O FACEBOOK DA MORTE

Há um ano ela o havia deixado. Partira para a grande viagem levada por moléstia grave que contraíra nas suas andanças pelas florestas tropicais. Não houve prece ou pajelança que desse jeito. Tino teve que se conformar. Mergulhou de cabeça nos seus projetos de pesquisa sobre as populações indígenas e seus ritos sagrados. Havia planejado todos os detalhes com Nora e juntos publicariam um trabalho na comunidade científica sobre os mistérios das tribos e civilizações perdidas da América Equatorial. Na última visita às populações ribeirinhas do Amazonas,Nora embrenhava-se pela floresta a dentro a procura de vestígios que os levassem às tribos dizimadas e seus segredos. Tino ficava na captação de dados e elaboração dos gráficos. Nora estudava os ritos de transcendência da alma ,após a morte e acreditava que o chá de um tipo específico de erva colhida pelos xamãs do Alto Xingu,poderiam aprisionar o espírito de pessoas morimbundas em objetos que estivessem próximos aos mesmos por ocasião de sua morte. Quando Nora adoeceu e foi desenganada pelos médicos,Tino fez a pajelança da transcendência. Não admitia a ideia de perdê-la. Queria Nora perto dele para sempre,aprisionando sua alma num relicário especialmente confeccionado para esse fim e colocado sobre a mesa do computador. Mas,um ano se passara e nunca conseguira nenhum contato com a mulher amada e aprisionada. Numa noite de tempestade,um raio elegeu o telhado de Tino,provocando faíscas e queimando o transformador da casa. A sobrecarga de energia,ao voltar,provocou a queima do disco rígido do computador,apagando todos os dados e arquivos armazenados.

Voltava a estaca zero. O único backup , apenas Nora sabia executá-lo.

Ligou o computador na tentativa de recuperar algum arquivo. Passou os olhos rapidamente pelos sites sociais e por um instante deparou-se com um lembrete de aniversário que dizia: " Hoje é o aniversário de Nora, mande uma mensagem para o seu mural". Um frio percorreu sua espinha e começou a rir nervosamente."Preciso deletar o perfil de Nora",pensou.

Entrou no perfil da mulher acessando login e senha e não resistiu em dar uma "espiada" no mural. Fotos e publicações das viagens marejaram seus olhos de saudades. Parou surpreso diante de um recado criptografado que dizia:" Tino, no ctrl V está a chave que procura". Fez o que o recado pedia e surgiu à sua frente o endereço de um web site:www.noraprisioneira.com. Os dedos nervosos dedilhavam o teclado rapidamente. Clicou no link e esperou que carregasse. 35%, 50%,99% e uma mensagem surgiu: click na tela para abrir o portal.Obedeceu prontamente. Uma luz intensa cegou-o temporariamente e só conseguia ouvir a voz doce e triste de Nora:

__ Tino, porque fez isso comigo? Porque me deixou aqui,sozinha,por tanto tempo,aprisionada,nessa dimensão?

__ Nora, é você meu amor?

__Preciso que me liberte,Tino. Preciso que me deixe ir...

__Não, preciso de você,fique comigo !

__Não temos o direito de interferir na ordem natural das coisas,Tino.Por isso provoquei a sobrecarga,no dia da tempestade.Não podia deixar você com aqueles dados,tão perigosos... Agora quebre o relicário e me deixe partir.

__Não,preciso do backup,onde o colocou?

__O Xamã nos avisou o tempo todo,Tino... Não temos esse direito. Quebre o relicário agora!

__Quero o seu pendrive primeiro, querida, depois liberto você para sempre.

__Como pode ser tão egoísta,pensei que me amava...

__ A ciência espera por isso,Nora, não temos o direito de manter essa informação em sigilo. É a prova que tanto queríamos. A existência de uma alma que transcende a podridão da carne.

__ Quebre o relicário,Tino !

__ O pendrive primeiro,Nora !

__ Ok,você vai ter o que pede... Abra a segunda gaveta do meu armário. Por baixo da gaveta achará uma chave. Essa chave abre o cadeado do baú de sândalo,que me deu,quando nos casamos e juramos lealdade,um ao outro. O baú está num fundo falso do mesmo armário. Pegue o pendrive e o conecte neste computador. Só eu posso descriptografá-lo. Faça isso ,mas antes quebre o relicário.

Rapidamente Tino foi ao armário,encontrou a chave e abriu o baú. Lá dentro estava o pendrive de Nora.Correu para o computador e conectou o pendrive... A voz de Nora surgiu imperativa:

__Quebre o relicário como prometeu,Tino!

__ Não antes de você descriptografá-lo.

__Está sendo desleal comigo de novo,Tino.

__ Não, estou apenas querendo que cumpra o que prometeu.

__ Você pediu e vai ter o que quer, Tino. Reconecte o pendrive e reinicie o computador,seus dados estarão aqui, à sua espera...

Tino reconectou o pendrive , reiniciou o computador e não lembrou de mais nada.

***

O corpo carbonizado de Tino foi encontrado no dia seguinte junto aos destroços do computador. O lindo relicário, jogado pela explosão, estava intacto. O chefe da perícia , admirado pela beleza do objeto,o recolheu sem que ninguém percebesse. Em casa, colocou-o na prateleira, ao lado do notebook. Ligou-o como de costume, leu os seus e-mails e entrou no seu site social predileto. Passou rapidamente os olhos pelas suas mensagens, quando deparou-se com um esquisito pedido para que adicionasse aos seus amigos. Foi ao perfil do sujeito e lá estava a imagem mais estarrecedora que já vira... No mural, Tino havia publicado um vídeo com horário posterior à sua morte. Não havia imagem... Apenas um barulho de gritos e gemidos de horror e o som de uma voz feminina ,ao fundo, entoando num dialeto desconhecido, uma espécie de prece indígena...