Noite felina

A noite estava sombria e fria, um vento gélido assobiava uma canção plangente, a lua outrora totalmente coberta pelas espessas nuvens, agora brilhava em toda a sua extensão. Kessy admirava a noite da sacada de seu quarto, olhava para o céu como a procurar um sinal, estava impaciente. Era uma mulher jovem ainda, tinha vinte e um anos, mas não se parecia em nada com outras moças de sua idade, que só pensavam em casamentos, fortunas e prazeres, não, Kessy preocupava-se com outros assuntos.

Sua figura era esbelta, mas de pequena estatura, sua pele muito alva, mostrava claramente que quase nunca saía a luz do dia, era decididamente noturna. Seu vestido preto acentuava ainda mais sua extrema palidez e suas olheiras, tinha o cabelo longo e cacheado, preto azulado, parecia uma bonequinha de porcelana, mas de aspecto gótico e nada amigável.

Morava sozinha em um pequeno castelo herdado de parentes distantes, governava com mão de ferro sua casa, que era prospera e distinta. Kessy era quase uma lenda em sua cidadezinha, pois todos já tinham ouvido falar sobre ela, mas quase ninguém a tinha realmente visto. Ela gostava dessa onda de mistério que a cobria, gostava de tudo que fosse misterioso, não gostava do óbvio.

Seu pensamento vagava pela noite, seus olhos procuravam incessantemente na escuridão prateada pela lua. Já está quase na hora, pensou. Sua gata Katie esfregava na saia de seu vestido, ronronando. Kessy pegou Katie no colo e acariciou lhe entre as orelhas enquanto falava docemente: Logo todos estarão aqui, se acalme. Deu mais uma olhada noite afora e já conseguia vê-los. Vinham de todos os lados, eram de todos os tamanhos, cores e raças.

Os olhos de Kessy brilhavam de um êxtase febril, um raro sorriso desabrochou em seus lábios antes pálidos e agora vermelhos e pulsantes. Continuou acariciando Katie que agora já não ronronava, olhava atentamente a multidão de gatos que se formara ao redor do castelo. Bem na hora, disse Kessy, levantando Katie e mostrando-a para a gataria. Todos os gatos começaram a miar em uníssono, até parecia uma canção funesta.

Nesse exato momento, um arrepio corria pela população da pacata cidadezinha onde Kessy vivia, um estremecimento que pairava sobre eles sem razão aparente. Kessy quando era criança tinha achado uma gata siamesa à beira da morte, tinha acolhido a gata como a um filho, cuidado dela até que se recuperou totalmente, colocou-lhe o nome de Katie, viveram juntas por muitos anos, assim que completou vinte e um anos pela primeira vez, viu que sua amada Katie era especial.

De dez em dez anos esse mesmo ajuntamento ocorria, cada gato doava uma de suas vidas àquela que tinha salvado da morte a gata escolhida, nomeada guardiã de todos os felinos, sendo assim Kessy completava seu quinto aniversário de vinte e um anos.

Assim que a canção felina cessou, Kessy colocou Katie no chão; já se sentia mais forte, seu vigor tinha voltado, suas faces agora tinham um tom rosado sadio e suas olheiras tinham desaparecido. Olhou os gatos indo embora, para todos os lados. A noite voltou a ficar vazia e calma, só o vento continuava a soprar, as nuvens encobriram novamente a lua, Kessy olhou para Katie e disse: Hora de entrar mocinha, somos apenas eu e você novamente. Entrou no quarto e fechou bem as janelas.

Dedico a minha irmã e sua gata.

Priscila Pereira
Enviado por Priscila Pereira em 07/06/2013
Reeditado em 07/06/2013
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