A JUSTIÇA DE OLIVER - Parte Final

A JUSTIÇA DE OLIVER - PARTE FINAL

Mark adormeceu num banco no fundo da igreja que ficava perto do bairro onde cresceu e passou a maior parte de sua infância. Tempos inocentes, de uma época em que até onde ele se lembrava, havia respeito entre as pessoas, sobretudo naquele lugar sagrado onde todos se reuniam nas manhas de Domingo e nas terças e quintas para as aulas da escola dominical. Entretanto, as memórias de Mark não o ajudaram a ter uma boa noite de sono.

Mark teve pesadelos terríveis. Sonhou com Sony e Bernard, amigos de infancia que cresceram com ele, brincando todas as tardes, jogando beisebol e fazendo todas as brincadeiras e entraram na adolescencia paquerando as garotas do bairro e da escola e sonhando em ir para a universidade e ganhar o mundo. Mas o destino havia reservado outro destino para os amigos de Mark que foram convocados para a guerra do vietnam e nunca mais retornaram. Nao se soube mais deles e nem ao menos ouve um funeral.

Em seu pesadelo macabro, Mark pareceu estar de volta à praça onde se despediu dos amigos que partiram para a guerra. Eles nunca aceitaram muito bem a desculpa que ele deu para nao se alistar, pois sendo filho unico foi poupado. Afinal, os tres sempre foram unidos e nada parecia poder separá-los até que enfim a guerra os separou. Ainda assim, Sony teria dito a Mark que ele iria se arrepender por abandonar os amigos, ao que Bernard acrescentou dizendo que mesmo assim eles nunca se esqueceriam dele e que ele sempre seria amigo deles o que fez com que lágrimas rolassem dos olhos de Mark enquanto via os amigos subirem no ônibus para nunca mais ve-los novamente.

No pesadelo Mark estava sentado no banco da praça quando chegou um ônibus em meio à escuridao. Apos parar em frente ao banco onde Mark estava sentado, Mark percebeu que era o mesmo ônibus que havia levado os amigos Sony e Bernard. A porta do ônibus se abriu e entao Mark viu que nao havia motorista no ônibus e um forte cheiro de podridão contaminava o ar. Mark então ouviu uma voz chamando-o pelo nome ao que se levantou do banco e pensou e sair dali correndo mas ouviu novamente a voz familiar lhe chamando pelo nome e então reconheceu a voz como sendo de seu amigo Sony. Voltou-se então ao Õnibus e após uns instantes subiu no ônibus e caminhou com passos vacilantes.

Dentro do ônibus escuridão total e a voz, a voz que o chamava, uma voz familiar, que outrora vinha lhe chamar na porta de sua casa, todos os dias, à tarde, para brincar com os amigos da rua. A voz que o chamava era a mesma agora, porem Mark sabia que não era para brincar. Ao continuar caminhando em direção ao fim do corredor no ônibus, teve a sensação de frio no lugar, alem de parecer ouvir tiros e gritos de mulheres e crianças, como se estivesse numa guerra, a guerra que não quis lutar com os amigos.

Ao se aproximar do fundo pode ser um soldado mortalmente ferido. Suas entranhas estavam parcialmente expostas e o soldado cuspia sangue mas lhe sorria. Era seu amigo Bernard que lhe sorria e lhe falou dizendo que havia prometido que nao se esqueceriam dele. Mark notou que o amigo Bernard tinha perdido um dos olhos e estava segurando uma pistola. Mark entao perguntou onde estava Sony ao que Bernard tossindo e cuspindo mais sangue respondeu que Sony havia ficado para tras para segurar os vietcong e que desapareceu na selva, entre tiros, gritos e fumaça. Tudo era um terror profundo, dizia Bernard, completando que Mark fez bem em nao ir lutar na guerra. Mark entao tentou ajudar o amigo ajudando-o a se levantar e lhe dizendo que o levaria para casa, ao que Bernard lhe respondeu que nenhum deles jamais voltaria para casa e que os vietnogs estavam vindo e nao lhe restava outra atitude a nao ser puxar o gatinho. Em seguida Mark olhou para o interior do onibus e viu inumeros soldados vietcongs se aproximando para o tiro de misericordia no soldado morinbundo. O olhar dos soldados vietcongs era vazio e sem vida e seu semblante era a propria manisfestação da morte. Um a um iam se aproximando lentamente, falando em seu idioma, e empunhando suas baionetas. Mark pensou que ele e seu amigo iriam ter uma morte terrível e decidiu fazer algo mas antes de fazer qualquer coisa o amigo Bernard lhe segurou a mao e disse que as vezes a morte é a unica saída e em seguida apontou a pistola para a propria cabeça e puxou o gatilho.

Mark acordou assustado com o pesadelo. Se levantou e vi que ainda eram 5 horas da manha e se assustou com uma figura alta que estava de pé proximo a porta. Perguntou quem era e o estranho se revelou o padre da igreja se apresentando como o padre Jonas e lhe perguntou se estava tudo bem. Mark respondeu que sim e já estava saindo quando o padre lhe disse que estava ali há muito tempo e se lembrava dele quando ainda era um menino. Mark olhou para o padre e nao se lembrou dele, fez um sinal positivo com a cabeça e foi saindo quando ainda ouviu o padre lhe dizer para ter cuidado para nao encontrar o que estava procurando, ao que Mark se voltou para o padre mas nao mais o encontrou. Quando já estava saindo foi parado pelo zelador da igreja, um senhor latino que lhe perguntou o que fazia ali ao que Mark respondeu que havia feito uma confissão com o padre jonas. O zelador entao deu um passo para traz e fez o sinal da cruz dizendo que nao era possivel pois o padre jonas havia morrido havia mais de 10 anos. Mark entao compreendeu que nem ali na igreja estava completamente segudo e saiu apressado.

Caminhando até o seu carro Mark viu do outro lado da rua uma figura parada que o fez gelar o sangue. Era Emilia sua antiga amiga de primario, da escola. Ela sempre foi apaixonada por Mark mas era gorda, vesga e tinha dificuldades para caminhar, caminhando arrastando a perna com dificuldade, devido a uma doença rara que lhe afetava as articulações do joelho e os músculos. A menina o olhava fixamente com grande interesse e apos alguns momentos pronunciou seu nome, com uma voz mórbida e lhe exibiu um sorriso. O unico problema era que Emilia havia morrido há muitas décadas atrás, ainda em sua infancia, devido a complicações decorrentes de sua doença que evoluiu levando-a à morte prematura quando ainda era uma criança. Agora a figura macabra se movia em sua direção, arrastando a perna com um sorriso no rosto e olhar fixo em sua direção. Mark desesperado começou a gritar para as pessoas à sua volta que não compreendiam o motivo de seu desespero e o olhavam assustadas. Mark entao sacou sua pistola e apontou para a figura de Emilia que agora atravessava a rua apressadamente em sua direção. Houve panico, as pessoas começaram a correr e gritar desesperadas, pensando ser mais um assassino em série. Um policial que passava gritou para Mark colocar a arma no chão mas Mark se voltou desesperado e disparou tres vezes atingindo mortalmente o policial. Em seguida Mark entrou em seu carro e partiu para a casa de Oliver, o unico responsável por tudo aquilo que acontecia à sua volta.

Ao arrancar com o carro Mark pode ver o policial se levantando e Emilia quase agarrando a porta do carro. Avançou rapidamente pelas ruas locais e alcançou a avenida principal do bairro que o levaria para a casa de Oliver. Já estava chegando proximo a entrada que dava ao condominio onde Oliver morava e em sua ansiedade, acelerou fundo e ao fazer uma curva perdeu o controle do carro indo em direção às arvores, batendo o carro fortemente. Mark perdeu os sentidos.

Só acordou quando já era noite. Estava com o joelho muito machucado e cortes seu rosto mas nada muito grave. Ouvia barulho das sirenes e então viu que o carro estava dentro da floresta em meio à arvores e arbustos. Levariam dias para o encontrar se tivesse morrido no acidente. Lá em cima, a estrada que o conduziria à casa de Oliver. Foi com muito esforço que Mark conseguiu se arrastar pela floresta até ficar de pé e conseguir subir a colina até a estrada.

Caminhou com dificuldade pela estrada por mais de meia hora, arrastando a perna com fortes dores, até chegar ao condominio que estranhamente parecia uma cidade fantasma. Nem mesmo o funcionario da portaria ou os vigias. As casas estavam apagadas e um vento gerado soprava no local. Viu no celular que o chefe de policia havia ligado diversas vezes durante o dia mas nao pode responder. Nao havia uma viva alma naquele lugar. Ao caminhar pelas ruas viu pessoas mortas dentro de suas casas, sentadas no sofá ou caídas na varanda. A morte havia passado ali.

Uma unica casa estava com as luzes acessas. Era a casa do fim da rua, a casa de Oliver. Se aproximou com dificuldade. As dores eram agora insuportáveis e ele nao conseguia enxergar muito bem devido à pancada na cabeça mas sobretudo devido ao corte profundo que atingiu o olho direito. Sacou a arma decidido a acabar com Oliver e com o perigo que ele representava.

Mark parou em frente a casa que estranhamente estava com a porta aberta, como se o convidasse para entrar. Notou caixas na varanda indicando que Oliver estava de mudança o que ele nao permitiria. Nao deixaria Oliver levar à morte para mais nenhum outro lugar. Ao subir a escada para a varanda ouviu a velha canção de Ben E. King, Stand By Me e sorriu por toda a situação macabra que estava enfrentando e ouvir aquela velha canção

When the night has come, and the land is dark

And the moon is the only light we will see

No, I won't be afraid, oh, I won't be afraid

Just as long as you stand, stand by me

So darlin', darlin' stand by me

Oh stand by me

Oh stand, stand by me, stand by me

...

Mark chamou por Oliver que o esperava na sala sentado em seu sofá. Oliver o mandou entrar ao que Mark lhe apontou a arma e tentou disparar mas nao conseguiu. Pensou então que Oliver havia se tornado muito mais do que o porteiro, alguem que abria as portas do mundo dos mortos e dos vivos, mas alguem que tinha o poder do proprio diabo para espalhar a morte e o mal. Oliver sorriu e respondeu que Mark havia demorado e que o havia deixado preocupado afinal os vivos são muito perigosos hoje em dia. Mark perguntou a Oliver por que ele estava fazendo aquilo ao que Oliver respondeu dizendo que esse mundo nao valia mais a pena ser vivido pois tudo estava errado: violencia, imoralidade, corrupção, guerras, fome, doenças, desemprego, inflação, nao tinha chance de dar certo, respondeu sorrindo e entao ele estava dando uma maozinha para acabar mais rapidamente e assim aliviar o sofrimento de todos. Alias, disse Oliver, seus amigos estão aqui apontando para Emilia que o aguardava suspirando ofegante com um sorriso deformado pela doença que lhe havia destruido os musculos do corpo, alem de seus amigos Sony e Bernardo que o olhavam com ódio por tê-los abandonado sozinhos para irem à guerra. Oliver prosseguiu dizendo que ele podia ver agora que todos tinham dividas e até mesmo ele havia feito pessoas sofrerem. Mark disse que era apenas uma criança e que nunca quis magoar ninguem e nem abandonar os amigos. Oliver então respondeu a Mark para dizer isso a eles apontando para os fantasmas que agora lentamente se aproximavam de Mark. Num relance, as portas e janelas foram fechadas e Mark compreendeu que havia sido levado a uma cilada. Oliver entao sorriu e lhe disse que ele seria o ultimo a morrer ali pois no dia seguinte ele se mudaria para outra cidade para continuar seu trabalho lá. Uma estridente gargalhada macabra ouviu-se na sala onde Emilia se movia em direção à Mark, sempre arrastando a perna aleijada e olhando fixamente para Mark que olhou para Oliver e respondeu a ele que nao iria deixa-lo vencer tão facil e em seguida quebrou a janela e com um pedaço de vidro cortou a propria garganta para cair sentado enquanto sagrava até a morte que chegou momentos depois.

Oliver então estava só na sala e soltou uma gargalhada comemorando sua vitória. O policial estava morto, o unico que havia compreendido o que ele fazia e agora ele estava livre para partir e continuar seu 'trabalho'.

Oliver já estava saindo quando ouviu sirenes da policia e viu os carros parando em sua porta. O chefe de policia acompanhado com varios policiais bateu na porta ao que Oliver abriu e explicou o que houve com o policial que se matou apos o haver ameaçado loucamente. O Chefe de policia mandou vasculharem todo o local mas nao encontraram nada. Ele sabia que Oliver nao falava a verdade pois havia conhecido Mark e sabia da integridade dele. Então o Chefe de policia disse a Oliver que o esperasse pois iria até o carro apanhar uns papeis mas que Mark teria que ir à delegacia prestar um depoimento e que nao poderia sair da cidade. Oliver entao nao gostou nem um pouco e respondeu que iria ajudar em tudo o que fosse necessario.

O Chefe de policia então pediu aos policiais que o acompanhassem e disse a Oliver que se preparasse para acompanha-lo até a delegacia deixando Oliver na sala sozinho. Mal sairam da varanda os policiais viram a porta ser fechada violentamente ao que o Chefe de policia bateu a porta e pediu a Oliver que abrisse.

Mas Oliver nao havia feito nada dessa vez. Nem nenhuma das pessoas que ele havia assassinado. Pois os mortos só podem passar com a permissão dele. Nem mesmo o inocente Mark que jazia morto na sala com a garganta cortada havia feito coisa alguma.

Então Oliver ficou esperando quando ouviu uma voz de mulher lhe chamando pelo nome e reconheceu a voz de sua falecida mae. Em seguida a voz de seu pai o chamando. Subiu as escadas e os encontrou sentados na sua cama. Sua mae olhava com amor e seu pai com grande ternura no olhar. Entao sua mae lhe explicou que vieram lhe buscar ao que Oliver gritou dizendo que nao havia autorizado a vinda de ambos. Seu pai entao lhe falou com todo o carinho dizendo que nem sempre todas as regras sao seguidas e que ele nao era o unico que podia abrir portas. Sua mae religiosa que havia em vida feito de tudo para que Oliver tivesse fé em Deus e fosse à Igreja e seu pai disciplinador e autoritário mas bondoso e generoso para com ele. Eram bons pais mas Oliver nunca foi bom filho. E foi numa tarde de outono que ele cortou os cabos do freio do carro dos pais o que causou o acidente que lhes tirou a vida. Oliver sempre havia sido um assassino e havia morto seus proprios pais por pura maldade, desobediencia e rebeldia. Nao seguia regras e nem acreditava em Deus.

Sua mae entao se levantou junto com seu pai e lhe disse que era chegada a hora de partir que eles o levariam para casa e que ele nao poderia mais ficar neste mundo para fazer maldades. Entao a mae disse que os impios seriam queimados pelo senhor por seus pecados , queimados pelo fogo e que Oliver tinha muitos pegados. Entao a Mae de Olive pegou a mao de seu pai e juntos começaram a cantar um hino da igreja que frequentavam:

Tal como um facho de luz vem ardendo o espirito santo do meu salvador...

Oliver entao tentou escapar mas todas as portas e janelas foram fechadas. E num instante a casa inteira estava em chamas. O fogo consumia tudo rapidamente e Oliver gritava desesperado em meio ao fogo, pedindo aos pais que lhe deixassem ir.

Do lado de fora os policiais olhavam a tudo aterrorizados. Haviam tentado em vao entrar na casa e abrir as portas e janelas mas nao conseguiram pois pareciam feitas de aço. O Chefe de policia mandou que chamasse os bombeiros mas o radio nem os celulares, por algum motivo, nao funcionavam naquele lugar amaldiçoado.

Os gritos de Oliver ficaram mais intensos quando as chamas começaram a queimar seu corpo e ele se aproximou da janela de vidro gritando aos policiais, pedindo socorro e tentando desesperadamente quebrar a janela de vidro que parecia de metal. Por fim a fumaça tomou conta do quarto e os gritos foram silenciando para sempre. A casa, ao final, foi reduzida a cinzas.

Nenhum dos policiais teve coragem para comentar o assunto. Todos entenderam que o que aconteceu ali nao foi um incendio normal e que foi algo sobrenatural e que nao era deste mundo.

subitamente, o radio e os celulares voltaram a funcionar e ouviu-se as sirenes dos bombeiros chegando. Um sargento se aproximou do chefe de policia e perguntou o que havia acontecido ali e quem era Oliver. O chefe de policia respondeu dizendo que nao sabia quem era Oliver e nem o que havia acontecido lá dentro da casa, mas apenas esperava que, seja lá o que fosse, que tivesse finalmente terminado ali, naquela noite.

Entao, um policial se aproximou dizendo que havia um novo chamado numa estrada proxima dali. Um carro havia jogado outro carro para fora da estrada.

FIM

Cronista das Trevas
Enviado por Cronista das Trevas em 15/12/2012
Reeditado em 16/12/2012
Código do texto: T4037610
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