"Cova Clandestina"

Pablo olhou atento para suas cartas de baralho. Os olhos por vezes se desviavam para o pequeno montante de dinheiro sobre a mesa, enquanto os outros três jogadores se mostravam firmes e seguros.

Os olhos de Vantuir, seu parceiro no jogo, de súbito mostraram medo e insegurança. Pablo bem sabia que não podia confiar na parceria com ele, quem lhe dera poder voltar atrás e deixar de apostar com alguém tão frágil como seu melhor amigo.

Encarou Osvaldo e Silas, ambos astutos e ligeiros, determinados a não saírem perdendo dali.

E o que Pablo tanto temia aconteceu. Os dois abrutalhados sentiram o cheiro do medo. Vantuir fedia a covardia e isto era um atestado de derrota. Começou a soar frio e inesperadamente disse:

— Me desculpe, parceiro...

Naquele instante Silas e Osvaldo se levantaram com armas em punho, apontando para Pablo. De olhos arregalados o homem tentou entender tudo o que acontecia, enquanto Vantuir chorava de cabeça baixa ainda pedindo desculpas.

Os abrutalhados dispararam sem piedade enquanto o corpo de Pablo era cravejado de balas que lhe atravessavam a carne e a alma. Foi traído.

Respirou com dificuldade, tombando a cabeça em direção à porta. Ela se abriu e Vanessa, sua esposa, o encarou. Aproximou-se dele calma e o lembrou:

— Eu te disse que você não tinha amigos de verdade...

Pablo arregalou os olhos e encarou a esposa. Segurou firme em seu pulso e o apertou forte. Ela assustada se voltou aos cúmplices e perguntou:

— Porque diabos ele ainda esta vivo?

Osvaldo foi até o homem que sangrava na cadeira. Encostou o cano quente da arma em sua cabeça e disparou, estourando seus miolos:

— Pronto. – disse em sarcasmo – Parabéns, agora a senhora é uma feliz viúva.

Cova Clandestina

Por J. Costadelli e J. Dosan

— Vamos começar de novo. – disse Vanessa fumando um cigarro no local do crime, minutos depois do ultimo disparo – Vocês vão pegar a carcaça deste maldito desgraçado e se livrar dela. Vão limpar a merda deste lugar e no futuro, dizer que Pablo tinha planos de tentar a vida no interior. Simples assim. Entenderam?

O trabalho sujo. Silas olhou para a mulher e perguntou:

— E os nossos sessenta mil?

— Eu falei: marido morto, cadáver escondido, local do crime limpo, dinheiro no terceiro dia após tudo feito. Vou pagar em dinheiro vivo, vinte mil pra cada um. Não quero levantar suspeitas. Não quero que a policia trabalhe na hipótese de que paguei pra matar meu esposo.

Silas aproximou-se da mulher e disse em voz baixa:

— A senhora combinou comigo vinte e cinco mil. Lembra?

— E quer contar aos outros? – exclamou ela em ira, rangendo os dentes – Quer que eles saibam que você vai ganhar cinco mil a mais sem ao menos ter disparado um único tiro?

Vantuir franziu a sobrancelha indagando:

— Mas ele era meu melhor amigo! E fui eu quem indicou os dois assassinos pra senhora!

— Então cale a maldita boca e pega seus vinte e cinco no prazo que combinei! Agora os ajude a se livrar da porcaria do corpo e acabem logo com isto!

O homem obedeceu. Ajudou a tirar o cadáver da cadeira ensanguentada e a “embalar” em um edredom.

O sangue continuou a escorrer. Osvaldo incomodado com o que tinha que limpar teve pressa em levar o cadáver no porta-malas.

Silas estacionou o carro na beira da rodovia. Pegou o cadáver embalado com a ajuda do amigo e cúmplice Osvaldo. Adentraram na mata fechada arrastando o cadáver enquanto Vantuir trazia a pá.

Pararam embaixo de uma arvore vistosa. Osvaldo limpou o suor do rosto enquanto dizia cansado:

— Vamos cavar um pouco longe da arvore. As raízes podem atrapalhar. A terra esta seca e estou bem cansado de carregar este infeliz.

Vantuir distanciou-se da arvore, cravou a pá na terra, arrancando o primeiro tolete dela:

— Aqui é um bom lugar. Pablo e eu caçávamos pássaros nesta mata quando éramos meninos.

Silas gargalhou sobre o destino:

— Acho que naquela época o dinheiro não regia muito sobre vocês dois.

Sem parar de cavar, Vantuir confessou:

— Não fiz o que fiz só pelo dinheiro. Pablo sempre se julgou melhor que eu. Só achei que era hora disto mudar. E mudou, pro bem ou pro mal, mas mudou. Fim para ele e recomeço para mim.

— Realmente, – retrucou Silas – com vinte e cinco mil da pra fazer um bom recomeço. Alias, melhor com vinte e cinco que com vinte. Não é Osvaldo?

Vantuir assustado parou de cavar. Osvaldo recarregando sua arma respondeu:

— Dá sim. Mas e com quinze mil? Será que dá pra recomeçar alguma coisa?

Vantuir entendeu o que os dois imundos quiseram dizer. Isto mesmo, ele próprio daria cinco mil pra cada um. Não se pode passar a perna em dois malditos espertalhões como aqueles, e agora ele bem entendia. Era obedecer ou a morte, já que não sabia matar como os dois:

— Combinado. – disse sem pensar duas vezes, continuando a cavar a cova de seu melhor amigo.

Vantuir percebeu que entregou a alma ao diabo. Por alguns instantes, sentiu-se como Judas. Mas o dinheiro falava mais alto.

Porem seu orgulho ainda andava ferido, pois Pablo o humilhava não por maldade, mas por ser um cara muito mais esperto que ele.

Mas o que Vantuir não percebia é que dependia de Pablo. E agora, ali com estes dois malditos assassinos, percebeu que tinha que se valer da esperteza, caso contrario, teria o mesmo fim que o amigo que traiu. Eles tinham um comportamento irônico, frio e sarcástico, aos olhos do finado Pablo, isto era muito perigoso.

Vantuir foi vitima do destino, da traição que planejou. Quando deu por si, esta nas mãos deles. Pior de tudo é que a viúva tinha deixado os malditos desconfiados, eles não sentiram segurança na promessa dela.

O pagamento teria que ser feito logo, caso contrario, ele faria companhia para o amigo em uma cova ao lado.

É fato que Vantuir não tem coragem de matar nem uma mosca decrépita. É um infeliz covarde e asqueroso. Mas precisava ser esperto e pensar em jogar os malditos assassinos contra a viúva de Pablo. Correria o risco de perder sua parte, mas pelo menos teria mais chances de sobreviver.

Vou lhes falar sobre Vanessa: Ela foi corajosa e burra. Talvez até burra e imprudente. Não possuía todo o dinheiro que prometeu, mas apenas Vantuir sabia disso. Por isso é que ela deu um prazo de três dias.

A safada ainda precisava receber o dinheiro dos credores de Pablo, e se estes souberem que ele morreu, jamais pagariam a divida para ela.

Vantuir encurralado arrancou a ultima terra da cova do amigo e se pôs a pensar em um plano bom:

— Vou dar a volta nestes infelizes assassinos e chantagear Vanessa! Se ela não me pagar primeiro, conto pra todo mundo que Pablo foi executado e não esta tentando a vida em outro lugar merda nenhuma! Me ferro mais também arrebento com todo mundo!

A cova clandestina esta preparada para recepcionar o cadáver. Silas cospe dentro dela e diz, com tom de perversidade e desrespeito:

— O buraco pra enterrar este cachorro já esta pronto e bem fundo.

— Então joga logo este lixo ai dentro para gente jogar terra na cara dele! – indagou Osvaldo, usando do mesmo desrespeito para com o finado – Agora vai jogar baralho no inferno!

— É isso ai. Depois vamos logo encontrar um lugar pra gente ficar ate a dona pagar a gente. Se é que ela vai pagar...

Vantuir não perdeu tempo. Pensou no que o amigo morto faria e fez:

— Vocês acreditam mesmo que Vanessa vai pagar vocês?

Osvaldo espantado segurando a arma indaga com senso de justiça:

— Se ela não pagar você paga! Não foi você quem nos contratou?

Vantuir engole saliva num breve gesto de “ai, que merda eu fiz?”

O celular dele toca, calando seu medo. Era Vanessa, mostrando preocupação nas palavras:

—Estarei em casa hoje, passa lá, a gente precisa conversar.

Respondendo “Ok”, ele desliga.

Para esconder o nervosismo, fuma um cigarro. Em cada tragada, é fulminado com os olhares perversos da dupla de assassinos. Joga o cigarro no chão, pisa em cima e o apaga com a sola do sapato sujo de terra.

Osvaldo observa. Sente cheiro do medo e da uma olhada para Silas, ele fica desconfiado, mas não fala nada. Porem, Vantuir entende. Sabe que esta pra lá de encrencado.

Eles abandonam o local da cova clandestina. Vantuir andando na frente, reza em pensamento para não voltar lá enrolado em outro edredom. Os dois saem seguindo logo atrás dele.

Vantuir chega ao carro, à porta do porta-malas ainda esta aberta.

Ele joga a pá dentro e ao fechar, Osvaldo segura a tampa e lhe diz calmo:

— Cara, é bom você ficar esperto. Nem pense em dar a volta em nós, senão, esta pá vai abrir outra cova igual à de seu amigo. Entendeu cobra? Vantuir olha para ele e não diz nada. O medo já é uma evidente resposta, resposta esta que a dupla adorava ouvir.

— Você já sabe quem somos, – o lembrou Silas – fica por perto para a gente não ter que sair procurando por você. É serio, gostamos um tantinho de você, não queremos ter que fazer outra cagada dessas.

Num breve minuto, Vantuir ignorou o medo e pensou:

— Preciso ter coragem para matar... Estes caras vão causar problemas. O pior é que Vanessa olha diferente para Osvaldo, este cão dos infernos. Só me falta ela se envolver com ele... Ai eu ao invés de fodido, fico fodido e meio!

À noite, Vantuir vai à casa de Vanessa. Já da porta viu que ela estava com pouca roupa. Sua camisola transparente instiga seus pensamentos. Em todas as ocasiões que visitou o amigo, nunca viu a esposa dele daquele jeito. Ela insinua estar ardendo de prazer, e em uma situação como aquela, isto era muito perigoso.

— O que quer falar comigo?

— Entra. – respondeu ela com um tentador convite – eu preciso de um favor teu.

— Não vou entrar. Me diz logo o que você quer.

Realmente ele não era tão bobo assim. Não seria chantageado ou manipulado com sexo.

— Preciso que vá ao salão de jogos amanhã à noite e procura um homem por nome Roberto. Vai te dar quarenta mil, divida dele com Pablo. Você pega o dinheiro e vem aqui em minha casa.

— Você não tem o dinheiro todo não é Vanessa? Você sabe que estes caras são do mal... Você tá ferrada!

— Opa! Espere ai!? – diz Vanessa num tom elevado - O senhor não vai me deixar nesta sozinha, não é? Olha aqui Vantuir, Pablo tinha muita confiança em você, vê se não vai me decepcionar, hem rapaz!

Vantuir ousou do mesmo sarcasmo dos dois assassinos ao responder:

— Eu decepcionei Pablo, ou já se esqueceu aonde ele esta? Fui eu quem mandou ele pra lá! Trai meu melhor amigo! Vê se não me pressiona dona Vanessa! Se a senhora não tiver o dinheiro para pagar aqueles ordinários, vai ser só bala que vai comer! Eu os contratei e sei do que eles são capazes, eles nos matam sem pestanejar!

— Confie em mim Vantuir, deixa isso comigo. Amanhã você vai e encontra o sujeito que te falei. Não vai ter erro, você pega os quarenta mil e a gente já resolve boa parte do problema.

— Ele vai perguntar por Pablo. – lembrou o traidor.

— Você já sabe o que dizer: Pablo esta viajando. Vai dar certo. Confie em mim!

Vantuir foi embora mais preocupado que quando chegou.

Enquanto isto Osvaldo polia sua arma de fogo. Olhando serio para o amigo Silas, disse em tom de adivinhação:

— Quer saber? A gente não vai pegar grana nenhuma! Estes dois trouxas querem ferrar com a gente!

Silas calmo levantou-se de sua cadeira. Respirou fundo e disse:

— Bem, fizemos tudo do jeito deles. Acho que agora esta na hora de fazer do nosso jeito...

“Continua”

Joel Costadelli e Julio Cezar Dosan
Enviado por Joel Costadelli em 28/02/2013
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