A Promessa

**Fiquei muito tempo sem postar, e tive essa ideia... não sei se ficou bom, mas espero que gostem!!**

-Você vai mesmo entrar aí dentro?

-Ora, o que é que tem Graco? Vai me dizer que está com medo agora?

-Não sou tão habituado a entrar em cemitérios. Principalmente de noite.

-Ora, larga a mão de ser burro. Sua vó está lá em cima – disse Julian apontando em direção ao enorme salão onde eram realizados os velórios – Lembre-se do que ela falou pra nós... Ainda por cima, se ficarmos velando ela, ou se andarmos pelas quadras não fará diferença. Já estamos dentro do cemitério.

Graco suspirou ressabiado. A velha Maria tinha um desejo estranho, um tanto quanto exagerado antes de morrer. Seu pai, em lágrimas, tinha jurado que cumpriria com sua vontade, e agora os dois estavam ali, realizando o desejo de uma defunta que pouco se lixaria de vê-lo realizado ou não.

Os dois caminhavam com um jarro de flores nas mãos. A vontade de Maria era simples: coloca-lo dentro da cova para que ela sentisse o cheiro delas na outra vida. Julian sabia que sua mãe estava delirante, mas prometeu cumprir sua derradeira promessa.

-Por que agora, pai?

-Não quero que pensem que somos loucos, filho. E não quero um monte de gente dando tapinhas nas minhas costas dizendo o quanto lamentam, enquanto se olham nos rostos uma das outras comentando a minha atitude.

-Entendi...

Pai e filho caminharam até a cova número 200 da quadra H. A sepultura estava aberta, debaixo de outras duas já fechadas com cimento. A noite estava fria e seca; corujas faziam barulho no alto das árvores, e vez ou outra um morcego revoava ao redor deles.

-Pronto. Chegamos. Segure o vazo pra mim enquanto desço lá embaixo. E filho: se alguém aparecer, corra. Vou me esconder aqui.

Enquanto Julian descia até a cova, Graco se esforçava para ler os nomes escritos nas lápides.

“Juliano Severino de Souza - * 01/09/1961 – 30/12/1996*”

“Graciliano Severino de Souza - * 15/12/1982 – 30/12/1996*”

“Maria das Graças Severino de Souza -*30/07/1919 – 30/12/1996*”

-Pai, nossos nomes estão aqui?

Graco sentiu medo dos pés a espinha. Seu nome de batismo, Graciliano estava talhado em uma pedra arredondada entre os nomes de seu pai e sua avó.

-Isso é brincadeira, pai? – soltou um gemido. Sentia lágrimas quererem descer pelos olhos afora, mas tudo que conseguiu foi uma coceira incessante no rosto. Esfregou os olhos, incrédulo ao que via, enquanto pai, no fundo da sepultura começou a falar:

-Filho, seu lugar é aqui. Veja as flores. Foi sua mãe que trouxe. Sei que você quer voltar pra casa, mas não pode... É aqui o seu lugar.

-Mas pai, a vó está morta... Eu e você... – Graco tentava se concentrar, mas seu desespero era crescente.

-Escute – Julian interrompeu – Estávamos bem. Estávamos descansando... Entendo que sente saudades de sua mãe. Entendo que já fazem dois anos que ela não vem aqui... - e apontou em direção ao vaso, que agora não passava de um punhado de terra seca comprimida em um pote desbotado pelo tempo.

Foi quando ele entendeu. As lembranças invadiram sua mente e o levaram há 16 anos, no dia fatídico do acidente. Ele dirigia o Pálio com cuidado através da avenida, seu pai estava ao seu lado, a sua avó, no banco de trás.

Foram até sua casa busca-la para as festividades de fim de ano. Ela era sozinha, viúva a mais de dez anos, mas não menos feliz. Amava sua família, e agora contemplava o sorriso no rosto do neto, contente em dirigir seu primeiro carro novo.

Julian falava a mãe com entusiasmo. A casa dela nos fundos de seu quintal estava quase pronta. Em breve ela se mudaria. Apesar do vigor, sua idade estava ficando avançada e seria arriscado para uma senhora de 77 anos viver sozinha. Ana, esposa de Julian concordara em trazer a sogra.

-Graco!...

Uma luz alta de farol cegou a todos e em questão de segundos houve o impacto. O airbag empurrou o rosto de Graco e Julian com violência contra o banco enquanto Maria, no banco de trás, tinha suas pernas esmagadas por conta do choque dos bancos. Do lado de fora, o motorista do caminhão corria, fugindo da cena do acidente.

Maria sentiu uma dor intensa e um formigamento no corpo. Juntou forças e começou a falar:

-Filho,... Me prometa filho, que vai me levar as mais belas flores quando eu me for...

A voz de Maria soava fraca; enquanto sua boca se mexia, pequenas poças de sangue se formavam ao seu redor. Estava morrendo. Ali, comprimida entre os bancos, afogada no próprio sangue.

Julian sentiu uma dor horrível ao se virar para trás. Segurou as mãos da mãe com a maior firmeza que conseguiu e falou:

-Prometo, mãe.

Um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Maria. Suas mãos ficaram bambas e ela suspirou, entregando-se a escuridão.

Julian começou a tremer. Sua perna fora dilacerada com o impacto. Soltou a mão de sua mãe e segurou a de Graco.

-Filho... – sua voz começava a ficar igualmente fraca.

Graco interrompeu:

-Vou buscar ajuda, pai. Vou buscar ajuda...

Graco sentia as costas perfuradas por barras de ferro, e uma névoa densa e branca descia sobre a rua quando ele saiu. Repentinamente ele desesperou-se ainda mais; seu corpo estava inchado. Sua boca com os dentes quebrados, e um líquido verde amarelado escorria de seu ouvido direito.

Ele entendera que tinha morrido. Enxergou o pai tremendo e gritando, entrando em estado de choque. Seja como for, Graco sabia que tinha pouco tempo para avisar sua mãe.

Começou a correr, quando tudo escureceu.

E agora, lá estava ele, lembrando-se, ouvindo seu pai.

A verdade era dura, mas já faziam dezesseis anos que eles tinham morrido. Sua avó não acordara. Partira para o descanso eterno; seu pai ficara, tentando convence-lo de que havia morrido, mas ele tinha ficado por não aceitar sua morte. E agora, finalmente se lembrava dos sonhos.

Os sonhos de sua mãe. Ela sempre sonhava. Durante 14 anos ela chorou a morte do filho e do marido. Mas agora, parecia que finalmente tinha encontrado seu caminho, voltado a seguir a vida.

Graco se lembrou da última visita que fez a ela. Os quadros ainda estavam lá. Fotografias por toda a casa, objetos pessoais dele e do pai. Tudo isso agora não significava dor. Aquilo simbolizava saudades, sobretudo, o amor que ela tinha por ambos. Mais uma lembrança boa, que finalmente tinha vencido o pesar da morte que tanto demorara a passar.

Sua mãe estava viva. E estava seguindo a vida.

Sim, finalmente Graco entendeu...

-Vamos filho... Vamos descansar...

Julian estendeu a mão. Graco retribuiu, e ao tocar a mão de seu pai finalmente se sentiu em paz. O breu do cemitério deu lugar à luz, e então finalmente eles descansaram.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 08/05/2013
Reeditado em 08/05/2013
Código do texto: T4280644
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