Pantanal das Lamentações - parte 3

Enquanto os últimos fios de cabelos brancos, resquícios do que tinha sido Rafaela, se dispersavam no pântano, os cinco sobreviventes prosseguiam com suas chagas, dores e cansaço procurando uma maneira de escapar daquele lugar. Entretanto a paisagem continuava imutável e infinita.
- Este lugar não acaba – comentou Cesar – parece não ter fim!
Essa era a impressão que todos compartilhavam. Eles vagavam condenados por um mundo hostil e desconhecido, onde sofrer parecia ser a única regra.
- Não se preocupa não, em breve seu sofrimento vai acabar e essa sua boca imunda vai se calar. Esse lugar vai acabar com você, vai acabar com todos nós. – provocou Arnaldo.
- Está louco para se livrar de mim não está? – questionou Cesar.
- Com certeza! Você não passa de um bandido de araque, se alguém merece estar aqui esse alguém é você. Afinal, foi por causa de seu assalto frustrado que viemos parar aqui.
Cesar apenas olhou friamente para o guarda antes de continuar:
- Sim eu sou um bandido, um criminoso. Mas não pense que não sei qual é a sua que eu sei sim. Vi quando falou daquele rapaz, que pretendia apaga-lo, eu posso não prestar, mas você é igualmente imprestável. Deve ser a porra de um assassino que virou segurança.
Arnaldo achou graça da conclusão de Cesar e riu:
- Hahaha… sim eu já matei muita gente, muita gente boa, mas a maioria era de canalhas como você. E quer saber? Eu também mereço estar neste lugar, e quando a morte vier me buscar eu vou rir na cara dela.
Ernani ouviu tudo e, sem aguentar mais, ralhou:
- Querem parar de discutir! Se querem morrer que morram, eu quero é sair daqui – disse ele, quase chorando como sempre fazia.
Desta vez foi Cesar quem riu:
- Ora, ora doutor – disse ele – seu segurança disse que você é a pior espécie de homem, um velho devasso de uma figa. Acho que você merece estar aqui mais do que a gente.
Arnaldo ainda comentou:
- É, tirando essa menininha é claro, e só por que dizem que “criança tem a salvação garantida”, eu diria que todos aqui estão no lugar certo, aqui todo mundo tem um passado podre. Estou certo piloto?
Augusto até o momento estava calado, apenas segurava a mão da criança e continuava a dar seus passos lentamente.
- Isso é você quem está dizendo – respondeu ele voltando a seu mudismo.
Na verdade algo incomodava Augusto, o leve ardor que antes sentia agora havia se transformado em uma queimação persistente e cada vez mais forte, ele olhou mais uma vez a pele de seus braços e percebeu que ela tomava uma coloração avermelhada e pelo que sentia era fácil deduzir que todo o seu corpo estava daquela maneira.
- Parece que pegou uma urticária aí piloto – brincou Arnaldo – cuidado para não passar isso para a criança, o doutor Ernani aqui não ia gostar nem um pouco de ver essa pele de anjo estragada.
Como se ainda fosse possível tanto Cesar quanto Arnaldo, que pareciam se odiar, cairam no riso. Ernani por sua vez tornou-se vermelho e gritou enfurecido:
- Seus idiotas! Querem saber a verdade? Pois bem eu digo, eu gosto sim de crianças, de meninas e meninos, já perdi a conta de quantas delas eu levei para meu apartamento. Aquelas peles macias… aqueles corpos virgens… eu…
Antes que continuasse a dizer qualquer coisa Ernani viu o mundo se apagar por um instante e de repente estava mergulhado na água e no lodo enquanto seu nariz sangrava. Ele levou as mãos ao rosto sentindo o sangue escorrer e olhou para cima, deparando-se com Augusto de punhos cerrados, era ele quem havia aplicado um soco no gerente.
- Por que fez isso? – chorou Ernani.
- A partir de agora você não virá mais com a gente! Ficará aqui esperando seu fim! – disse um furioso Augusto para espanto dos demais.
- Não pode fazer isto! Por favor tenha um pouco de piedade.
- Você não teve piedade das crianças que violou. Esse dois estão certos, você realmente merece esta aqui. Este lugar é para monstros e você é um monstro.
Augusto virou as costas. Ernani desesperado olhou Arnaldo e Cesar, mas estes não se importaram com sua desgraça e também o ignoraram seguindo com o piloto.
- Não! – Ernani implorou – Não vão sem mim, não me deixem sozinho. Eu não sou um monstro, não sou um monstro, não sou um mons…aaarrrggghh!
Ernani soltou um grunhido horrível que fez todos se voltarem. Eles olharam para o gerente que se contorcia todo no chão em espasmos violentos e gritos sem sentido.
- O fim está chegando para mais um – comentou Cesar.
Ernani gritava e berrava, berrava não mais como um homem, mas como um monstro que dizia não ser. E seus gritos foram se intesificando e a medida que gritava um grande volume crescia em meio a suas pernas.
- Tarado até na hora da morte – brincou Arnaldo apreciando o espetáculo macabro.
Realmente Ernani parecia estar tendo uma ereção, mas não uma ereção comum pois em pouco tempo sua calça se rasgou revelando um grande falo de cabeça vermelha que não parava de crescer. Primeiro ele ficou maior que as pernas de Ernani, depois ficou maior que o próprio Ernani.
- Mas o que é isso agora? – falou Augusto tentando proteger o olhar da menina da cena que viam.
O próprio Ernani olhava paralisado para seu pênis gigantesco, mas seu terror foi maior quando ele o viu se transformar em um criatura de multiplos dentes e olhos. E aquela criatura que um dia serviu a Ernani se virou sobre seu dono e, abrindo uma enorme bocarra, começou a devora-lo vivo, sem se importar com seus gritos de dor.
- Teve o que mereceu! – exclamou Arnaldo.
Mas assim que o monstro terminou de devorar o gerente ele se virou na direção dos quatro, de sua boca ainda escorriam o sangue e as visceras de Ernani.
- Vamos embora daqui rápido! – gritou Augusto.
Assim que disse isto a fálica criatura atirou-se sobre eles, se arrastando sobre o lodo com notável agilidade. O grupo se dispersou, cada um para um lado e o monstro escolheu a garotinha para perseguir. Arnaldo ao ver aquilo gritou:
- O maldito tem a mesma tara de seu dono!
Augusto percebeu que se não fizesse nada rápido a menina seria alcançada e devorada. Foi aí que ele se lembrou da arma que carregava, não havia funcionado com o cavaleiro, mas talvez ali...
Sem pensar mais ele correu em direção ao monstro e atirou. A criatura se contorceu toda e pareceu gemer de dor, mas se virou em sua direção demonstrando toda sua fúria. Augusto atirou novamente, a criatura quase foi ao chão soltando um gemido aterrador, mas ela ainda se aproximava. Mais uma vez o piloto apertou o gatilho, mas agora descobriu-se sem balas. O monstro avançava lentamente sobre ele, foi quanto um novo disparo foi ouvido e ela finalmente tombou.
- Estamos quites – disse Arnaldo segurando sua arma – é um cara sortudo piloto, essa era a última bala. É a primeira vez que mato um pinto gigante.
Eles se aproximaram da criatura, ela agora parecia se transformar, reduzia de tamanho e tomava uma forma mutilada, porém reconhecível.
- Ernani – falou Augusto observando no que o monstro se transformara – eu disse que ele era um monstro.
A menina se aproximou deles e, como sempre, permaneceu calada e abraçou a perna de Augusto, grata por tê-la salvo.
- Esse aí não vai te incomodar mais, não se preocupe – disse ele.
Cesar parecia estar nervoso, não aguentava mais aquele local e falou:
- Um cavaleiro maldito, sanguessugas insaciáveis, uma mulher que envelhece cem anos em um minuto e agora isso! Que merda falta acontecer agora?
Como que respondendo a sua pergunta todos escutam uma voz chamar:
- Cesar!
Augusto, Arnaldo e a menina se viram para olhar a origem daquele chamado, mas Cesar não, ele sabia a quem pertencia aquela voz.
- Tito? – diz ele – não pode ser, eu o vi morrer!
O medo toma conta de Cesar, ele se vira devagar e seu olhar se junta ao dos outros. Ele vê, se aproximando devagar, a figura de um homem, todo perfurado por balas e saindo por cada orifício uma quantidade de sangue maior do que aquela que seria possível encontrar em um ser humano. Mais que isso, aquele homem apodrecia a olhos vistos, seus olhos caiam das órbitas e o odor da morte contaminava seu corpo.
- Eu voltei Cesar – disse Tito – voltei para leva-lo comigo! Junte-se a nós Cesar, junte-se a mim, a André e a Rafaela.
- Não – gritava Cesar – afaste-se de mim!
Cesar porém descobriu-se imobilizado, não conseguia mexer braços ou pernas, permanecia estacado enquanto seu antigo comparasa se aproximava.
- Não deixem ele me pegar! – implorou ele para Augusto e Arnaldo - não deixem!
Augusto e Arnaldo apenas trocaram um olhar e se afastaram sem ao menos olhar para trás.
- Não! Miseráveis, não vão embora!
Arnaldo ainda se virou e disse:
- Eu falei que você ia antes de mim, não falei?
Cesar não podia fazer nada, apenas gritava. Tito aproximou-se dele bem devagar e disse:
- Você me deixou para trás Cesar, agora sabe qual é a sensação.
- Tito, por favor, eu…
- Calado! A sua hora chegou!
Tito então abriu sua boca podre e mordeu o pescoço do imobilizado Cesar que apenas gritou com a dor lacerante.
Augusto e Arnaldo ouviram os gritos mas não se viraram, apenas a menina se virou e parou um pouco para observar os últimos momentos do bandido.
- É piloto – falou Arnaldo – espero que saiba rezar, acho que seremos os próximos.
Cesar gritava, e seus brados melancólicos eram os únicos sons a preencherem o vazio daquele Pantanal.
 
CONTINUA…
Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 13/12/2012
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