Lembrou então da primeira esposa e do quanto fora covarde. Decidiu ir visitá-la no cemitério, mas chegando lá foi informado que Maria clara morrera. Finalmente conseguira descansar. Pediu então para visitar a cripta onde ela passara todo aquele tempo, mas ao entrar as pedras se deslocaram e o sepultaram vivo. Horrorizado o coveiro que o esperava do lado de fora, não teve reação. Apenas rezou baixinho quando viu o espectro de Maria Clara ao seu lado sorrindo satisfeita.