Oblivion - Prólogo

Dr. Matt, pesquisador-chefe da BioGenese, Ambiente II - Hanover

Quando as primeiras criaturas fugiram do laboratório da cidade e infestaram-na, abriguei-me nos antigos túneis que ficavam abaixo do “ambiente” de Hanover.

As poucas pessoas dessa cidade usam a palavra “ambiente” por pura delicadeza, pois eles não são realmente parecidos com os originais. O “ambiente” Hanover é apenas um enorme conjunto de casas velhas com uma enorme placa de metal negro, enferrujado e retorcido por causa do frio que faz aqui.

Saí pelo enorme portão de entrada para os túneis e segui meu caminho. Esperava não encontrar com nenhuma das criaturas enquanto zanzo por aqui, mas elas são imprevisíveis e nunca se sabe de onde elas vêm. Às vezes penso que criei apenas demônio e não maravilhas da natureza como ele costuma chamar.

Depois de passar a metade da minha vida trabalhando com armamento viral experimental, tudo o que ganhei foi estar num lugar infestado pelas minhas criações. Sou o curioso caso onde o caçador vira a presa, mesmo eu não tendo sido um caçador antes de ser caçado.

Ás vezes, quando passava por algumas das câmeras de vigilância da cidade, juro para vocês, que poderia ter visto elas se mexerem. Se fosse verdade, afirmo que alguém deve estar aqui assistindo a minha desgraça. Mas isso não importa.

Ando pela rua principal de Hanover. Olho para todos os lados, esperando com certa ansiedade que eles apareçam. Mas ao mesmo tempo, sinto-me reprimido nesse lugar maldito de dor e tortura.

Caminho por mais metade da rua, com uma das mãos trêmula por causa da minha mistura de medo e ansiedade. Encontro uma pilha de material de construção jogado. Vasculho-o tentando encontrar alguma coisa que pudesse me ajudar. E encontro. É um pedaço torto de ferro, com uma das extremidades queimada.

- Irá servir para alguma coisa - digo para mim mesmo, em meio ao silêncio que me rodeia.

Caminho até uma casa escura () quando ouço o som dos malditos gemidos que são as únicas coisas que as criaturas conseguem fazer. Viro-me e as procuro. Encontro. Uma enorme gangue de monstros vem correndo em minha direção como se fossem animais extremamente selvagens.

Corro para dentro da casa com o coração aos saltos. Dentro, respiro fundo e rápido, procurando algum lugar para me esconder antes que eles me alcancem. Encontro um velho armário. Escondo-me.

Prendo a respiração e coloco a mão sobre a boca. Tremo toda vez que um deles deixa um gemido sair. Mas eu não posso ter medo. Não posso. Estou tão perto do Daylight para sair daqui. Não posso morrer como um homem fraco e que não lutou.

Esperei paciente e trêmulo dentro do armário enquanto os gemidos aumentavam e diminuíam. Ouvi-os arranhando a porta que me escondia. Senti os seus hálitos fedidos entrando através da madeira. Senti o meu medo descer quente pela minha perna... E os ouvi grunhindo.

A madeira começa a gritar quando pedaços dela começam a ser arrancados. Aperto mais a mão a boca, com o coração a palpitar tão rápido que temi que eles pudessem ouvi-lo. Suava frio como o gelo, mesmo com o frio que já faz nessa maldita cidade do capeta.

Começo a ouvir tiros vindos do lado de fora da casa. As criaturas começam a se agitarem, gritando grunhidos animalescos. Quase penso que posso entendê-los. Mas isso não é verdade e espero que isso nunca seja.

Quando por fim sinto que eles foram embora, abro a porta do armário devagar. Mantenho o pedaço de metal erguido e bem apertado à minha mão, tendo medo de que o suor que estava cobrindo-me me fizesse derrubá-lo.

A casa continua escura, e ainda mais silenciosa. O único som que sou capaz de ouvir é o som do meu estúpido e acelerado coração de galinha. Ele bate tão apressado que tremo algumas vezes antes de chegar à porta. Continuo parado à porta, olhando em volta e procurando a direção dos tiros.

- Vêm do Oblivion. - Digo, num tom abaixo de um sussurro. Quase parece não ter saído palavra alguma.

Os tiros estavam vindos do primeiro mapa da cidade, talvez. A cidade produz um eco poderoso que às vezes não conseguimos saber de onde vem nada. Tudo por causa do alto prédio e da isolação da Cidade do Medo, como eu a chamo.

- Tenho que continuar - digo para mim mesmo, olhando para a entrada da Segunda Linha de túneis de Hanover (esses levam direto para o mar). E para o Daylight. - Essa é a minha chance.

Corro com todas as forças que tenho nas pernas, atravessando a rua escura sem nem ao menos olhar para os lados. E de que isso importa nessa droga? Não temos carros, apenas corredores profissionais que poderiam competir em uma maratona sem cansar.

Quando chego à entrada dos túneis, meu videofone vibra no bolso. Eu nem ao menos conseguia me lembrar de que ainda o tinha. Também, depois de tudo o que me aconteceu nesses últimos dias. Ou seriam semanas?

Quando o pego, olho quem é e não acredito. Atendo-o com a maior velocidade do mundo, apertando no botão vermelho do centro. A pequena tela acende-se, revelando o rosto da mulher.

- Ajude-me, Liron - digo, com a voz estrangulada e eufórica. Mas ainda assim, falo baixo como sempre.

- Ainda não posso te ajudar, Matt. - Liron fala com uma voz suave como a de uma harpa. - Não posso lhe enviar ajuda, ou ir eu mesma te ajudar. Meus subordinados estão tentando rebelar-se contra o meu comando.

- Mas, Senhora Liron - atravesso uma enorme área do corredor, com os meus passos ecoando. Eles parecem meio molhados. - Estou à beira da morte nesse lugar, preciso da ajuda de alguém de fora, senhora.

- Eu entendo que você precisa, e necessita de ajuda, mas não serei eu quem irá ajudá-lo. Sabe, não posso revelar-me ainda. Tenho planos que só irão funcionar quando eu estiver no domínio desse “mundo”, e não ele.

- Então para quê me ligou? - perguntei abruptamente. Atravesso um portão de metal um pouco retorcido, depois passo por umas enormes caixas de madeira com o símbolo da BioGenese.

- Liguei para lhe dizer que sobreviva - ela disse, mostrando um sorriso largo -, ao menos até o amanhecer. Você viu os novos “participantes” que entraram aí?

- Vi - respondo, lembrando-me dos helicópteros que jogaram algumas pessoas novas para participarem dos testes de armas. - O que têm elas?

A Senhora Liron solta uma gargalhada rouca, e a peço silêncio.

- São pessoas importantes nesse jogo, meu caro. Serão eles que revelarão a verdade. O mundo conhecerá o poder das armas biológicas, e a minha agência saberá exatamente como lidar com isso. E estarão prontos no momento em que forem solicitados.

- Às vezes acho que você é a pessoa do mal aqui - digo, saltando uma poça d’água num canto do enorme corredor de concreto que ainda estou a atravessar. - Que tipo de jogo tem em mente?

- Não posso contar agora - ela diz. - Eu tenho algo melhor. Onde está?

- Na Segunda Linha de túneis de Hanover - digo, vendo a enorme escotilha de metal no final do velho corredor. - Por quê?

- Iria querer que esperasse até a manhã chegar, mas isso irá ainda demorar demais. Por isso quero que vá para o navio, ou melhor, ao lado e procure por uma lancha. Coloquei-a lá para caso os meus subordinados não consigam salvar as pessoas. Mas servirá melhor para você. Quando sair daí, venha para essas coordenadas.

Números começaram a piscar na tela quando esta se apagou. Reconheço o local e avanço com mais vigor e com muito mais esperança de salvar a minha pele. Giro a escotilha e a abro.

O ar entra pelo corredor e bate no meu corpo sujo. Desço por uma escada de mão, chegando a um píer de madeira. Logo avisto a silueta do enorme navio, o Daylight. Sinto-me ainda mais forte quando vejo a lancha da qual a Senhora Liron falou. Corro para lá.

Meu vigor quase desaparece quando sinto aquelas pequenas mãos agarrarem os meus pés. Giro o rosto na direção das mãos, e vejo o que me parecia ter um dia sido um garotinho. Respiro fundo, faço a barra de ferro descrever um arco no ar, e acerto da cabeça daquela criança que desaparece nas águas gélidas dessa ilha.

Jogo a barra de ferro que segurava dentro da água. Aqui faz ainda mais frio do que na parte de cima da cidade. Pulo dentro do barco e sinto minhas pernas pedirem descanso. Sento-me e olho em volta, procurando alguma coisa para me aquecer. Encontro oito pares de roupas acolchoadas e quentes. Visto uma calça e um casaco que começam a deixar o meu corpo bem melhor.

Ligo o barco e olho para trás. Uma multidão de criaturas estava no Daylight, caminhando de um lado para o outro daquele fabuloso navio, esperando algum idiota para comerem. E tremo ao pensar que esse idiota poderia ter sido eu.

Avanço com toda a velocidade da lancha, olhando para a cidade que fica pequena atrás de mim.

- O que será o jogo que Liron está jogando? - pergunto-me quando a cidade não passa mais de um risco rodeada por pálido gelo. - E porque ela quer manter-me vivo e ao lado dela?

Avanço através da água gelada, pensando nas coordenadas que ela me deu. Penso em como será o lugar para onde ela está me mandando. Me pego também, pensando nas pessoas que foram jogadas na ilha e em Ada. Ah, a “mulher de branco” como alguns a chamam, pois ela tem o dom de sobreviver a tudo o que lhe acontece.

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Bruno Sheen
Enviado por Bruno Sheen em 12/10/2013
Código do texto: T4522600
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