O MENINO ESTRIPADO

-Vinicius! - meu pai gritou com os olhos cheios de lágrima, saltando do portão de minha casa, enquanto sentia as mãos ásperas e firmes da mulher ao qual conversava minutos antes apertar minha pele com força e suas unhas arranhar-me a pele.

-Pai! - gritei chorando sentindo que aquela mulher estranha me carregava em direção ao carro escuro que parou a poucos metros de onde estávamos, enquanto eu me debatia tentando me libertar de seus braços. -Papai! Me ajude!

Meu pai começou a correr em minha direção, mas aquela altura já era tarde demais. Aquela mulher estranha, de cabelos longos, escuros e cacheados me atirou para dentro do carro e sentou-se ao meu lado tampando minha boca impedindo-me de gritar, enquanto alguém tratou de acelerar. Sentia meu coração bater descompassadamente e as lágrimas quentes rolarem pelo meu rosto, enquanto a respiração e o desespero tentavam ser libertos juntos de um grito estrondoso de socorro que eram sufocados pela mão daquela mulher que apertava com força e fitava seus olhos escuros profundamente nos meus, causando um medo terrível.

O vidro escuro do carro deixava a visão um pouco turva e as únicas coisas que eu conseguia distinguir na rua, eram as árvores que passavam rapidamente sobre a minha cabeça, sinal de que estavamos em alta velocidade. Eu só conseguia chorar e pensar no meu pai. Pensar em minha mãe, em minha casa, em minha família, em meu novo irmão que estava para nascer, nos amigos da escola... E uma angústia terrível rasgava meu peito por dentro, como se quisesse me dizer que eu nunca mais veria ninguém outra vez. Que aquele era meu último dia de vida, meu último e doloroso dia de vida.

Depois de muito chorar e acreditando que já estávamos longe o bastante, finalmente as mãos daquela mulher estranha deixaram minha boca e pude finalmente respirar. Foi um alivio. Uma respiração dolorosa. Era como se eu tivesse nascido outra vez em doze anos. Sim. Eu tinha doze anos de idade quando tudo aconteceu. Era um belo menino, talvez por isso tenham me escolhido. Cabelos castanhos claros, lisos e bem aparados, olhos esverdeados, nariz afilado, lábios finos enfeitavam o meu rosto angelical. Estatura alta, corpo robusto para uma criança da minha idade, talvez tenham colaborado para chamarem a atenção daqueles bandidos. Talvez até tenha sido observado por muito tempo antes de ser raptado, porém eu era um garoto ingenuo e a minha única preocupação era em desfrutar das brincadeiras tipicas de infância com meus amigos e tirar boas notas na escola. Nada mais. Nunca me preocupei com pessoas estranhas, apesar de meus pais terem me alertado, mas naquele instante, estava sabendo a realidade do que eles queriam dizer.

-Eu quero o meu pai. - murmurei choroso atraindo o olhar carregado de maldade do homem que estava no volante e da mulher sentada ao meu lado. -Por favor, eu quero o meu pai! Me levem de volta! Eu peço a eles para não contarem nada para a policia! - supliquei.

Novamente senti aqueles dedos ásperos daquela mulher tocarem a pele de meu pescoço com força e com a outra mão levou um pano embebido em algo de encontro ao meu nariz, ao qual desmaiei em seguida.

Acordei em lugar estranho. Havia uma iluminação bem precária, mas mesmo assim ainda não conseguia enxergar direito. Minha visão estava turva. Fechei os olhos com força e pedi a Deus que aquilo não passasse de um terrível pesadelo que quando acordasse seguiria a risca os conselhos de meus pais, porém continuava naquele mesmo lugar estranho.

Ao longe podia-se ouvir o barulho de uma goteira infernal. O cheiro de podridão envolvia a atmosfera fazendo com que meu estômago revirasse. Eu ainda estava deitado. O chão era frio. Olhei ao redor e percebi que estava em uma espécie de jaula e estava amarrado e amordaçado. A visão ainda estava fraca. Comecei a pensar que talvez tivessem me drogado.

Olhei ao longe e percebi que havia uma lampada fluorescente acesa e algumas pessoas em volta de algo. Tentei forçar a vista, mas nada conseguia ver, ainda havia muitas pessoas na minha frente. Parecia haver algo sobre uma mesa. Pingava muito sangue.

Abaixei a cabeça e fechei os olhos outra vez. Ardia. Ouvi passos vindo em minha direção e não ousei a levantar a cabeça. Estava zonzo. Cansado.

-Hei chefe! Acho que esse moleque aqui está morrendo! - a voz rouca de um homem gritou, ecoando pelo lugar que parecia ser um galpão.

Pensei em erguer a cabeça e mostrar que estava bem, porém cansado, mas se eles pensassem que eu estava morrendo, talvez me jogassem em algum lugar e então poderia fugir e rever meus pais outra vez. Com essa ideia continuei com a cabeça baixa e diminui o ritmo da respiração, enquanto sentia o coração acelerar.

-Traga-o aqui! Precisamos acabar logo com isso! - respondeu a voz do outro lado.

O homem abaixou-se diante de mim e cerrou as cordas que envolviam meus pés e carregou-me até a tal sala onde a luz era mais forte, pousando-me em uma mesa fria, de metal. Senti um medo incontrolável me dominar. Era como se eu pressentisse o mal que estava por vir.

Senti dois dedos quentes checando meu pulso.

-Ainda está vivo! - o homem na ponta da mesa disse. -Andem logo com isso!

Só então tomei coragem de abrir os olhos e deparei-me com uma espécie de sala cirúrgica precária. Havia alguns instrumentos de cirurgia espalhados em uma mesa ao meu lado e olhei para o homem que calçava as luvas. Mirou seus olhos nos meus e colocou a máscara. Não sabia se ele sorria, porém seus olhar transluzia um misto de sarcasmo com ironia, ao erguer o bisturi que brilhou de encontrou com a luz.

Queria me contorcer. Correr. Gritar. Sumir. Mas eu não podia. Estava amordaçado. Com as mãos amarradas. Senti a ponta daquela lâmina penetrar cada centímetro de minha pele causando uma dor terrível. Gritei o mais alto que pude, mas meus gritos agonizantes foram abafados pela mordaça. Chorei. Mas ninguém escutava. Ninguém me ajudava. Ninguém aparecia para me ajudar, para me socorrer. Sentia meu coração disparar a cada centímetro que aquele objeto adentrava meu abdômen, dilacerando minha carne e fazendo o sangue escorrer. Cada vez que minha carne era rasgada e a dor percorria meu corpo causando uma ardência terrível me recordava de meu pai, de seu sorriso, de seus abraços, de suas palavras, de suas broncas, de seu amor... Me recordava da minha mãe e agora, em meio aquela terrível dor e aquele grito estrondoso e abafado que eu soltava, sabia que nunca mais sentiria sua mão afagando meus cabelos, nunca mais teria seu colo novamente, nunca mais olharia em seus olhos.

Eu tremia. Já não sabia mais se tremia de dor ou de frio ou de medo. Dor por ter minha carne dilacerada e minha barriga aberta, frio por estar naquela mesa gélida ou de medo por estar em um lugar esquisito, sob olhares maldosos desejando a minha morte. Ainda chorava e gemia de dor baixinho pensando que tudo já havia acabado, porém senti quando as mãos daquele infeliz caminharam para o lado direito do meu abdômen, logo abaixo das costelas e começou a cerrar algo. Aquilo doía. Mal conseguia olhar. Só conseguia sentir uma dor mais forte do que a que havia sentido minutos antes. A dor que eu imaginei não existir.

Percebi que em meio aos meus gritos, gemidos dolorosos e o lágrimas de dor, minha visão foi ficando turva e escurecendo-se aos poucos. Olhei para o homem que revirava minha barriga. Estava com as mãos sujas de sangue e mastigava algo.

-Seu imbecil! Não era para comer esse! - o outro que parecia ser o chefe apareceu dando-lhe um soco. - Agora teremos que pegar outro moloque! - gritou.

Os dois começaram a discutir, porém era baixo. Era distante. Tudo girava. Escureceu. Estou aqui nesse galpão há um bom tempo esperando eles voltarem com outra criança. Quero ver o que roubaram de mim.

Marsha
Enviado por Marsha em 20/08/2013
Código do texto: T4443534
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