Gatos

Eu sempre tive horror a gatos, mas, nunca os maltratei. Era eu aqui e eles lá. Afinal, do mesmo modo que algumas pessoas tinham medo de cachorros eu tinha de gatos.

Quando eu e meus pais nos mudamos na nova casa fiquei realmente brava. Nossa vizinha era uma senhorinha de uns setenta anos. A velha devia ter uns trinta gatos! Trinta! Era um inferno. Aquele cheiro de urina no quintal… Era terrível. Sem contar o barulho que faziam, principalmente em cima da minha laje, durante as madrugadas quando entravam para caçar ratos.

Por alguma razão, aqueles gatos me assustavam mais do que os outros. Toda vez que eu passava em frente aquela casa, tinha a impressão que todos eles me olhavam de forma meio… Assassina por assim dizer. Pode parecer bobagem, eu sei, mas eu tinha nítida essa impressão.

Eu passava dura ao lado da casa em partes por medo em partes por raiva. Não vou mentir, a minha vontade era chutar todos para bem longe. Mas eu jamais relei em qualquer um deles.

Um dia, passei extremamente raivosa, indo para a escola. Nesse dia resolvi retribuir o suposto olhar que me lançavam. E a adorável velhinha estava ali. Ela viu o meu olhar assassino em seus gatos e retribuiu com a mesma intensidade a mim. Assustada, apertei o passo.

Repito: jamais encostei um dedo neles. Jamais.

Por incrível coincidência… Não, não foi uma coincidência (vocês saberão o porquê mais a frente) um dos malditos felinos morreu naquela tarde. Ao que tudo indica era o favorito da velha. Quando eu voltava da escola vi a velha que chorava aos prantos com o gato no colo. O olhar dela, e dos gatos, foi uma das coisas que mais me assustou.

Eu vi aqueles vários olhos brilhantes me fitando. Aquelas fendas astutas e misteriosas. E era incrível como o olhar da velha se assemelhava ao deles. Parecia afetado… Parecia não, estava afetado de ódio. Eu podia ver faíscas. Com medo corri para casa.

Ao decorrer da tarde, como é de costume fazermos, esqueci do acontecido. Lembro-me que a única coisa que comentei foi com minha mãe, que um dos gatos havia morrido. Somente isso.

A noite chegou, tomei meu banho, jantei, adiantei algumas lições, sentei-me para ler um pouco e mais ou menos às 22h30min. fui dormir. FECHEI A JANELA, arrumei minha cama e dei uma última olhada no quarto. Tudo na minha rotina diária. Nada de anormal.

Cansada, deitei e dormi quase instantaneamente.

Sempre tive o sono pesado. Chuvas, trovões ou quaisquer outras coisas passavam despercebidas em meu sono. Raramente acordava durante as madrugadas.

E, como todos sabem, pulo de gato é mais leve que uma pena.

Eu não sei o que aconteceu, nem como. Como já disse, eu fechei a janela antes de me deitar. Acordei com unhadas em meu rosto.

Eu sentia coisas fofas e agressivas por cima de mim. Vislumbrei a janela aberta e os demais gatos quem entravam me atacavam. Eu gritava desesperadamente.

As unhas me machucavam como nunca. Enfiavam-na sem dó por todo meu corpo. Em meus olhos. Senti meu globo ocular ser ferido. Meus braços queimavam, minhas pernas queimavam. E eu tentava jogá-los para os lados, mas eram muitos!

Meus pais ouvindo barulho entraram no quarto. Ficaram horrorizados com o que viram. Meu edredom já apresentava manchas de sangue eu havia me rendido a fúria dos gatos.

Desesperados, começaram a jogar coisas. Vendo que em nada adiantava, meu pai correu e pegou um balde de água.

Curiosamente, o balde não precisou ser lançado aos gatos. Eles automaticamente fugiram ao ver o balde com água na mão de meu pai.

Mudamos-nos daquela casa cerca de uma semana depois. Os gatos, pelo que soube foram sacrificados. Todos.

Porém, as marcas ficaram. Meu corpo é todo cheio de cicatrizes, principalmente no rosto. Fiquei cega do olho esquerdo e o direito é parcialmente desfigurado. Meu horror por gatos só aumentou. Tranco meu quarto toda noite.

Não que seja necessário. O hospício é um local muito seguro, diga-se de passagem…