Treze Minutos De Sangue
Para sermos felizes até certo ponto é preciso que tenhamos sofrido até o mesmo ponto. [1]
— Não é engraçado, o Daniel Day-Lewis ganhou três vezes o Oscar e o Joaquin Phoenix não ganhou nenhum? Isso não parece algum tipo de heresia cinematográfica? — perguntou Sandro, enquanto tirava a mochila da camionete.
— Eu não sei para mim os dois são parecidos — disse Fábio, o tipo de resposta que Sandro considera idiota.
O mundo dos jovens é feito de coisas estranhas, Sandro descobriu um concurso de cinema na internet e chamou os amigos.
Os três se conheceram têm seis meses, juntos entrariam em um concurso de cinema na internet onde enfrentariam o horror e o medo.
Sandro, não era bonito, mas tinha charme e comportamento peculiar, uma figura atraente, gostava de música, cinema e principalmente de filme de terror, tinha várias tatuagens, mas a que mais gostava era feita em homenagem ao filme V de Vingança, uma frase que Sandro falava sempre:
— Políticos corruptos servem para inspirar a arte — falava do texto de Moore, modernizado pelos irmãos Wachowski, no brutal filme V de Vingança.
Fábio gostava de cinema por outro motivo: ver filmes acalmava a sua cabeça, suas vozes internas.
— As regras simples e claras, estavam em um manual em PDF, que posso resumir assim: os candidatos teriam que achar um lugar desconhecido, com uma boa história de horror, o roteiro do curta-metragem, que por regra duraria treze minutos, deveria conter fatos da história que motivou a escolha do local, tudo ao vivo — disse Sandro, depois jogou a folha toda amassada que estava em seu bolso no lixo, onde rabiscara aquele relato.
— Ao vivo, isso vai ser bacana! — disse Mariana, depois de beijar Fábio. Mariana, com dezoito anos, mais nova dos três, bonita, com cabelos curtos e ruivos, dentes perfeitos, sorria sempre, ninguém poderia parar aquele sorriso. No seu corpo, duas singelas tatuagens, no seu ombro uma estrela, e na sua nuca três borboletas azuis.
— Você estudou cinema em São Paulo? — perguntou Sandro. — E veio parar nesse canto de mundo? — Sandro falava com a certeza de que deixar a faculdade de Cinema em São Paulo poderia ser considerado um pecado mortal.
Fábio não queria responder por que mudou de São Paulo, pois não confiava em Sandro e por isso, mentiu:
— Meu pai ficou doente — disse, tinha que esconder sua doença, ali ninguém saberia.
Motivada para o concurso, Mariana foi a primeira a procurar o lugar ideal, descobriu um casarão colonial perto da casa da sua avó. Até aquele momento, não ligava para o que a sua avó contava sobre a fazenda vizinha, pesquisou na internet, achou uma narrativa bizarra sobre a fazenda dos escoceses e resolveu encontrar todo mundo na biblioteca da faculdade.
Mariana contou sobre a fazenda do casal de escoceses que viveram por quinze anos como vizinhos da sua avó e depois desapareceram; os esqueletos de duas crianças foram encontrados na fazenda, estavam acorrentados no porão, todos de mulheres ou meninas; durante vinte anos havia uma lenda de espíritos vagando pela fazenda que foi abandonada e ninguém jamais voltou a morar no casarão.
Viajaram durante todo o dia, e no carro conversavam pouco, Fábio estava calado, preocupado com as vozes na sua cabeça, elas estavam aumentando gradativamente, Mariana perdida em devaneios românticos e com certa excitação pela aventura, Sandro olhava fixamente para o caminho, tentava manter a mente vazia, tinha muito trabalho a fazer.
Estava frio e havia um nevoeiro, que cobria tudo, menos a casa, Mariana achou aquilo lindo, como se a casa colonial fosse protegida por uma cúpula de vidro.
O fedor era desagradável, não forte, mas um fedor permanente, desses que se sente em necrotério, Fábio ficou incomodado com esse fedor, mas parecia ser ele o único a notar.
Fábio havia mentido para Mariana, passou a sua vida toda tomando medicamentos controlados para tratamento de uma suposta esquizofrenia, por isso saiu de São Paulo e foi morar na cidade universitária.
Mariana foi a primeira a entrar na casa. O interior da casa estava preservado de forma quase sobrenatural, no centro da sala havia um magnífico piano, lençóis cobriam os móveis. Um quadro com um casal e uma menina deitada no colo do pai, ao mesmo tempo envolvida pelos braços da mãe.
“Os donos anteriores” pensou Mariana, o pai era um homem magro, de bigode aparado e bonito, lembrava Charles Chaplin e tinha os olhos azuis, a mãe tinha um rosto terno e belo, com olhos grandes, lábios finos e cabelos castanhos, mas Mariana se encantou mesmo fora com a menina, pequena, de longos cabelos ruivos e um sorriso angelical, deitada no colo do pai simbolizava algum tipo de harmonia familiar que Mariana jamais viu e que de alguma forma ela passou a admirar.
Uma mão tocou o ombro de Mariana quando ela passava suavemente a mão no rosto da menina, assustada virou bruscamente, mas não havia ninguém lá, ao mesmo tempo, com um movimento quase involuntário do seu braço, empurrou o quadro. A primeira impressão é que o quadro cairia, ele nem se moveu, mas achou um diário de páginas quase em branco, cada página tinha uma frase, estava atrás do quadro, começou a ler o diário e adormeceu.
Acordou assustada, tinha um ferimento na boca, sentiu um gosto de sangue, uma tontura e uma dor de cabeça, percebeu que estava no porão, presa por uma corrente no braço esquerdo, o fedor era maior que no lado de fora, não conseguia respirar, diante da escuridão, do medo e do horror, começou a gritar, quando seus olhos acostumaram com a escuridão, o que viu foi terrível: dezenas de esqueletos acorrentados, todos eles pareciam de mulheres ou meninas e usavam vestidos ou camisolas, as ossadas estavam agrilhoadas somente por um dos braços, sempre o esquerdo, um dos arcabouços parecia ser de uma criança, seria o de Mirna? Aquela ideia sufocou Mariana e ela vomitou.
Uma luz ofuscou o seu olhar, era a luz da câmera de Sandro.
— Para com essa merda, Sandro — disse Mariana — que brincadeira sem graça — ela escutou um barulho do lado esquerdo, bem junto ao solo, alguém se arrastava, a luz da câmera mudou para lá, era Fábio, suas pernas e braços tinham sido cortados, ele chorava, sangrava pelos cortes e seu rosto estava pálido.
Mariana não conseguia olhar, o rosto do namorado estava junto ao solo, pela sua boca saía uma linha de sangue preto, seus olhos estavam abertos, parecia ter parado de respirar.
A luz da câmera voltou para Mariana, Sandro jogou para perto dela um machado. Como apenas o braço esquerdo estava acorrentado, então ela pegou o machado com o direito.
— Faça a sua escolha, dizem que a vida é feita de escolhas, mas um homem verdadeiramente livre é aquele que não precisa escolher nada — disse apontando para o machado. Por um instante houve silencio, interrompido pela respiração de Sandro e os soluços de Mariana, sarcástico com uma voz fina e diabólica, Sandro acrescentou: — Vou te contar um segredinho, para escapar basta cortar o antebraço que ficará livre.
— Por que está fazendo isso? — perguntou Mariana com lágrimas nos olhos. —Por quê? O que eu te fiz? — gritou tão alto quanto pôde.
— Diversão, fama, arte — disse Sandro. — Um dia eu terei o meu próprio site.
— A polícia vai te pegar — disse Mariana, nos seus olhos tinham lágrimas.
— Deve pesquisar seus amigos — disse a voz atrás da luz. — Como disse, o verdadeiro homem livre é aquele que não tem identidade.
Ela jogou o machado para perto de onde achou que Sandro estava, pois a luz ofuscava a sua visão.
— Que se dane — disse Mariana cuspindo o sangue que escorria pela sua boca. — Vou estragar essa porcaria de filme.
— Uma pena, sinceramente, torcia por você — disse Sandro desligando a câmera. — Então temos que aceitar o outro final — apontou para uma câmera no teto. — Eu vou deixar vocês com meu amigo aqui, meus queridos.
Mariana olhou para a câmera, ficou gritando e puxando a corrente, não havia nada que pudesse fazer.
A luz vermelha deixava ver poucos detalhes do lugar, Sandro tinha saído do porão, subido as escadas, Mariana estava sozinha, poucas vezes sentiu tanto desespero, forçou a corrente presa na altura do antebraço, certamente não conseguiria escapar, pensou na sua mãe, nas brigas, na forma arrogante de lidar com a mãe, já que seu pai nunca esteve presente, uma família de três mulheres, o tio policial aparecia algumas vezes. A maioria do tempo as três ficavam sozinhas.
Mariana não sabia qual o motivo do pai ter abandonado a família, pelo que se lembrava da sua infância a mãe era uma pessoa dedicada, agora estava ali para morrer de uma forma horrível e não tinha uma lembrança boa do seu pai. Chorou, forçou mais uma vez a mão contra a argola, examinou o cadeado, meu Deus! Teria escolhido certo? Olhou para o machado que estava agora fora do seu alcance.
Uma vez na infância, Mariana roubou a avó, ela tinha doze anos e queria muito uma blusa, pegou o dinheiro na caixinha onde a avó guardava suas economias, todos sabiam que o dinheiro ficava ali, uma coisa infantil, a mãe descobriu, a sua reação foi tão exagerada que quase teve um colapso, naquele momento Mariana ficou órfão de mãe viva e pai vivo, a única pessoa com quem ainda podia conversar era sua avó, quando Mariana completou dezesseis anos, sua avó morreu vítima de AVC, então ela ficou completamente só, e passou a se agarrar a qualquer coisa, talvez por isso estivesse ali.
Ouviu um barulho, depois teve certeza de escutar um grito, um grito pavoroso foi sucedido por um silêncio total, alguma coisa veio rolando a escada e parou próximo ao pé de Mariana, logo depois ouviu dois estalos, alguma coisa destruiu a câmera no teto, com o pé Mariana puxou o objeto.
Meu Deus! A cabeça de Sandro, Mariana, mesmo horrorizada, percebeu que havia algo dentro da boca, escondida entre os dentes, havia uma chave.
Abriu o cadeado das correntes, antes de sair passou a mão na face de Fábio e chorou, Fábio morreu de forma medonha, havia sangrado muito.
Ao correr o caderno caiu no chão e uma luz estranha iluminou essas palavras, na última página da pequena caderneta.
“You belong to us”.
Mariana tinha certeza, aquelas palavras não estavam lá, antes.
Para sermos felizes até certo ponto é preciso que tenhamos sofrido até o mesmo ponto. [1]
— Não é engraçado, o Daniel Day-Lewis ganhou três vezes o Oscar e o Joaquin Phoenix não ganhou nenhum? Isso não parece algum tipo de heresia cinematográfica? — perguntou Sandro, enquanto tirava a mochila da camionete.
— Eu não sei para mim os dois são parecidos — disse Fábio, o tipo de resposta que Sandro considera idiota.
O mundo dos jovens é feito de coisas estranhas, Sandro descobriu um concurso de cinema na internet e chamou os amigos.
Os três se conheceram têm seis meses, juntos entrariam em um concurso de cinema na internet onde enfrentariam o horror e o medo.
Sandro, não era bonito, mas tinha charme e comportamento peculiar, uma figura atraente, gostava de música, cinema e principalmente de filme de terror, tinha várias tatuagens, mas a que mais gostava era feita em homenagem ao filme V de Vingança, uma frase que Sandro falava sempre:
— Políticos corruptos servem para inspirar a arte — falava do texto de Moore, modernizado pelos irmãos Wachowski, no brutal filme V de Vingança.
Fábio gostava de cinema por outro motivo: ver filmes acalmava a sua cabeça, suas vozes internas.
— As regras simples e claras, estavam em um manual em PDF, que posso resumir assim: os candidatos teriam que achar um lugar desconhecido, com uma boa história de horror, o roteiro do curta-metragem, que por regra duraria treze minutos, deveria conter fatos da história que motivou a escolha do local, tudo ao vivo — disse Sandro, depois jogou a folha toda amassada que estava em seu bolso no lixo, onde rabiscara aquele relato.
— Ao vivo, isso vai ser bacana! — disse Mariana, depois de beijar Fábio. Mariana, com dezoito anos, mais nova dos três, bonita, com cabelos curtos e ruivos, dentes perfeitos, sorria sempre, ninguém poderia parar aquele sorriso. No seu corpo, duas singelas tatuagens, no seu ombro uma estrela, e na sua nuca três borboletas azuis.
— Você estudou cinema em São Paulo? — perguntou Sandro. — E veio parar nesse canto de mundo? — Sandro falava com a certeza de que deixar a faculdade de Cinema em São Paulo poderia ser considerado um pecado mortal.
Fábio não queria responder por que mudou de São Paulo, pois não confiava em Sandro e por isso, mentiu:
— Meu pai ficou doente — disse, tinha que esconder sua doença, ali ninguém saberia.
Motivada para o concurso, Mariana foi a primeira a procurar o lugar ideal, descobriu um casarão colonial perto da casa da sua avó. Até aquele momento, não ligava para o que a sua avó contava sobre a fazenda vizinha, pesquisou na internet, achou uma narrativa bizarra sobre a fazenda dos escoceses e resolveu encontrar todo mundo na biblioteca da faculdade.
Mariana contou sobre a fazenda do casal de escoceses que viveram por quinze anos como vizinhos da sua avó e depois desapareceram; os esqueletos de duas crianças foram encontrados na fazenda, estavam acorrentados no porão, todos de mulheres ou meninas; durante vinte anos havia uma lenda de espíritos vagando pela fazenda que foi abandonada e ninguém jamais voltou a morar no casarão.
Viajaram durante todo o dia, e no carro conversavam pouco, Fábio estava calado, preocupado com as vozes na sua cabeça, elas estavam aumentando gradativamente, Mariana perdida em devaneios românticos e com certa excitação pela aventura, Sandro olhava fixamente para o caminho, tentava manter a mente vazia, tinha muito trabalho a fazer.
Estava frio e havia um nevoeiro, que cobria tudo, menos a casa, Mariana achou aquilo lindo, como se a casa colonial fosse protegida por uma cúpula de vidro.
O fedor era desagradável, não forte, mas um fedor permanente, desses que se sente em necrotério, Fábio ficou incomodado com esse fedor, mas parecia ser ele o único a notar.
Fábio havia mentido para Mariana, passou a sua vida toda tomando medicamentos controlados para tratamento de uma suposta esquizofrenia, por isso saiu de São Paulo e foi morar na cidade universitária.
Mariana foi a primeira a entrar na casa. O interior da casa estava preservado de forma quase sobrenatural, no centro da sala havia um magnífico piano, lençóis cobriam os móveis. Um quadro com um casal e uma menina deitada no colo do pai, ao mesmo tempo envolvida pelos braços da mãe.
“Os donos anteriores” pensou Mariana, o pai era um homem magro, de bigode aparado e bonito, lembrava Charles Chaplin e tinha os olhos azuis, a mãe tinha um rosto terno e belo, com olhos grandes, lábios finos e cabelos castanhos, mas Mariana se encantou mesmo fora com a menina, pequena, de longos cabelos ruivos e um sorriso angelical, deitada no colo do pai simbolizava algum tipo de harmonia familiar que Mariana jamais viu e que de alguma forma ela passou a admirar.
Uma mão tocou o ombro de Mariana quando ela passava suavemente a mão no rosto da menina, assustada virou bruscamente, mas não havia ninguém lá, ao mesmo tempo, com um movimento quase involuntário do seu braço, empurrou o quadro. A primeira impressão é que o quadro cairia, ele nem se moveu, mas achou um diário de páginas quase em branco, cada página tinha uma frase, estava atrás do quadro, começou a ler o diário e adormeceu.
Acordou assustada, tinha um ferimento na boca, sentiu um gosto de sangue, uma tontura e uma dor de cabeça, percebeu que estava no porão, presa por uma corrente no braço esquerdo, o fedor era maior que no lado de fora, não conseguia respirar, diante da escuridão, do medo e do horror, começou a gritar, quando seus olhos acostumaram com a escuridão, o que viu foi terrível: dezenas de esqueletos acorrentados, todos eles pareciam de mulheres ou meninas e usavam vestidos ou camisolas, as ossadas estavam agrilhoadas somente por um dos braços, sempre o esquerdo, um dos arcabouços parecia ser de uma criança, seria o de Mirna? Aquela ideia sufocou Mariana e ela vomitou.
Uma luz ofuscou o seu olhar, era a luz da câmera de Sandro.
— Para com essa merda, Sandro — disse Mariana — que brincadeira sem graça — ela escutou um barulho do lado esquerdo, bem junto ao solo, alguém se arrastava, a luz da câmera mudou para lá, era Fábio, suas pernas e braços tinham sido cortados, ele chorava, sangrava pelos cortes e seu rosto estava pálido.
Mariana não conseguia olhar, o rosto do namorado estava junto ao solo, pela sua boca saía uma linha de sangue preto, seus olhos estavam abertos, parecia ter parado de respirar.
A luz da câmera voltou para Mariana, Sandro jogou para perto dela um machado. Como apenas o braço esquerdo estava acorrentado, então ela pegou o machado com o direito.
— Faça a sua escolha, dizem que a vida é feita de escolhas, mas um homem verdadeiramente livre é aquele que não precisa escolher nada — disse apontando para o machado. Por um instante houve silencio, interrompido pela respiração de Sandro e os soluços de Mariana, sarcástico com uma voz fina e diabólica, Sandro acrescentou: — Vou te contar um segredinho, para escapar basta cortar o antebraço que ficará livre.
— Por que está fazendo isso? — perguntou Mariana com lágrimas nos olhos. —Por quê? O que eu te fiz? — gritou tão alto quanto pôde.
— Diversão, fama, arte — disse Sandro. — Um dia eu terei o meu próprio site.
— A polícia vai te pegar — disse Mariana, nos seus olhos tinham lágrimas.
— Deve pesquisar seus amigos — disse a voz atrás da luz. — Como disse, o verdadeiro homem livre é aquele que não tem identidade.
Ela jogou o machado para perto de onde achou que Sandro estava, pois a luz ofuscava a sua visão.
— Que se dane — disse Mariana cuspindo o sangue que escorria pela sua boca. — Vou estragar essa porcaria de filme.
— Uma pena, sinceramente, torcia por você — disse Sandro desligando a câmera. — Então temos que aceitar o outro final — apontou para uma câmera no teto. — Eu vou deixar vocês com meu amigo aqui, meus queridos.
Mariana olhou para a câmera, ficou gritando e puxando a corrente, não havia nada que pudesse fazer.
A luz vermelha deixava ver poucos detalhes do lugar, Sandro tinha saído do porão, subido as escadas, Mariana estava sozinha, poucas vezes sentiu tanto desespero, forçou a corrente presa na altura do antebraço, certamente não conseguiria escapar, pensou na sua mãe, nas brigas, na forma arrogante de lidar com a mãe, já que seu pai nunca esteve presente, uma família de três mulheres, o tio policial aparecia algumas vezes. A maioria do tempo as três ficavam sozinhas.
Mariana não sabia qual o motivo do pai ter abandonado a família, pelo que se lembrava da sua infância a mãe era uma pessoa dedicada, agora estava ali para morrer de uma forma horrível e não tinha uma lembrança boa do seu pai. Chorou, forçou mais uma vez a mão contra a argola, examinou o cadeado, meu Deus! Teria escolhido certo? Olhou para o machado que estava agora fora do seu alcance.
Uma vez na infância, Mariana roubou a avó, ela tinha doze anos e queria muito uma blusa, pegou o dinheiro na caixinha onde a avó guardava suas economias, todos sabiam que o dinheiro ficava ali, uma coisa infantil, a mãe descobriu, a sua reação foi tão exagerada que quase teve um colapso, naquele momento Mariana ficou órfão de mãe viva e pai vivo, a única pessoa com quem ainda podia conversar era sua avó, quando Mariana completou dezesseis anos, sua avó morreu vítima de AVC, então ela ficou completamente só, e passou a se agarrar a qualquer coisa, talvez por isso estivesse ali.
Ouviu um barulho, depois teve certeza de escutar um grito, um grito pavoroso foi sucedido por um silêncio total, alguma coisa veio rolando a escada e parou próximo ao pé de Mariana, logo depois ouviu dois estalos, alguma coisa destruiu a câmera no teto, com o pé Mariana puxou o objeto.
Meu Deus! A cabeça de Sandro, Mariana, mesmo horrorizada, percebeu que havia algo dentro da boca, escondida entre os dentes, havia uma chave.
Abriu o cadeado das correntes, antes de sair passou a mão na face de Fábio e chorou, Fábio morreu de forma medonha, havia sangrado muito.
Ao correr o caderno caiu no chão e uma luz estranha iluminou essas palavras, na última página da pequena caderneta.
“You belong to us”.
Mariana tinha certeza, aquelas palavras não estavam lá, antes.
[1] Edgar Allan Poe.