PLANETA MORTO

História Paralela nº 2

Jéssica – Rio de Janeiro

‘’Sonhos não colocarão dinheiro no seu bolso, homens sim’’.

Minha mãe sempre dizia que uma garota bonita e de destino miserável igual ao meu só ganharia a vida de um jeito... Na cama de alguém. Talvez ela estivesse errada, mas esse foi o caminho que segui. Não me orgulho do que faço, mas sobrevivo.

Todas as manhãs ao acordar tenho esperança de que vou superar esse destino, seguir por um caminho que me levará até um bom lugar, uma vida pela qual valha a pena viver. Mas a noite sempre chega e, mais uma vez, deixo em casa quem sou e adoto a máscara da desonra...

Um palco, uma dança e uma cara sensual. A música embala meus movimentos lentos e ensaiados enquanto encaro um homem grisalho que me assiste da plateia. As luzes amarelas e vermelhas combinam com o cheiro de licor e sexo e eu combino com o dinheiro que é oferecido como porta de entrada para um lance maior...

A noite está quente e meu corpo está suado, arrepiando-se com o leve vento que entra pela pequena janela ao lado. Ouço vozes masculinas chamando meu nome... Amanda é como eles me conhecem aqui.

Garçonetes com pouca roupa servem drinks para os clientes que, no geral, são homens matrimoniados e bem de vida que gostam de luxúria fácil e explícita.

Levanto meus cabelos com as duas mãos, descendo vagarosamente até o chão... Minhas pernas doem e minha cabeça lateja. Esse não é meu melhor momento, mas aqui eu não tenho direito a momentos bons. Engatinho até o grisalho e danço de quatro para ele... Minha visão está turva. Concentro-me e tento parecer normal, sexy e descontraída... É isso que ele deseja ver.

‘’Porco imundo’’

Meus joelhos parecem estar sobre cacos de vidro... Meu rosto se contorce de dor e mordo meu lábio inferior com força, fazendo-o sangrar. O gosto doce e enferrujado é tão forte que faz meus olhos lacrimejarem.

- dança pra mim, gostosa! – ele ordena em meu ouvido, ignorando qualquer ferimento em mim.

Não posso. Meu corpo está sendo massacrado por uma força invisível que esmaga cada músculo que movo. Olho para ele com os olhos molhados e ternos, esperando que ele entenda que não continuarei o show. Com o apoio das mãos tento erguer-me, mas as mesas, cadeiras, homens e mulheres ao meu redor parecem flutuar...

‘’O que está ocorrendo comigo?’’.

Sinto que vou desmaiar. Tombo para trás, deitada.

Meus olhos tentam se fixar no teto que roda acima de mim, mas minhas pálpebras pesadas e ásperas traem-me... Sinto-as como se rasgassem minhas pupilas.

- alguém... Socorro – balbucio com esforço nítido.

Uma voz feminina ecoa distante:

- liguem pro socorro! Ela está tendo uma convulsão.

Posso ver rostos angustiados observando-me... Eles seguram meu corpo sem saber que o toque de suas mãos queimam minha pele.

Parem! Vocês não estão me ajudando! – eu tento dizer, sem sucesso.

Não tenho domínio sobre minhas ações e, aos poucos, um véu preto cobre meus olhos.

Escuridão.

Será que estou morta? Um calafrio percorre minha espinha, fazendo-me gelar...

‘’Abra os olhos Jéssica’’

- Amanda, acorde! – Uma garçonete com quem eu costumo conversar grita para mim.

Minha visão ainda está embaçada, mas consigo vê-los à minha volta. Um cheiro doce e apimentado adentra minhas narinas e cavalga por meu corpo, rasgando meu estomago tão selvagem e intensamente que me faz gritar.

Eles afastam-se de mim com um olhar assombrado, dizendo coisas sem sentido.

‘’O que está acontecendo? Não entendo o que estão falando!‘’

Será que estou sonhando? Isso se parece muito com um sonho...

Minha cabeça dói e meu estômago dilacera meu interior. Eu sinto raiva, fome, sede, ódio... Não consigo me controlar.

Minha visão finalmente começa a adaptar-se, mas onde estão as cores? Tudo que vejo são tons de cinza, preto e branco. Vou enlouquecer. Mexo meu corpo desesperadamente a fim de levantar-me e sair desse lugar maluco e de perto dessas pessoas inúteis e retardadas que nada fazem por mim.

- Eu vousodfrrr.

Eles me encaram e gritam... Não entendo nada! Como isso é possível?

- Me ajuddddsmrrr!

Minhas mãos agarram os cabelos e orelhas de um asiático que passa ao meu lado.

- Aaaarrrh

Uma das orelhas que puxo desgruda-se do rosto dele e rapidamente a levo até minha boca.

Eles tentam tira-lo de minhas garras, mas eu os afugento com urros que nem mesmo sei de onde vem... A carne que mastigo enquanto esmurro e abato minha refeição é maravilhosa, tão divina e viciante que não consigo pensar em nada que possa se comparar. Isso me faz bem!

- AAAAAAHRRHR

A cada pedaço que engulo meu corpo agradece diminuindo minhas dores e revigorando-me, mas eu sinto que preciso de mais e mais. Raiva e ansiedade dançam com minhas entranhas.

‘’O que me tornei?’’

Fernanda Oz
Enviado por Fernanda Oz em 08/01/2013
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