Um Salto de Fé

Deparei-me com o insignificante infinito. Praguejei palavras sem nexo e blasfemei em meio aos que oravam ao sagrado. Eles se sentiram insultados e me condenaram a passar os restos dos meus dias comigo mesmo, preso e atordoado em uma gaiola velha. Me esperneei inseguro dentro do meu inferno particular, deixaram as janelas abertas e eu vazei junto com o ar sujo...

Dentro da igreja erguida aos santos de barro, avistei vidraças com cacos coloridos... A porta estava trancada e eu usei o vitral para um seguro plano de fuga. Arremessei imagens tortas, beatificações tolas, atribuídas a milagres já esquecidos... O barro forte e seco atravessava os cacos coloridos e chegavam ao outro lado, escancarando meu doce caminho para a liberdade, liberdade essa muito mais sagrada que os bonecos ali dentro.

Tentei escalar as paredes grossas para chegar até as janelas, não consegui. Meus dedos sangravam tentando entrar no concreto bruto e me desesperei. Em limite de fúria, clamei ao verdadeiro Deus dos homens, perguntando por que aquele barro pintado o substituía em orações.

Em resposta, as paredes da igreja velha se estilhaçaram tal qual o vidro, a casa cega de Deus se abriu, me mostrando a liberdade por entre o entulho.

Meus perseguidores no direito de velar pelo sagrado, me perseguiram inconformados com minha liberdade... Me alcançaram perto dali e cuspiram em meu corpo.

Fui açoitado, cortaram meus cabelos e me arremessaram bolotas de barro, tão duras quanto aquelas tolas imagens que eles idolatravam...

Senti um pivete subir em meu calvário e me enforcar com um fio de cobre... O ar sumia de mim e entregue ao publico que aplaudia, gritei ao ver os soldados com as lanças prontas para serem lançadas contra mim.

A primeira lança estourou meu fígado, as outras me invadiram carne, osso e alma... Meu sangue puro escorreu e eles clamaram a seus santos.

Depositaram meu corpo em um tumulo vago, eu, inerte em minhas memórias, sentia a doutrina me afagar.

O céu engoliu minha alma e plainei no céu infinito, enfim liberto da maldade dos tolos.

O tempo passou, fui engolido pelas historias que me diziam ser um mártir. Décadas se escorreram como meu sangue puro... Milagres me foram atribuídos e fui esculpido em uma estatua de barro, delineado e canonizado santo. Outro santo de barro para enfeitar a fé dos aflitos, sujos e fracos.

Julio Dosan
Enviado por Julio Dosan em 14/09/2013
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