O Recomeço

O demônio, em sua forma feminina, estava sentada ao lado esquerdo de Deus. Possuía o corpo coberto de pelos marrons, muito espessos. Os olhos eram ofídicos, uniformemente cor de âmbar, brilhantes e de olhar aguçado. Os cabelos negros e lisos desciam até a altura do seio, cobrindo-os. Da cintura para baixo, possuía pernas e cascos animalescos. Mantinha-se séria em seu trono de mármore polido, quase austeramente.

Deus, em seu trono de ouro, também mantinha-se quieto e sério. Seus músculos proeminentes destacavam-se sob sua túnica branca. O cabelo liso e prata chegava-lhe a cintura. Os olhos de um azul profundo e fulminante cintilavam como uma lâmpada. Estava pensativo. Ao seu lado, repousava seu cajado.

- Será que nunca vão aprender? -perguntou o demônio.

- Não sei. – respondeu Deus, com sua voz grave como um trovão. Observava entre as dimensões o último humano agonizando perdido no meio de um deserto, sob o sol escaldante.

O demônio então virou-se para Deus, olhando-o diretamente.

- Não sei porque não os disciplina. – disse suavemente.

- Eles precisam conhecer o equilíbrio por si próprios. – respondeu Deus, por sua vez.

- Eles se quer conseguiram conhecer a nós próprios. Sinceramente, estou farta de sacrificar meus lacaios diante dos seus e vice-versa. Nossas fontes de subsistência são distintas, você sabe disso. Me sinto cada vez mais fracas diante da situação atual.

Deus suspirou.

- Eu sei disso, eu sei, mas do mesmo modo que me fortalecem com o bem, você tem quem te sirva com o ma...

- Eu acabei de dizer que me sinto fraca! - esbravejou o demônio- Louvaram deuses errados, crenças erradas! Se eu cair, a raça se extinguirá definitivamente. Não há vida sem equilíbrio!

Levantou-se frustrada e enraivecida e andou pelo recinto, os cascos batendo contra o chão. O humano agora arfava para o fim. Era uma sala branca e simples, com piso branco e cujo os únicos destaques eram os tronos de ambos e uma espécie de racho brilhante no canto esquerdo. Por ela, podia-se ver o início do universo, a criação do homem, a evolução do mesmo, mas não o futuro.

- Este é mais um que morrerá e virá para você. – disse apontando para a fenda qual observavam a Terra.

Deus levantou-se e caminhou até ela. Alisou suavemente sua barriga, levemente estufada.

- Temos aqui a esperança. – disse com calma.

- Já tivemos uma vez e falhou. Tudo o que fez foi te fortalecer- disse rispidamente o demônio.

Abraçou-a com seus braços fortes e encostou a cabeça do demônio em seu ombro. Sentiu algumas lágrimas umedecendo seu ombro. Eram lágrimas de sangue.

- Não chore, por favor. – pediu ele – Juro que esta é a ultima vez que tentamos.

- E se falharmos de novo?

- Voltamos daí à nossos planos de existência antigos. Você ao seu e eu ao meu.

- Mas eu não quero te perder! Não quero! Não vou aceitar isso! - disse exasperada.

- Eu também não quero. Mas o que podemos fazer? Prefiro a nossa separação à sua inexistência! - respirou fundo e voltou a falar mais calmamente- Acredite no novo messias que vive em você. Saberemos instrui-lo corretamente.

O demônio olhou fundo nos olhos de deus, os olhos levemente avermelhados pelas lágrimas que haviam escorrido.

- Espero que saiba o que está fazendo. Jesus também foi meu filho e foi uma dor muito grande perde-lo. – disse com a voz dura.

Deus então tocou suavemente seu rosto.

- Amo você. Dará tudo certo.

Beijou-a nos lábios suavemente, abraçou-a pela cintura e olharam pela fenda. Finalmente o homem, o ultimo daquele mundo, havia sucumbido.

Viram o anjo da morte acolher sua alma e ergue-la ao céu.

Pesaroso então, deus pegou seu cajado ao lado de seu trono e bateu firmemente no chão.

- Que recomece. – disse por fim.