Uma Nobre Perversão

Jurandir sentava naquela cadeira de balanço, aqui fora, na varandinha de sua chácara, numa estância remota dos fervorosos centros urbanos. Jurandir é filho de fazendeiros, carrega consigo um frívolo repúdio aos negros e as demais minorias, coisa de burguês enjoado.

Esse moço é apenas um herdeiro de uma fortuna abissal, mas é um asno que dói, coitado. Nem estudo o homem tem. Possui uma chácara, uma mulher tosca e um filhinho branquelo, magricela e perverso quando convém.

D. Clarissa é francesa, carrega um sotaque na ponta da língua que chega a doer os ouvidos dos nativos aqui. Vermelha e magra e ruiva, o que faz a parecer com um palito de fósforo. Pelo menos é sábia, possuía um acervo cavalar das mais variadas obras de Baudelaire, Géricault, Musset, François de Malherbe e uma cacetada de outros mais. Amava passar seus dias de gineceu ali, enfurnada naquela biblioteca, até ouvir seu dono chamá-la.

Francisco é o nome do miúdo. Nascera num verão muito antigo, sob uma tábua de madeira suja e fedorenta. Sangue para todos os cantos, latidos de cães, berros e bênçãos. Crescera largado, ou melhor, sob as mangas da escrava Adelaide, culta como uma freira, só que era negra, o que a impedia de ir aos conventos locais. Adelaide ensinou o guri a respeitar e a cuidar dos animais, ritos, brincadeiras de senzala e a cozinhar doce de banana fresca com açúcar da cana. Francisco, ou Chico, cresceu, e pareceu ter perdido algumas das lições de vida que Adelaide o ensinara anteriormente.

Pois bem, Jurandir ali, sentado na cadeira de balanço, para lá e para cá, tragando aquele cigarro caseiro e forte, calçando uma alpercata de couro e uma camisa rasgada, fedido... D. Clarissa, está na saleta, bebendo um 'brandy' e mirando o balançar das árvores, que pareciam estarem dançando balé.

Chico está na cama, deitado, inquieto, daí resolve se levantar e ir até o curral.

Jurandir ouve um crepitar, ignora. D. Clarissa engole o último gole de seu 'brandy' e calça as pantufas, esborrifa um perfume doce e vai até a varandinha de madeira, onde realiza um ritual sensual fronte à Jurandir. Os dois resolvem entrar. Credo, D. Clarissa tem pernas finas, cabelo desgranhado, barriga desalinhada e um bafo de cereja estragada; só Jurandir mesmo.

Chico apanha uma galinha em meio a muitas outras, coisa fácil de se fazer. Chico domina a galinha, torce o pescoço do bicho e arranca-o taciturnamente. Esboçava um sorriso e o sangue pulverizava sua cara redonda e repelente. O garoto apanha um punhal de seu bolso e depena a ave, começa a extrair órgão por órgão, nervo por nervo, até chegar na carne por fim.

Jurandir remove as farda de D. Clarissa, a arremessa na cama. A cama quebra e extasia no chão do quarto. Eles ignoram e começam a um arranhar o outro, sem piedade. Ali, expiavam suas iniquidades morais. Jurandir uiva como um bicho no cio. D. Clarissa exala seu perfume doce que se mixa com um azedo que é o suor de seu esposo.

Chico junta as carnes e despeja o resto do animal numa vala que tinha ali perto, para as raposas de noite comerem. O menino anda até a cozinha, lança a carne da galinha na mesa e apanha um machadinho de corte. Se veste como um açougueiro e inicia o rito, até ouvir uns burburinhos vindo do quarto dos pais. Resolve checar entre a fechadura da porta.

Lentamente, pois ingênuo o garoto, reconhece que os pais estão em uma relação sexual. Chico não sabia se estava mais excitado com sua presa, a galinha, ou com a cena que assistia através da fechadura.

Jurandir estonteado e realizado, gotejava suor axilar no rosto delicado e feioso de D. Clarissa que nem ligava. D. Clarissa tem uma epifania que logo termina quando se lembra que seu filho existe!

Chico percebe que a mãe parece aflita e portanto volta correndo e assoviando de volta para a cozinha, junta as carnes e enfia-as num caldo dentro de uma panelinha no fogão antigo, à lenha.

D. Clarissa sai do quarto, veste o roupão de linho e vai ver o que o filho está a fazer.

- Tu és bom, criatura! Tu estas a fazer a janta! Jurandir, corra aqui!

- Já vou, muié.

Chico está atordoado e amedrontado com toda situação, mas ainda esboça um sorriso frívolo no rosto redondo.

Jurandir chega na cozinha e ambos, o pai e a mãe, beijam na testa seu menino. O trio tem uma janta bacana e vão dormir, para não acordar jamais.

Nathus
Enviado por Nathus em 23/10/2013
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