O Labirinto de Alan

Naquela ensolarada manhã de abril, as 07:05, os pássaros cantarolantes eram observados pelo vidro de uma das janelas da sala de aula. Quem os observava é um rapaz tímido e esquisito, sentado na última carteira da fileira encostada na parede da esquerda, vista de costas ao quadro negro. Seu nome é Alan, um jovem tão claro de pele que chegava a ser pálido, com horríveis olheiras -, uma fisionomia de quem estivesse sem pregar os olhos há muito tempo -, embaixo de seus olhos negros assim como seus longos, ensebados e encaracolados cabelos, os quais pararam de serem cortados desde seus 11 anos; vestia sempre roupas escuras e mantinha sua face muito cansada, como se nada em sua vida lhe deixasse feliz.

Por ser assim, Alan não tinha amigos, tão pouco uma namorada. O pobre rapaz infeliz da oitava série sentava-se sempre na mesma carteira, na mais extrema solidão, pois ninguém queria se sentar nas carteiras próximas à ele, deixando-o como se fosse uma ilha e o resto dos alunos, o continente.

Todos cochichavam (zombavam) quase todo o tempo durante a aula. A cena mais comum durante as horríveis seis horas de tortura para o jovem, que era obrigado a aquecer a carteira com seu traseiro e usar sua caneta até ficar com as mãos doendo, eram dos colegas, garotas ou rapazes, ambos agiam praticamente da mesma forma com relação a ele, o encarando disfarçadamente com olhares gozadores, falsos, de pena ou de repugnância, mas Alan se mantinha com a cabeça baixa, com a caneta na mão, olhando seriamente para seu caderno, sem fazer nenhum barulho, completamente calado...

Era o primeiro bimestre. O professor ainda não tinha aplicado as provas e neste dia, era o dia dele vistar os cadernos pra dar nota no trabalho feito durante aquele um mês e meio.

Anderson, o professor, diferentemente de Alan, tinha vida no olhar. Ficava o tempo inteiro com um agradável sorriso estampado no rosto. Cumprimentava a todos os outros professores como se os conhecesse em longo prazo enquanto perambulava pelos corredores até as classes, mesmo sendo seu primeiro ano nesta escola. Adorava fazer brincadeiras e contar piadas entre uma matéria e outra, pra descontrair os alunos e manter a sala sempre atenta às suas palavras; um método criado por ele próprio pra não ter que gastar suas cordas vocálicas com gritos ensurdecedores, na tentativa de acabar com a algazarra da sala, uma vez que se desse este direito a eles.

Anderson admitia: Ainda não conhecia os alunos como deveria conhecê-los; Alan sempre lhe pareceu ser o rapaz mais acanhado da classe e até da escola, contudo, por estar sempre quieto com a cabeça baixa exercitando seu punho em cima do caderno, lhe parecia ser um bom aluno.

O professor entrou na sala e cumprimentou os estudantes:

-Muito bom dia, meus queridos! Antes de me contarem o que trazem de bom, queiram por favor sentarem em suas carteiras, abram seus cadernos e aguardem a próxima instrução.

-Por favor, professor Anderson. Dê uma nota boa em meu caderno. Minha mãe está muito satisfeita com meu rendimento na escola este ano. -Comentou uma de suas "queridinhas".

-Bom, se a senhorita fez por merecer... -dizia o professor analisando o caderno da aluna, dando um resultado pelo seu esforço: -É, muito bem! Não posso lhe dar outra nota a não ser esta!

-Isso! -Afirmou a menina vendo o grande número nove rabiscado no canto da folha.

E assim, o professor ia dando nota por nota, em caderno por caderno, até terminar de dar nota no caderno do penúltimo aluno, da última fileira... As duas próximas carteiras estavam desocupadas e Alan estava sentado na última, com seu inconfundível semblante tristonho e sonolento.

O professor caminhava até ele. Os demais alunos pararam o que faziam e olharam para o moço estranho, deixando-o acoado como se fosse um bicho de zoológico.

Anderson apanhou o caderno com certa admiração pelo rapaz, lembrava-o de si próprio num passado onde possuía poucos amigos, mas se dava muito bem com os estudos. Entretanto, ao olhar para o caderno, o professor ficou demasiado furioso, pois Alan sequer escreveu alguma lição nele. Ao invés disso, o rapaz havia desenhado nos cantos de cada folha, preenchendo-as por completo, imagens, diga-se muito mal feitas, de pessoas sendo perseguidas por demônios dentro de corredores de um labirinto! Muitas delas haviam sido assassinadas com tamanha brutalidade, tudo representado em seu traço esculachado, corpos com feridas enormes deixando seus órgãos internos derramados no chão, além de partes decepadas, como braços e pernas, perdidas num espaço vago, e o mais absurdo, demônios devorando pessoas dentro de corredores sem saída!

Anderson não se conformou que seu método "revolucionário" de dar aulas não tenha influenciado Alan, que silenciosamente o desobedeceu no decorrer desses dias, deixando de ser aplicado para desenhar aquelas atrocidades.

O professor se pôs a fazer uma piada com uma expressão sarcástica, para disfarçar seu verdadeiro sentimento de raiva, erguendo o caderno ao alto:

-Nosso amigo gosta de desenhar! Quanta bobagem está desenhada aqui... -Tirando gargalhadas dos outros alunos, enquanto Alan o encarava com seriedade. -Estou decepcionado, mas se você acha que estamos no primário e o senhor pode ficar desenhando o dia inteiro ao invés de trabalhar, sugiro que TODOS OS ALUNOS DESENHEM ALGO NUMA FOLHA A PARTE E ME ENTREGUEM NO FINAL DA AULA!

Antes dele devolver o caderno, o rapaz deixou sua "aparente timidez" de lado e olhou compenetrando-se bem no fundo dos olhos do professor. Anderson ficou um bom tempo depois tentando tirar a imagem do rosto de Alan de sua mente.

Depois do jantar, o professor se despediu de sua mãe e de sua sobrinha, ambas permanecendo na mesa, e subiu a escada em direção ao seu quarto. Se trancou lá dentro. Pegou os desenhos dos seus alunos adolescentes e começou a ver um por um, rindo quase chorando de cada traço idiota e sem um pingo de talento que eles fizeram. O maldito professor tinha como um prazer secreto debochar de seus alunos, massageando seu ego ferido no passado por valentões.

Riu das borboletas e moranguinhos de suas "queridinhas". Gargalhou dos escudos de times de futebol dos garotos. Isto por ter um problema psicológico -, precisava disto pra se sentir mais forte do que as crianças, dava-lhe controle total de qualquer coisa que pudesse ocorrer na sala de aula -, simplesmente uma mente doentia, mas menos violenta do que a de um psicopata, a qual era disfarçada com sorrisos e cumprimentos, além das piadas cretinas.

Quando apanhou o papel impregnado pela mente brilhante e terrivelmente poderosa de Alan, o professor se apavorou perdendo todo aquele controle que necessitava, com um desenho de linhas retas traçadas dentro de um quadrado, cujas formavam com perfeição cada detalhe de um labirinto!

Naquele instante, a imagem triste do rapaz se infiltrou em sua cabeça duma maneira irreversível, se transformando em uma face diabólica e assassina!

O professor estava em pânico, jamais sentiu tanto medo em sua vida. Sentia-se completamente indefeso, preso naquele desenho que ele segurava em sua mão, e tentava soltá-lo, mas seu corpo não obedecia sua vontade!

Num piscar de olhos, Anderson se via cercado por paredes gigantescas, do tamanho aproximado da Grande Muralha da China e tão antigas quanto, sendo o centro do labirinto -, havia saído de seu quarto e feito uma viagem mental para aquele lugar sinistro!

Deu dois passos cautelosos e começou a ouvir uma voz grave e satânica, dizendo:

"Então, está se divertindo? Está gostando da zombaria, Anderson? E do cenário?..."

O professor começou a correr em direção de um espaço aberto, de frente a ele. Ao dobrar a esquina deste espaço, se deparou com um extenso corredor. Tinha uma terrível sensação de estar sendo observado. E aquela voz, que falava enquanto ele andava, de onde vinha? De quem era?

De fato, a voz em tonalidade distorcida que corroía sua mente com o terror, é de seu aluno esquisito, Alan. O rapaz possuía um tenebroso poder mental e o usava para torturar o educador. "De onde ele o conseguiu?" A pergunta certa seria :"De quem ele herdou?"

Estudos avançados feitos recentemente estão comprovando que a mente humana pode conseguir o que desejar. Paul Harrington descreve isto de maneira sadia em seu livro "The Secret". Não é uma artimanha sobrenatural. Não é bruxaria. Trata-se de ciência e da própria evolução do homem.

Enquanto corria desesperado por aquele corredor, a voz o infernizava:

"... Você é meu! Não importa pra onde você corra, ninguém nunca encontrou a saída deste labirinto!..."

De repente, o professor percebeu que se aproximava de uma parede. A preocupação de não ter outro caminho lhe apontara na cabeça. Por sorte, haviam dois caminhos, um em sua esquerda e outro em sua direita. A escolha era só dele.

Imediatamente, Anderson virou a direita; aquele algo parecia estar cada vez mais próximo! Dobrava esquinas, saía de corredores, com seu coração batendo violentamente dentro de seu peito, tanto que em sentido figurado, saltaria de sua boca, e a coisa, de tão próxima, parecia fungar em seu cangote!

Num caminho errado, Anderson se deparou com uma imagem macabra que o lembrou dos desenhos bizarros no caderno do rapaz: Duas figuras demoníacas devoravam um homem ainda vivo caído no chão! O homem gritava e esperneava de dor, enquanto os diabos arrancavam pedaços de sua carne, saboreando-o como um delicioso banquete, deixando seu sangue escorrer de suas bocas nojentas cheias de dentes afiados! As criaturas pararam de mastigá-lo e encararam Anderson, que a essa altura já tinha dado as costas para correr o mais rápido o possível!

Em outro caminho, não havia saída! Anderson tinha que voltar os metros percorridos com cansaço. Ao se virar, uma densa escuridão predominava o caminho percorrido e dentro dela, corpos caveirosos em decomposição e seres demoníacos se arrastavam pelo chão e pelas paredes para pegá-lo! Não havia escapatória!

-POLÍCIA! ABRA A PORTA! -Ordenou o sargento dando dois toques pesados nela, ouvindo os gritos de terror de um homem dentro da casa.

A mãe de Anderson, quem os chamou, a abriu expressando o pavor. Sua sobrinha estava num canto, chorando.

-Ajudem meu filho! Ele se trancou no quarto já fazem mais de 12 horas! Ele começou a gritar por algum motivo!...

Rafael Contos
Enviado por Rafael Contos em 10/03/2013
Código do texto: T4181603
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