A Casa do Cemitério - Parte II - Final.

**Nota: Olá gente! Espero que tenham apreciado a leitura da primeira parte de nosso conto. Esta é a parte final, e espero que gostem!!! Felipe, obrigado!!! Jamais esse conto saíria sem a sua parceria.

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- Gustavo no celular? Perguntou o pálido João.

- Sim, mas a ligação caiu. Ele disse algo sobre o Padre Arthur. – Juliana guardou o celular no bolso e encarou o velho na cadeira de rodas.

- O Padre está ocupado agora, daqui a pouco é a hora de meu enterro. Falou o homem calmamente.

A mulher paralisou ao ouvir aquelas palavras:

“Daqui a pouco é hora de meu enterro...”

- Sim, é isso mesmo menina, eu morri, morri hoje durante a madrugada e estou aqui, para provar para o seu marido, que essa casa não pertence apenas aos vivos.

Juliana paralisou, queria sair da cozinha, trancar-se em seu quarto e ficar aguardando o marido, mas não tinha forças para isso.

- Essa casa é especial senhorita, existe um laço entre ela e o cemitério. Antes, quando eu morava aqui, eu não compreendia, mas agora morto, tudo é tão claro! Os mortos precisam dos vivos quando não seguem em frente, precisam do calor daquele que o coração ainda bate e além disso, quando mortos não temos mais o direito de ir vir, é uma libertação que aprisiona...

- Não é possível.

- É sim... Infelizmente eu não posso perder tempo, não parece, mas também estou morrendo de medo. – Falou o velho olhando para as próprias mãos. – Não vamos perder tempo querida, venha até mim, me de sua mão.

Como se estivesse hipnotizada, a mulher caminhou na direção de João e lhe deu a mão.

O toque frio lhe assustou, mas Juliana não recuou.

- Feche os olhos, vou te mostrar como as coisas realmente são por aqui. – Sussurrou o velho enquanto suavemente apertava a mão de Juliana.

A moça fechou e em vez da escuridão, o que viu, foi como sua casa era na verdade. Viu a residência sob o olhar dos defuntos.

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Com a roupa toda encharcada Gustavo terminou a difícil tarefa de abrir caminho para passar com seu carro. Voltou correndo para automóvel, deu partida e saiu acelerado. Não acreditava nas palavras de Juliana. Seria possível que ela tivesse mesmo falado a verdade? Se sim, o mundo estaria de ponta cabeça, pois Gustavo tinha certeza de que João estava realmente morto.

O pé afundava no acelerador, o coração quase saltava da boca. Queria ficar tranquilo mas não conseguia, sabia que estava errado.

Estacionou o carro em frente à casa e o que viu lhe preocupou ainda mais. Arthur, o padre, insistia em bater na porta. O homem se esforçava para entrar na casa de Gustavo mas não conseguia.

Ao olhar por uma das janelas Gustavo viu que o interior da residência era uma completa escuridão.

- O que diabos você está fazendo Arthur?

- Eles estão lá dentro! Todos eles!

- Quem? Perguntou Gustavo retirando a chave do bolso para abrir a porta que estava misteriosamente trancada.

- Os mortos.

- Juliana! Juliana! Gritou Gustavo enquanto tentava entrar na casa.

Em meio a tempestade os dois homens se esforçavam para entrar, sem perceber que uma força maior impedia que isso acontecesse.

- A Janela, vamos entrar pela janela antes que seja tarde demais!

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Quando Juliana fechou os olhos, mergulhou em um sono profundo, fez uma viagem pelo mundo que separa os vivos dos mortos.

- Olhe para mim.

Foram as palavras que chegaram aos seus ouvidos.

A mulher olhou e viu o velho João agora em pé, lhe estendendo a mão.

Levantou-se do chão com a ajuda do homem e perguntou onde estavam.

- Essa é a casa de vocês... Entenda minha jovem que certas coisas nunca mudam! Antes eu não entendia, mas agora que morri eu vejo... Deixe-me ver uma palavra que defina bem... Ah sim, agora vejo a essência das coisas e você também verá.

Juliana olhou a sua volta e não acreditou, não podia ser verdade. Sabia que aquele lugar era sua casa, mas agora, o que via não era mais os móveis, as paredes, o chão. Mas sim terra, e sepulturas, eram túmulos e mais túmulos.

- Esse lugar fazia parte do cemitério, é uma extensão dele. – Explicou o velho. – Por isso os mortos ainda estão aqui, por isso aqueles que são enterrados ali ao lado tem o poder de vagar pela casa.

Juliana fitava os túmulos, pareciam tão antigos.

- O lugar dos mortos, sempre será lugar dos mortos. – Completou João.

- Meu Deus. Foram as únicas palavras que a mulher conseguiu expressar.

- Agora que compreendo, acho que o melhor que posso fazer é alertar vocês. É melhor sair dessa casa, eu não sou um deles, nunca fui, mas os verdadeiros moradores desse lugar parecem não gostar de dividir o mesmo espaço.

- Onde eles estão? Onde estão todos esses mortos?

- Eu não sei minha filha, só estou aqui por que achei que era preciso avisar você e seu marido, mas durante o tempo que vivi aqui, passei a acreditar que eles não são bons, não são simples mortos. – João caminhou até Juliana e lhe falou no ouvido.

- Eu acho que eles são do mal.

- Bem ou mal? Vocês vivos, sempre tentando rotular as coisas, é por isso que não se damos bem!

Os dois olharam para a direção da voz e encaram uma cena horrível.

Eram dezenas, pareciam um exercito, os defuntos do antigo cemitério. Todos já podres, destruídos pelo tempo. Um grupo de cadáveres, os verdadeiros moradores daquela casa.

Um deles deu um passo à frente e tomou voz, era o mesmo que havia falado antes. Tinha pequenos tufos de cabelo na cabeça, usava um terno preto já corroído pelos vermes, o rosto lembrava mais uma caveira do que uma expressão viva, na mão segurava um chapéu. Ele parecia ser o representante de todos os mortos.

- Nós tentamos viver em paz com vocês vivos, mas realmente não é possível. Só será feliz dentro dessa casa quem estiver morto! - A voz era grave, assustadora.

- Que diabos é você? – Perguntou João.

- Essa não é a pergunta, afinal eu não sou... Nós somos! Somos uma família, uma legião. – Falou sorrindo o estranho e então ergueu o punho para o alto e gritou. – Ela não é da família, fora! Seu lugar não é aqui!

- Seu lugar não é aqui! Seu lugar não é aqui! Entoaram os outros mortos. Gritavam e começaram a avançar para cima de Juliana.

- João, me leva de volta, eu não posso ficar aqui! Falou a mulher se virando para o antigo morador da casa. Mas esse estava caído não, como se estivesse morrendo outra vez. O velho sucumbira sem ao menos ter tempo de provar para Gustavo que a casa não era normal, que o lugar fora construído sob ossos e caixões.

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Após quebrar a janela Gustavo entrou na casa, seguido por Arthur que assim como o dono da residência estava mais do que preocupado.

A estranha névoa que pairava no interior do local prejudicava a visão. E em meio a uma quase que completa escuridão, Gustavo e Arthur vagaram a procura de Juliana.

- Julianaaaa! Gritou o marido.

Não demorou para que eles escutassem um grito.

- AAAAaaaaaaaaaahhh.

Após isso toda a névoa espalhada pela casa se reuniu, esvaziando os cômodos, como se o ralo de uma pia fosse desentupido.

Os dois homens não tiveram tempo de ver para onde toda a névoa se disseminara. Percorreram juntos mais dois cômodos e então encontraram estendido no chão o corpo da mulher. Juliana estava caída, de olhos arregalados, tremendo de uma forma assustadora.

Foram mais de vinte minutos para conseguir acalma-la. Enquanto o padre preparava um chá, Gustavo a colocou deitada em um sofá, com a esperança de que a mulher melhorasse.

- Está tudo bem agora meu amor. Falou o esposo. Mas bastava encarar a cara de Juliana para entender que nada estava bem.

- Não somos um só, somos uma legião. Era as palavras que Juliana sussurrava.

- O que foi que ela disse? Perguntou o padre que no exato momento entrava com uma xícara na mão.

- Nada de importante padre.

Gustavo conseguiu fazer com que ela tomasse o chá, e então Juliana dormir.

Os dois homens só voltaram a trocar palavras quando Juliana estava realmente desacordada.

- O que diabos foi isso Arthur? Perguntou Gustavo levando as mãos à cabeça.

- Ela viu eles, só pode ser isso, ela viu os mortos.

- Não aguento mais esse papo padre não mesmo!

- Mas você viu a névoa Gustavo! Eram eles, você precisa acreditar.

- Olha, obrigado pela ajuda, mas tudo isso é muita coisa para minha cabeça. Ficaremos melhor se você nos deixar, pelo menos por hora.

- Acho que é melhor vocês não passarem a noite aqui hoje, vamos até a minha casa, posso arranjar um quarto para vocês.

- Você não entende? Eu gastei o que não tinha com essa casa, nós não vamos sair daqui!

- Tudo bem meu filho, mas se precisar de mim, é só ligar.

Arthur caminhou até a porta e foi embora. Saiu rezando baixo, pedindo para que deus protegesse aquele casal. Antes de deixar a casa, encarou a residência e fez o sinal da cruz. O vento que tomava contas das ruas, por segundos soou como uma risada, um deboche em relação a benção do padre.

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Chegou a noite. Juliana ainda dormia, mas agora em sua cama. Gustavo lhe observava, as palavras da mulher não saiam de sua cabeça.

“Não somos um só, somos um legião!”

- Ratos! Malditos ratos! Falou para si e caminhou até o carro.

Tirou as compras de lá e as colocou na mesa. Em meio as sacolas procurou pelo veneno que havia comprado e depois espalhou o mesmo pela casa.

- Tudo vai ficar bem quando eu acabar com os ratos.

Tomando goles de vinho direto da garrafa, Gustavo percorreu toda a casa, espelhando o veneno, acreditando que no dia seguinte o inferno acabaria, torcendo para que os bichos que atormentavam os moradores da casa morressem. Mas bem no fundo ele sabia que não a como matar o que já está morto.

Terminou o serviço. Abandonou as coisas na escrivaninha do quarto e caiu na cama. Apagou, dormindo ao lado da esposa, que há horas estava inconsciente.

Antes de fechar os olhos Gustavo comtemplou a mulher, ela parecia diferente.

15

Presa em um pesadelo, Juliana não acordou. Quando seus olhos se abriram, não era ela que tinha controle de seu corpo. O líder dos mortos havia achado uma maneira de acabar com toda aquela bagunça que vinha acontecendo nos últimos dias.

Se João não tivesse errado em levar Juliana para o outro lado, os verdadeiros dono da casa nunca teriam a oportunidade de tirar os intrusos dali, de acabar com os vivos que insistiam em se mudar de anos em anos para aquela casa.

Após se apoderar do corpo de Juliana, a tarefa seria fácil, bastaria acabar com sua vida e então não haveria mais nenhum vivo ali. Quando o defunto entendeu que agora tinha controle de um corpo físico e viu que na cama Gustavo dormia em um profundo sono, sorriu, por que aquela era a grande chance. Acabaria com dois coelhos com apenas um golpe.

Não precisou pensar muito em como fazer, pois a desgraça e a morte jogavam no seu time.

Avistou o veneno e o vinho em cima de um pequeno móvel e preparou o último drinque, a bebida do além.

Depois caminhou até a cama, ergueu a cabeça de Gustavo e o fez beber, apenas um pequeno gole já seria o bastante. Após terminar a primeira tarefa, o morto levou a bebida à boca de juliana, e antes de sentir o líquido descendo pela garganta da bela mulher, abandonou o corpo da mesma, que tombou na cama, ao lado do marido.

16

O dia amanheceu e Arthur resolveu conferir se Gustavo e Juliana haviam melhorado.

Ao chegar na casa notou que tudo estava trancado, da mesma forma que durante a noite anterior. Gritou pelo nome de Gustavo, mas ninguém atendeu.

Foi questão de minutos para que o desespero tomasse conta de seu coração. Pegou o celular e ligou para Antunes, algo estava errado.

Junto do policial, o padre entrou na casa. O ato parecia um Déjà vu da noite anterior. Dois homens procurando o mal dentro da antiga residência.

Caminharam pelos cômodos do primeiro andar e não encontraram ninguém.

- Será que eles não foram para algum lugar? Perguntou o policial.

- Não Antunes, Gustavo me disse que não iria deixar a casa.

Continuaram seguindo, até que subiram as escadas e chegaram ao quarto.

A cena vista foi mais do que macabra.

O quarto cheirava a morte e na cama estavam contorcidos os corpos de Juliana e Gustavo. Ambos de olhos abertos, com as bocas sujas e ainda espumadas. Os lençóis eram um misto de sangue e vômito.

- Ah meu senhor. Falou Arthur fechando os olhos e apertando o crucifixo que levava no pescoço.

- Mas que merda. Foram as palavras que saíram da boca do policial.

O padre só deixou a casa depois que viu os dois corpos sendo levados pela ambulância. Artur olhou para Antunes e disse com uma voz fraca.

- Não podemos deixar mais ninguém comprar essa casa, eu não sabia que eles poderiam chegar a esse ponto.

- Ninguém sabia Arthur, nós nem sabemos ao certo por que esses desgraçados vivem ai. Não se culpe meu amigo, apenas se afaste, sinto que eles também não gostam de nós, já lhe disse isso, é perigoso. - Falou o militar batendo nas costa do velho padre. Depois caminhou até a viatura. Não via a hora de chegar em casa e tomar um banho quente.

Já Arthur se afastou da casa à pé, com passos lentos, sabendo que as coisas não estavam terminadas.

17

Quando o relógio marcou meio-dia do dia seguinte a morte de Gustavo e Juliana, o padre se preparou para ir até a capela. Tinha problemas para resolver na paroquia, o mês das arrecadações de agasalho na comunidade estavam chegando e muita coisa havia para ser feita.

No caminho passou por frente ao cemitério e consequentemente, em frente à maldita casa. Olhou para ela, uma residência tão bonita que escondia segredos tão assustadores. Como era possível? Que tipo de seres eram aqueles que ali viviam? De onde vinham? Como destruí-los?

Eram muitas perguntas, e todas sem respostas.

Seguiu em frente, sem desgrudar os olhos da casa. Um calafrio percorreu sua espinha quando conseguiu observar por uma das janelas, um movimento na cozinha da casa.

A curiosidade foi mais forte.

Atravessou a rua e avançou lentamente em direção à janela, queria saber o que estava acontecendo.

Olhou e lá dentro viu Juliana e Gustavo almoçando, como se fosse um dia normal, como se eles estivessem bem. O casal não estava sozinho, haviam mais cadeiras, mais pessoas. Comiam todos juntos, como uma família.

No topo da mesa, Arthur observou um indivíduo peculiar. Tinha cabelos longos, usava um chapéu estranho e um terno preto. O sujeito sorria.

O padre paralisou, não acreditava no que via. Eram os mortos, todos reunidos em uma celebração macabra.

- Longa vida a casa do cemitério! Bradou o homem de terno erguendo um copo.

- Longa vida! Responderam os demais sentados à mesa.

Juliana e Gustavo não apresentavam nenhum sentimento no rosto, pareciam hipnotizados.

Apavorado Arthur se afastou da janela, mas antes que saísse correndo dali, sentiu uma mão pousando em seu ombro. Olhou para trás e quase que não reconheceu o indivíduo que lhe abordava.

Primeiro por que o mesmo estava em pé, coisa que era impossível na realidade de Arthur. E segundo por que a expressão em seu rosto não era mais a mesma. João estava com os olhos negros e um largo sorriso na cara.

- Perdeu alguma coisa padre? – Perguntou o velho, que assim como Gustavo e Juliana, se transformara em um verdadeiro morador da casa. Agora ele também pertencia a legião, a legião da casa do cemitério.

FIM

Bonilha e Felipe T.S
Enviado por Bonilha em 03/07/2013
Código do texto: T4370161
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