Memórias de um zumbi apaixonado - DTRL

No meio daquela pilha de corpos comecei a imaginar como era a minha vida antes disso. Eu estava me saboreando com um banquete. Banquete de zumbi. Estômagos ulcerados com pulmões cancerígenos, é bom. Lembro-me de quando eu era um humano. Aquele cheiro de carne podre certamente me daria náuseas. Tudo começou quando eu havia sido demitido do meu último emprego.

"Maurício, coloque este headset! Você é um péssimo funcionário"

"Vou te mostrar o que é péssimo" - dei um soco na cara do chefe, justa causa. Estava mais fodido do que nunca e sem um puto no bolso (na verdade eu estava com menos de um puto, negativado.) Havia um surto de um vírus desconhecido pela ásia e muita gente tava morrendo. Pela America do sul como sempre nada de muito estranho acontecia e esse vírus era apenas um vírus asiático. ERA. Pois algum desgraçado acabou trazendo essa merda pro Brasil. Foi numa madrugada. Eu devia estar em algum bar, tomei umas 2 latas de skol. Estava um frio desgraçado e por sorte só me restara dinheiro pra um bilhete de metrô. Enquanto desço as escadas da estação santana (zona norte paulistana) percebo que tem alguém me seguindo.

Olho pra trás e vejo um puta dum bichano estranho pra caralho. Ele parecia estar morto, mas estava vivo se é que você me entende. De sua boca escorria um sangue fresco como de estivesse mordido alguém a poucos minutos, seu nariz era pálido e achatado junto ao resto de seu rosto, seus olhos opacos, e sua pele de um tom esverdeado claro estava ligeiramente coberta por terra. Ele parecia não ter o mínimo de noção, muito menos raciocínio. "Só pode ser um zumbi" - pensei.

Apertei o passo mas o cara não parava de me seguir. Comprei rapidamente o bilhete e pude reparar uma certa expressão de pânico no rosto do caixa . Não foi atoa que ele abandonou o guichê correndo. Olhei o reflexo da coisa no vidro do guichê. La estava ele, parecia estar ficionado em mim. Tentei correr o mais rápido que pude, porém quando ultrapasso a roleta, percebo que há mais deles. Em questão de segundos começaram a aparecer zumbis de todos os lugares naquela estação, e o camarada do guichê a está hora já devia ter virado comida de zumbi. Fiquei esperando a porra do metrô ou trem (sei la qual o nome que se dá a esse veículo) aparecer. Sentido tucuruvi. Eu desceria na parada inglesa e estaria a salvo. Pelo menos foi nisso que pensei. Percebi que um zumbi estava subindo a escada rolante. Comecei a rezar para que o trem aparecesse rápido. Naquela altura da madrugada só mesmo muita sorte pra aparecer um metrô rápido. E quando o tal zumbi estava a centímetros de me abocanhar eis que surge o trem. A porta rapidamente é aberta e eu pulo como quem pula de um precipício querendo se suicidar. Dentro do trem todos me olhavam. Eu estava caído no chão com uma cara de assustado. Um imbecil ali jogado em plena madrugada.

Eu demorei um tempinho pra perceber que na verdade eles não estavam olhando pra mim, e sim para o zumbi! Sim. A merda do zumbi me seguiu até la. De alguma forma ele conseguiu entrar no mesmo vagão que eu. Quando olho pro lado lá esta aquela fera devorando um por um. No momento em que ele abocanhava um gordo com bigode de mexicano pude reparar em sua face. Ele não era ele. Era ela. Até que era bonitinha. Por fim eu fui o último que restara e ainda faltavam uns 10 minutos para eu chegar na minha estação. Ela ia aproximando-se de mim, com todo aquele sangue escorrendo sob seus lábios e suas vestes. Ela só tinha olhos pra mim e eu só tinha olhos pra ela. Química. Ora foda-se como é que poderia estar rolando química entre um humano e uma zumbi? Tudo bem que a mulherada estava escassa em minha vida mas ficar de bobeira com uma zumbi isso era doentio. Nessa etapa eu já podia ver meu bairro pela janela. Passávamos por cima de prédios e de uma pizzaria vagabunda que vende uma pizza muita da boa embaixo de uma ponte la na parada inglesa. Então quando já podia ser ouvida a voz da locutora "próxima estação..." aquela zumbi chegou em mim. Chegou em mim e me mordeu o braço, desmaiei.

Só me lembro de acordar num lugar sombrio, realmente sombrio. Corvos e abutres pairavam por ali sobrevoando o local cheio de cadáveres humanos misturados a um odor podre de acre sêmen. Estávamos num cemitério. As lápides estavam todas derrubadas e as covas todas reescavadas. Corpos e corpos espalhados e vários zumbis devorando as carcaças. Estranhamente me senti faminto. Senti uma vontade muito grande de comer um pulmão. Então uma voz bem áspera dirigiu-se a mim:

- Querido, você esta com fome? - disse ela. Gostei daquela voz.

- Querido? Sim to faminto. - disse eu enquanto tirava terra de minha testa. - Posso comer aquele pulmão ali? - apontei pra um pulmão preto jogado ao chão, provavelmente um pulmão de algum fumante filho da puta (ex-fumante).

- Claro amor.

- Olha não é por nada mas porque você ta me chamando assim? - disse eu enquanto mordia o pulmão.

- Porque você é meu ganho.

- Ganho? - disse enquanto mastigava.

- Olhe para o seu corpo. Eu te ganhei.

Pude reparar que meu corpo estava com aspecto completamente decrépito. Sim, eu virei um zumbi. Mas não estava muito triste afinal de contas aquilo era pouco diferente do que costumava a ser quando humano. Continuei a me saborear com o pulmão.

- Bom, quer dizer então que você me ganhou. - disse enquanto olhava pra ela. E por um momento percebi que ela era quem estava dentro daquele metrô. Aquela zumbi bonitinha.

- Isso. Ganhos acontecem quando mordemos um humano sem mata-lo. O que eu fiz contigo por exemplo.

- E porque você devorou todos aqueles passageiros?

- Tava com fome.

- Entendo.

Parecia que ela estava gostando de mim. E devo confessar que eu também. Na verdade passei a gostar da garota desde quando a vi naquele vagão com o nariz do gordo mexicano em sua boca. Sexy demais. Bem, com o passar do tempo ela me ensinou a vida zumbi. O modo de viver. Afinal de contas eu agora era um deles. De manhã não fazíamos porra nenhuma. Apenas escavávamos alguma cova a procura de sangue. Isso tomávamos sangue a manhã inteira e ficávamos de papo pro ar. A noite íamos caçar. Caçávamos na região metropolitana de São Paulo. Eramos da zona norte. Lembro que certa vez invadimos uma dessas padaria 24 horas e comemos (no sentido antropofágico) todos os fregueses. Era legal. Eu estava curtindo aquela vida de zumbi. Bem mais interessante do que qualquer vida humana. E com ela ao meu lado tudo era tão belo. Adorava ver aquela garota com tripas na boca. Sempre tão sexy. Ficamos nessa rotina durante um bom tempo. Pela manhã sangue e conversa fiada e a noite um belo de um jantar. Tava maneiro. Mas, o pior estava por vir. O que veio a seguir realmente mudou a minha vida. Mudou a minha vida para sempre. Os humanos estavam montando um grupo de resistência, e toda noite eles estavam saindo pra foder os zumbis.

- Amor, vamos ficar hoje pelo cemitério mesmo. Tem muito deles la fora.

- Aff, eu gosto de curtir a noite. Esses humanos idiotas não conseguem nem nos arranhar.

- Eles estão crescendo. Tem bastante comida aqui não precisa caçar hoje.

- Você quer é que eu fique trancada aqui nesse cemitério. Sei que você é ciumento. Mas eu vou. Se você não quiser ir que fique ai olhando pra essas lápides e... - calei ela lhe dando um longo beijo.

Acabou que eu fui também. Fizemos o mesmo trajeto de sempre. Padarias. E quando nós estávamos dilacerando uns idiotas, eis que eles aparecem. Aquele bando de humanos ferrados cheio de armas na mão.

- Corre porra! - eu disse a ela.

Corremos em disparada mas eles estavam de carro. Eu sabia que sair naquela noite seria um erro, erro fatal. Continuávamos a correr. Não por muito tempo. Um retardado numa caminhonete nos alcançou e começou a atirar. Empurrei minha garota pra dentro de um boeiro.

- Escuta fica aqui e não fala nada. Vou ver como esta la fora.

Subi a porra da tampa e voltei a superfície. La estavam eles. Um massacre estava rolando nas ruas. Pedaços de corpos de zumbi pra tudo quanto é lado. Um genocídio total. Tava foda então resolvi voltar ao boeiro. Quando eu retorno, pra minha surpresa tem um cara la embaixo. Tinha um desgraçado ali embaixo apontando um fuzil pra minha garota. Como ele chegou até ali eu me fico perguntando sobre isso até hoje. Ele estava ameaçando. Era um doente. Sádico. Queria brincar. Então ele deu um tiro no pé dela.

- Aaaaaiiii. - ela gritou.

- Porra cara para com isso! - disse eu.

- Eu quero ver vocês sofrendo. - disse o cara.

- Deixa ela em paz você pode ter a mim. - disse eu me oferecendo pro sujeito.

"Poou!" - outro tiro. O merda deu outro tiro. Dessa vez no braço direito da minha garota. Ela gritava.

- Pelo amor de Deus cara. Você vai acabar "matando" ela!

Ele solta uma gargalhada e da outro tiro. Dessa vez no outro braço esquerdo.

- Aiiiiii. Para por favor. Pare com isso. Não aguento mais! - ela chorava.

- Seu merda. Não vou te perdoar.

- Como é que é? Você me chamou do quê? - disse ele.

- Você ta cheio de merda! - disse eu.

Então ele solta mais um tiro. "Poooou!". Aquele corpo de garota sapeca caiu no chão. Caiu mais morto do que nunca. O maldito acertou um tiro na cabeça dela. Ela se foi. Meu primeiro e único amor havia partido pra sempre. O cara ria sem parar. Num acesso de fúria fui em disparada na direção do desgraçado. Tomei sua arma e lhe apliquei vários tiros em várias partes de seu copo maldito. Braços, pernas, barriga, rosto. Tudo voou pelos ares feito um pacote de bosta. Então saí daquele boeiro e fui correndo pelas ruas em direção ao cemitério. Não tinha nenhum zumbi nas ruas só humanos. Começaram a atirar em mim, de vez em quando eu acertava um tiro em alguém. Sempre rumo ao cemitério acho que no caminho acertei uns 5 head-shots. Enfim, cheguei a minha fortaleza. Cheguei no cemitério. La tinha zumbi demais era impossível que algum humano chegasse por perto.

Por fim contei a todos a merda que havia acontecido. Falei sobre a morte da minha garota. Eles tentaram me consolar. Em vão. Nada adiantava e eu estava completamente deprimido. Passaram-se anos. A guerra entre zumbis x humanos ainda continua. Com uma leve vantagem para os zumbis. E eis me aqui. Escrevendo minhas memórias como uma carta de despedida. Continuo extremamente deprimido. Abalado demais para viver assim, resolvi que vou me suicidar amanhã. Vou até a praia de santos e vou adentrar mar adentro sem nunca mais voltar. Não sei se um zumbi é capaz de morrer afogado, mas isso pouco me importa. Nada é pior do que ficar sem a sua amada. Pois bem me chamo Maurício. Maurício um zumbi. E um jeito suave de ir.

cristiano rufino
Enviado por cristiano rufino em 06/07/2013
Reeditado em 06/07/2013
Código do texto: T4374476
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