Morte Na Fazenda

Morri. Morri num Domingo de Novembro às quatro horas da madrugada. Deixei um punhado de fortuna e uma casa de campo ao meu fiel escudeiro Zé Silva.

Fui assassinado, não por um homem, por incrível que se pareça, mas por um artrópode, um desses aracnídeos infames que perambulam nos solos. Era negra e fina como um graveto seco, quase que imperceptível, atinou e me picou na sola do pé calejado. Doeu e logo comecei a experimentar os primeiros efeitos do veneno. Ora se doía...

Logo berrei para Zé Silva vir me acudir. O sancho não demorou a aparecer. Estava eu ali no chão, inerte e tremendo de medo.

- Lorde! O que passou?

- Agache aí! Fui mordido por uma aranha, sê útil e vá buscar um doutor!

- Está bem!

Não demorou muito para eu saber que o doutor da cidadela que eu morava estava viajando. Eu ia morrer, aliás, já estava.

- Mas que diacho, Zé! E agora?

Zé Silva não respondera nada, ficara andando de um lado para o outro, ansioso e aflito pois se sentia impotente em ajudar.

Ofereceu água, pois.

- Beba!

Bebi. Me senti mais calmo, mas comecei a mirar aquele meu pé que já estava inchado e vermelho-inferno.

- Veja, Zé, veja!

- O quê?

- Meu pé, oras! Olha!

- Senhor...Seu pé vai cair, temos de arrancá-lo fora!

Zé Silva se arrependeria de ter dito isto.

- Cale a boca, miserável!

Eu já estava suando frio e muito angustiado, apanhei um lenço que estava sob um andor e mordi fortemente.

Neste momento todas as minhas memórias, desde a mais doce à mais amarga delas vieram a minha mente.

Lembrei-me de quando casei com Aurora, de quando traí Aurélia e de quando aborreci Amélia. Nascia meu primogênito Armando que mais tarde "aquela doença" o acometeria...Lembrei-me de quando fiz um baile para toda burguesia, que baile! Lembrei-me das missas, do palanque do padre que atrás deste reservava uma área para adultérios. Lembrei-me da minha primeira relação com uma freira no quartinho dos fundos de casa. Lembrei-me...ah...ah...

Logo as memórias foram vazando e eu sentia um odor de limão, bem forte e característico. Gozado que não haviam limoeiros ali naquele sítio. Haviam macieiras e algumas laranjeiras. O cheiro ficava mais ácido e minha perna estava sendo carcomida pelas bactérias.

Zé Silva chorava e estava agoniado. Zé Silva agarrou minha mão e prometeu me salvar.

- Es-esquece, Zé! E-eu v-vou me em-embora...

- Vai não, meu amigo!

- Ob-obrigado...

As pestanas logo iam cerrando e o cheiro de limão ia passando...Eu estava definitivamente perecendo defronte ao meu fiel escudeiro, mas antes disse:

- To-tome tu-tudo...fa-fazenda, ca-casa, dinh-dinheiro...é tudo seu!

- Não posso aceitar, meu compadre!

- Si-sim, acei-aceite.

- Está bem.

Morri. Morri por causa de aranha, ou não, morri, talvez, por pisão em falso, um pisão indevido, por uma vida desgraçada e atinada.

Nathus
Enviado por Nathus em 06/10/2013
Código do texto: T4514161
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