Post-Morten

Naquela rua escura, tudo muito quieto. O silêncio sepulcral apenas era quebrado quando se ouvia ao longe um dos últimos trens cortando a pacata vila, ou de repente algum roedor atrevido passava por entre os sacos de lixo sobre a calçada.

Caminhei insólito naquilo quemmais parecia um beco à penumbra. Outrora caminharia pela avenida principal, melhor iluminada e movimentada. O relógio batia vinte e três horas e quarenta e sete minutos.

Um calafrio repentino tomou conta do meu corpo, enquanto parecia observar o nada, percebe, quando está tão quieto que podemos ouvir ultrasons, ou então está tão vazio, tão escuro que parece haver alguem nos seguindo?

Virei-me lentamente, na vã tentativa de identificar a possível presença de alguém mas nada avistei.

Ao voltar-me para a frente meu medo amplificou-se, ao observar aquele mendigo vindo em minha direção.

Não sabia exatamente o que fazer. As opções como correr eram abruptamente interrompidas ao me lembrar da forte lesão, sofrida em meu joelho dias antes. Desviar ou voltar poderia significar insitar a raiva daquele vagabundo, então por falta de opções, resolvi encarar a realidade, esperando o que estaria por vir.

O pobre morador de ruas, cheirando a mijo e merda, barba grande e suja parou em minha frente, olhando-me nos olhos.

-Você tem um cigarro, bacana?

-Não moço, eu não fumo.

-Então abra a sua carteira e me dê dinheiro agora, senão eu te furo com este canivete.

Assustado, não exitei, pois em meio a tanta sujeira, o brilho daquela pequena faca resplandecia com um espelho ou uma lanterna. Entreguei a ele todo o meu dinheiro, mas mesmo assim não teve jeito: ele dirigiu aquele instrumento cortante atravessando-o em meu peito. No mesmo instante caí, sentindo uma dor insuportável, a dor da morte.

No dia seguinte, a guarda municipal fez um chamado pelo rádio e instantes depois parou aquele furgão com detalhes em azul, com a inscrição "IML" em sua lateral. Puseram meu corpo em uma caixa de zinco e fui levado para o necrotério. Desse instante em diante tudo se apagou. Isso, porque tudo o que era feito comigo eu podia ver, sem de fato fazer nada ou mesmo ser percebido.

Ainda hoje caminho por este beco escuro. Daqui não consigo sair, e repetidas vezes me vejo sendo morto por aquele grande vagabundo, sem ao menos entender o por que fui morto por ele, já que lhe passei todo o dinheiro. A carteira acabou ficando jogada no chão. Quando encontrarei paz para partir rumo ao meu descanso?

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 03/01/2013
Código do texto: T4064901
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