Horror de Brinquedo

John abriu os olhos. Estava zonzo, muito zonzo. Sua nuca doía como nunca. Tentou se levantar, mas a dor na nuca, alastrada por todo o corpo, o impedira a primeiro momento.

Sua consciência voltava ao seu corpo gradativamente. Não se lembrava de onde se encontrava, nem mesmo sabia onde se encontrava. Estava tudo escuro, sem um filete de luz. Tentou puxar da memória. Nada. Não se lembrava de nada do que aconteceu.

O garoto levantou-se. Estava com medo. Tinha apenas 8 anos e, como todo garoto de sua idade, morria de medo de escuro. Ser engolido pela escuridão não era nada agradável; ter uma porta rangendo e o barulho ampliado pelo silêncio total do local onde se encontrava era mais assustador ainda.

Começou a andar, a passos vagarosos, pois seu corpo ainda doía. Veio à sua cabeça, como em um flashback, a voz de sua mãe, cantarolando sua música favorita, no cair de uma tarde, sob uma ventania de pétalas no quintal de sua casa: “Era uma casa muito engraçada/Não tinha teto/Não tinha nada/Ninguém podia entrar nela, não/Porque na casa não tinha chão...”

- Mamãe... – pensou. Bateu uma tristeza no garoto. Seu peito ardeu. Não sabia onde ela se

encontrava, e sentia estar longe, muito longe dela.

Continuou a andar vagarosamente pelo quarto. O motivo agora não mais era a dor, e sim o temor de esbarrar em alguma coisa. Andava vagarosamente à procura de um interruptor, este que, infelizmente para o garoto, não estava brilhando na escuridão.

Encontrou algo sólido. Começou a tatear. Sempre gostou de brincar de cabra-cega com os amigos; nunca imaginou ser tão útil.

“Quero o boneco do Teddy Kagiyu”, veio repentinamente à sua memória. Puxou da memória o porquê de ter proferido aquela frase e a quem disse. Lembrou-se de um boneco sujo, com máscara preta e sorriso sádico, portando um pequeno punhal, os braços à frente em posição de batalha e os punhos cerrados. “Trouxe para você!”, disse seu pai, sorrindo, com o boneco na mão.

Lembrou-se dos sentimentos que possuiu ao ver o boneco. Não era o Teddy Kagiyu, personagem principal da série Yukushi , era um boneco que John odiou. “Katrius Keddy!”, lembrou, sobressaltado, o garoto. Keddy era o vilão da história, maior inimigo de Teddy, e personagem que todos os garotos odiavam.

Tudo começava a se formar novamente na cabeça do pequeno John ao mesmo tempo em que descobriu achar uma parede. Começou a tatear à procura do interruptor ao mesmo tempo em que sua memória voltava a funcionar.

Era seu aniversário, lembrou, ou, pelo menos, deveria de ser. A festa e a brincadeira do seu aniversário haviam acabado e Maria, sua mãe, estava com ele em seu colo, enquanto Herbert, seu pai, saiu à procura de um brinquedo. “Quero o boneco do Teddy Kagiyu”, foram as palavras de John. Enquanto esperava seu pai chegar, John descansava no colo de sua mãe ouvindo sua música favorita, os versos de Vinicius de Moraes.

Naquele instante, dúvidas pairaram no ar: Por que seu pai lhe dera o boneco do Katrius Keddy, e não do Teddy Kagiyu? Por que estava deitado no chão, sem se lembrar do que acontecera contigo e em um local completamente escuro, sem adentrar uma nesga qualquer de luz? Tantas dúvidas, nenhuma resposta. Se, ao menos, encontrasse o interruptor.

Continuou a tatear. Percebeu que o barulho do ranger da porta tornou-se mais auditivo. Tremeu até as bases, o medo tomou conta de seu corpo enquanto o vaivém ocupava o silêncio tenebroso daquele local.

Começou a procurar com mais empenho o interruptor. Encontrou-o. Apertou-o. Uma luz forte imperou no local. O brilho quase cegou os olhos de John, no momento, acostumados com o império das sombras.

A luz deu formas às coisas espalhadas pelo cômodo. No canto contrário ao do interruptor, uma cama. À esquerda, um guardarroupa. À direita, uma cômoda, com uma TV 20´ sobre ela. Ao lado do interruptor, uma porta. Era um quarto. E John logo percebeu se tratar do seu.

John percebeu que as janelas estavam cerradas. Alguém as fechou muito bem, e o garoto começava a crer que não foram seus pais.

A luz piscou. Começou a perder potência, e parecia logo apagar. John correu até as janelas e as abriu. Custou, precisou de muita força para abri-la. Luz adentrou no local, luz provinda da lua cheia. Era noite, mas o garoto já imaginava, por causa da escuridão exacerbada.

Tão logo John abriu as janelas, a luz se apagou, deixando-o apenas com a luz noturna.

“Leve-o para dentro e cuide dele, você gostando ou não!”, veio repentinamente à sua memória. Sua mãe proferindo aquelas palavras de forma dura, como uma bronca. Mas por qual motivo? John não se lembrava.

Já incomodado com o barulho repentino do rangido, abriu a porta do quarto. Um imenso corredor formou-se à frente, submergido parcial-mente à luz da noite oriunda do quarto do garoto, e parcialmente às trevas. John nada viu a respeito da porta que rangia, entretanto, sabia que vinha do corredor.

Encarou o local por alguns segundos. Encoberto por aquela mistura de uma fraca luz lunar e a escuridão reinante, tinha uma aura espectral, amplificada pelo soar constante do ranger da porta. Toda aquela atmosfera massacrava a pobre mente do garoto, que tremia de medo e suava frio só de avistá-lo.

Apertou o interruptor do corredor a fim de melhorar a atmosfera do local. Nada. O interruptor não acendeu a luz do corredor. Não havia luz na casa.

Fechou a porta. Percebeu não ter como encarar o corredor sem a luz da casa. Naquele momento, lembrou-se possuir uma lanterna, que estava em algum canto do seu quarto, e logo começou a procurá-la.

“Boneco idiota”, veio à sua mente. Era ele mesmo, de pé ao lado da cama, irritado. Lembrou-se de ter chutado alguma coisa. Seria o quê?

Procurou nas gavetas da cômoda, jogando o que tinha dentro no chão. Achou a lanterna guardada cuidadosamente no canto inferior da última gaveta, de cima para baixo. Testou-a. Funcionou. Naquele instante, o coração de John acalmou-se; alegrou-se. Não precisaria enfiar-se na escuridão completa, ao menos tinha uma lanterna.

Caminhou em direção à saída do quarto. Pisou em algo, algo sólido e pequeno. Retirou o pé do local e olhou. Percebeu ter pisado em um pequeno botão. Abaixou-se para pegar. O botão era branco, com uma esfera preta em um dos lados, e todo negro do lado inverso. Perceber não se tratar de um botão, e sim um olho. Um olho de um brinquedo.

Naquele instante, tudo se clareou em sua mente. Veio à sua memória seu pai mostrando ao garoto o boneco do Keddy, dizendo-lhe que trouxe para ele. Lembrou-se ter odiado o boneco e sua mãe lhe deu bronca falando que era para levá-lo para dentro, gostando ou não do presente. Lembrou-se que, em seguida, chutou o boneco dado pelo pai na parede ao lado da porta e acabou arrancando-lhe um olho. Foi a última coisa que se lembra, andar em direção à porta enquanto deixava o boneco jogado em seu quarto.

John lembrou-se de algo, que lhe sobressaltou. Olhou em direção ao local onde chutou o boneco. Não havia nada, nenhuma sombra da passagem do boneco. Será que seus pais o recolheram? Aliás, onde eles se encontravam? Mais dúvidas, nenhuma resposta...

Seus pais, seu porto seguro, onde teria proteção dos perigos daquele local medonho, quais eles fossem... O peito de John ardeu, furiosamente.

Mesmo com toda a covardia do mundo, quase derrubando a lanterna de tão trêmulo, o garoto chegou à porta e gritou por seus pais. Seu grito ecoou pela casa e deu um ar fantasmagórico ao mesmo. Não obteve resposta. Chamou novamente. Nada.

- Será que eles estão dormindo? – se perguntou. Ligou a lanterna em direção ao corredor, iluminando o local. Tinha várias portas, todas à esquerda, uma parede sem janelas e portas à direita e uma porta à frente, entreaberta, em seu vaivém constante.

“O quarto do papai”, pensou. E, de fato, era. O cômodo do vaivém constante de sua porta era o quarto dos seus pais. “Devem estar dormindo...”, pensou. Caminhou em direção ao local, vagarosamente. Enquanto caminhava em direção à porta do quarto, sentiu uma aura negra e pesada o rodear, sentiu uma sensação de que olhos invisíveis fitavam constantemente suas costas. Era o pavor da escuridão. O medo de estar submergido em um local onde não enxergamos, o medo eterno dos homens.

Acelerou os passos, mas não ousou olhar para trás. Quem quer que fosse que o fitava, não iria se dar ao luxo de ver seu rosto amedrontado.

Chegando mais perto, John percebeu haver uma luz vinda à esquerda do quarto, logo após a porta. Uma luz fraca, preta e branca. Junto, um pequeno barulho, indecifrável por causa do vaivém da porta.

Parou em frente à porta do quarto. A arquitetura daquele local era diferente. A porta dava a um pequeno corredor, de cerca de um ladrilho, à esquerda, que desembocava no quarto.

Mesmo com receio, John colocou o pé em frente à porta, parando, assim, com seu ranger constante. Sem o barulho do vaivém, o outro barulho foi decifrado: chiado. Junto, alguém falava, com voz medonha, pequenos murmúrios, indecifráveis por causa do chiado que os acompanhava.

O garoto andou o ladrilho que separava a porta do quarto. Naquele instante, sobressaltou ao ponto de largar a lanterna no chão. Seus pais jaziam mortos no chão, de frente para a entrada do quarto, ao lado da cama de casal, sobre uma espessa camada de sangue. Sobre sua mãe, que jazia de bruços, estava um pequeno boneco, sentado. De acordo com a posição de sua cabeça, parecia fitar a TV, de frente para a entrada do quarto, que passava uma estranha cena de algum filme de terror, onde as vozes e chiados que John outrora escutara provinham de um rádio, que os personagens principais escutavam.

O garoto estava paralisado com a cena. Soltou a lanterna ao chão, quando seu braço direito relaxou. Seus músculos, como um todo, relaxaram. O choque fora forte, ao ponto de congelar seu corpo, suas reações e emoções.

O despertar de John veio quando toda aquela atmosfera satânica tornou-se sobrenatural. A cabeça do boneco girou sozinha em um ângulo de cento e oitenta graus. Agora, o boneco fitava o garoto, com apenas um de seus olhos.

- Demorou... – disse. Sua boca mexia como a boca de um boneco comum, e sua voz era medonha.

Os músculos de John começaram a tremer, seu coração foi às alturas e começou a suar frio. O boneco de Katrius Keddy desceu de Maria e chegou ao chão, mostrando o punhal que portava. Caminhava a passos pequenos em direção ao garoto, que andava de costas na mesma velocidade.

- Pensei que nunca fosse vir aqui, pra eu poder te matar! – disse Keddy

John engoliu em seco. Gaguejando, tamanho o nervosismo, perguntou:

- Por...Por quê?

- Você me rejeitou. Todos me rejeitaram.

- Você é Katrius Keddy, você odeia o Teddy... é natural que ninguém goste de você! – John bate com as costas na porta do quarto.

- Viu? Todos me odeiam, ninguém gosta de mim, só porque eu sou o boneco do Katrius. Eu queria ver se estivesse no meu lugar, se você não odiaria a todos. Eu fui achado jogado na rua por seu pai, depois que fui largado por uma criança e chutado por outras tantas. Pensei que teria um lar, mas não... você foi só mais uma criança que me odeia, me chuta e me larga. Mas, felizmente, agora tudo vai acabar. Eu vou acabar com a vida de todos os que me renegam, e você será a primeira criança.

- E por que meus pais?

Keddy já estava muito próximo de John.

- Eu sou vingativo, meu caro. Só estava à espera de você acordar, porque vou te dar como último presente um legítimo espetáculo de horror.

John sai correndo, adentrando na escuridão de sua casa. Correu como um louco, o mais rápido que pôde.

Atravessou o corredor em questão de segundos, tamanho seu medo. Entretanto, não entrou no seu quarto, sabia que seria inútil. Ao chegar de frente à porta do seu quarto, virou à direita, entrando na escada. Porém, para seu desgosto, o primeiro andar estava mergulhado na completa escuridão, nenhum filete de luz adentrava no local.

Naquele instante, John lembrou-se de sua lanterna. Havia a deixado no quarto de sua mãe. Não dava para pegá-la, entretanto, não dava para entrar no andar inferior sem uma luminosidade, mesmo que ínfima.

Chegou com o corpo para trás, sem tirar os pés do chão, e avistou o corredor. Vazio. Poderia ir pegar a lanterna. Mas não queria ver novamente seus pais jazendo no chão. E a ausência do boneco no corredor poderia simplesmente ser o fato dele estar à sua espera quando voltasse ao quarto de seus pais para resgatar o objeto.

John estava numa sinuca de bico. Não sabia para onde se mover. Não poderia adentrar no andar inferior sem uma lanterna e, ao mesmo tempo, não poderia resgatá-la sem correr o risco de ser atacado.

Ficou parado na entrada da escada. Lembrou-

se de que, sempre que tinha problemas, logo corria para os braços de sua mãe. E agora ele não mais tinha sua mãe. Ele não tinha mais ninguém. Estava sozinho. Sozinho dentro de uma casa completamente às escuras e com um boneco assassino em seu encalço. Começou a chorar.

- Eu quero minha mãe... – disse, aos prantos

Ouviu uma gargalhada, que parecia vir de todos os lugares. Olhou à sua volta. Sobressaltou-se ao perceber o boneco praticamente ao seu lado, ainda portando um punhal, apontado em sua direção.

- Criança é tudo igual mesmo... – disse o boneco

Apavorou-se. Trêmulo, correu, em direção à escuridão. Era o único caminho.

Desceu as escadas de uma forma tão desesperada que tropeçou e, se não fosse os corrimões, teria descido o restante rolando. Chegou ao andar inferior. Não conseguia enxergar nada. Tentava se lembrar da mobília e da arquitetura da casa, principalmente da última.

Na sua mente veio a arquitetura de sua casa. Era o único que conseguia se lembrar com exatidão. Encontrava-se na enorme sala de visitas. Atrás dele, havia a sala de estar. À sua direita, copa, cozinha e banheiro. Mas o que realmente importava ao garoto era o que se encontrava à sua frente: a porta de saída. Encravada entre dois fragmentos da enorme sala de visitas e ao lado do pequeno closet, a porta de saída da casa dava ao quintal, onde John havia visto seus pais vivos pela última vez e quando recebeu o seu agora algoz.

O garoto corria por entre os sofás e mesas centrais em direção à saída de sua casa. Não sabia exatamente onde ela se encontrava, mas sabia que era a primeira porta à direita. Como temia abrir a porta do closet por engano e esse erro ser fatal, caminhou tendendo à direita a fim de não errar.

Enquanto John corria, Keddy gargalhava, suas gargalhadas espalhavam pelo local como se viessem de todos os lugares ao mesmo tempo. Aquela gargalhada satânica adentrava no ouvido do garoto e gelava sua coluna. Sentia seu coração ir às alturas, seus pelos eriçavam ao máximo.

O garoto chegou ao lado oposto da sala de visitas. Tateou a parede do local às pressas, se dirigindo à esquerda. Encontrou uma porta. Alegrou-se. Achou a maçaneta. Girou. Nada. A porta estava trancada. Procurou na fechadura se o molho de chaves continuava no local. Não. A porta estava trancada, e sem chave.

- E agora? – pensou. Sentia que tudo havia acabado para ele, estava preso, dentro de sua casa, com um boneco assassino em seu encalço. Tinha apenas 8 anos, crianças de 8 anos normalmente brincam com bonecos, não fogem deles.

Girou o corpo para trás. Percebeu que o boneco não mais se encontrava no andar superior da casa, na beirada da escada. Estava imerso na escuridão, sabe-se lá aonde, à espreita, para fincar seu punhal no coração do garoto. Seus músculos enrijeceram, sua respiração travou por um breve instante.

- Está me procurando, garoto? – perguntou Keddy. Sua voz ainda era satânica.

A voz do boneco acordou John, que começou a procurar aonde iria se esconder.

- Eu vejo você... – cantarolou Keddy – Você me vê?

- Onde eu sempre me escondo da mamãe... – seu pensamento veio como uma luz no fim do túnel

John sempre se escondia de sua mãe em seu próprio quarto, o seu refúgio, embaixo de sua cama. Era praticamente um esconderijo perfeito, por ser extremamente óbvio. Partiu em direção ao local. Só precisava atravessar a sala, e torcer para Keddy não estar à espreita no andar superior.

Atravessou a sala correndo, desviando dos sofás e das mesinhas. Estava conseguindo se adaptar à escuridão, mas isso não a fazia ficar menos tenebrosa. As silhuetas dos móveis, com apenas uma pequena iluminação oriunda do quarto de John e que refletia no corredor do andar superior, ficavam aterrorizantes, fantasmagóricas, pareciam demônios imersos na escuridão, e não móveis, assim, pelo menos, na visão de um amedrontado garoto de oito anos.

Conseguiu correr até as escadas e as subiu às pressas. Chegou ao andar superior e olhou para o corredor. Vazio. Menos mal para ele. Keddy não ali se encontrava. Correu para o seu quarto, fechou a porta e correu para debaixo de sua cama. Ficou ali, inerte, apenas escutando o que se passava do lado de fora.

Se fosse um adulto, teria trancado a porta e colocado algo atrás dela, mas era apenas uma criança, não tinha como imaginar essa medida extraordinária de segurança.

Estava escondido debaixo da cama. As gargalhadas do boneco cessaram. John escutava

Apenas o solado de sua pequena bota bater feroz no chão, enquanto este subia a escada, passo por passo. A cada passo dado, a cada degrau subido, o coração de John acelerava mais, sua respiração ofegava com mais intensidade e seus músculos tremiam involuntariamente com mais intensidade. O medo em seu corpo estava em seu ápice, principalmente quando Keddy chegou ao andar superior.

- Onde você está? – cantarolava o boneco – Quer brincar de pique-esconde? Eu vou brincar, eu vou pegar você...

John engole em seco. Escutava os passos de Keddy andando de um lado para outro pelo corredor. Alegrou-se ao perceber indo, pela terceira vez, ao lado oposto do quarto, mas sua alegria esvaiu de seu corpo ao constatar de que Keddy abrira a porta mais perto do quarto de seus pais. Continuava cantarolando. Percebeu sua voz modificar-se por um instante, depois ouviu a porta se fechar e sua voz voltar ao normal. O boneco andou em direção ao quarto de John, dando alguns poucos passos e depois abriu uma segunda porta. Sua voz modificou-se por um instante, depois a porta se fechou e sua voz voltou ao normal. E assim continuou...

John constatou de que Keddy abria porta por porta e adentrava nos quartos à sua procura. Parecia feliz pela procura, parecia que se excitava com a situação – era um sádico.

O garoto não aguentava mais toda aquela carga emotiva, toda aquela adrenalina, toda aquela pressão. E o bater do seu coração foi aumentando à medida que o boneco parou de abrir e fechar as portas e começou a caminhar em direção à última

porta fechada: a porta de seu quarto.

Escutou um barulho diferente. Em seguida, percebeu o barulho da maçaneta girando. Saiu de baixo da cama. Era uma criança, não sabia ficar escondido enquanto o perigo rondava o esconderijo. Nunca foi, e não seria nada momento importante que fosse acontecer. Apesar de John não perceber, se esconder embaixo da cama de um boneco que tem pouquíssimos centímetros de altura não era o melhor esconderijo, muito pelo contrário.

As dobradiças da porta começavam a se mover. A maçaneta estava abaixada e a porta dava os primeiros passos para dentro do quarto. Estava sendo aberta, e seu ranger era assustador, por causa da situação naquele instante.

John correu à direção oposta da porta e ficou ali, parado, esperando seu algoz, quando, repentinamente, achou um brinquedo seu jogado no chão. Brinquedo que, naquele momento, viria a ser uma arma. Uma estupenda arma.

Uma nesga foi aberta da porta. Ninguém entrou, e não parecia ter ninguém do outro lado da porta. Por um instante, John acalmou-se. Entretanto, sua calma esvaiu-se quando Keddy saltou da maçaneta da porta.

- Decidiu parar de se esconder? – perguntou o boneco. Com o eco causado pelo silêncio da casa, sua voz era ainda mais amedrontadora.

Começou a caminhar em direção a John, que estava se espremendo na parede oposta, ao lado da janela. Este virou momentaneamente o olhar para a janela.

- Não adianta pular da janela. Você é peque-

no, se cair daí morrerá!

John engoliu em seco. Nem havia reparado que, se continuasse ali, também iria morrer. Ficou cabisbaixo.

- Isso mesmo. Seja um bom menino – saltou em direção ao peito do garoto - como seus pais foram quando eu os matei! – gritou

Entretanto, desta vez John havia sido mais esperto. Havia achado seu brinquedo favorito jogado pelos cantos do quarto, um taco de beiseball. Beiseball era seu jogo favorito, e John estava se tornado um ótimo rebatedor. Para sorte dele; pelo menos, naquele instante, poderia vir a salvar sua vida.

Keddy estava próximo de John, com seu punhal pronto para perfurar o seu coração, quando este arrancou um taco de baiseball que se encontrava escondido prensado entre ele e a parede e bateu com toda sua força na cabeça do boneco. Keddy voou até a parede à esquerda e o impacto lhe estraçalhou. Sua cabeça e membros ficaram por um fio de sair de seu corpo. Suas pernas não tiveram a mesma sorte.

Percebendo ter retirado de funcionamento, pelo menos temporariamente, o boneco, John correu até a janela e começou a gritar por socorro. Alguém passou na rua e escutou. John estava salvo.

Havia giroflexes ligados para todos os lados na porta da casa de John. Um carro preto, com traseira grande, estava parado logo em frente à entrada da casa e várias pessoas vestindo uniformes idênticos carregavam dois grandes sacos pretos, colocando-os no fundo do carro de mesma cor. Ao lado, vários policiais, que cercaram a área e conversavam entre si. Em um carro de ambulância, estava John, com um cobertor sobre ele. Recebia atendimentos médicos e, principalmente, psicológicos. Lágrimas escorriam de seu rosto, mas não estava em prantos.

Estava cabisbaixo. Os médicos e psicológicos que atendiam o garoto saíram ao verem um policial se aproximar.

- Posso conversar contigo?

John apenas meneou a cabeça.

O policial sentou-se ao seu lado.

- Meu nome é Dmitri! – disse, sorridente, esticando a mão a John. Ele cumprimenta o policial, fingindo um sorriso e depois volta a ficar cabisbaixo

- John, certo? – Dmitri não conseguia falar o garoto falar. Ninguém conseguia. John meneia novamente a cabeça, respondendo à pergunta do policial.

- Bom, John, eu vim aqui só pra te falar que o boneco Katrius Keddy que seu pai trouxe para casa foi fruto de um intenso ritual, na qual trancafiaram o corpo de um assassino nele. O assassino incorporou o espírito do boneco vilão da famosa série e acabou causando toda essa desgraça!

John apenas balançou a cabeça, assentindo com a fala do policial. Percebendo a melancolia do garoto, o policial pediu licença e se retirou.

O garoto ficou no local, inerte, até todos os policiais se retirarem. Foi o último a sair, junto do último carro de polícia, que iria levá-lo a um abrigo. Estava se despedindo de sua outrora casa e de sua antiga vida.

Chegou a um abrigo. Foi recebido pela Doutora Cláudia, que supervisionava sua nova estada. Foi designado para hospedar o quarto 31, o único do abrigo que estava com alguma cama vaga. A doutora deixou-o no local e fechou a porta. Era madrugada e os demais internados estavam dormindo.

John ficou parado no meio do quarto, no meio da luz da noite que adentrava no local. Via seus dois companheiros de quarto dormindo, via o quarto, com as escrivaninhas e guardarroupa. Sua mente ainda não conseguia acreditar em tudo o que estava acontecendo, parecia mentira, parecia sonho. Estava acontecendo rápido demais para um garoto de oito anos.

Depois de ver seus companheiros de quarto, o quarto propriamente dito e seus objetos, reparou os itens jogados pelo quarto. Havia duas pilhas, próximas às respectivas camas, com os brinquedos, possivelmente pertencentes aos donos das respectivas camas. Percebeu, entre os brinquedos jogados em uma das pilhas, um boneco. Estava sem perna, de cabeça e braços soltos, descosturados, quase saindo de seu corpo. Estava virado de bruços, e parecia carregar algo em um de seus braços. Repentinamente, para surpresa de John, o boneco virou a cabeça cento e oitenta graus. O sorriso do boneco era maquiavélico e faltava um de seus olhos.

- Estava à sua espera, querido John... – disse o brinquedo, com sua voz satânica terrivelmente familiar. Sua voz fez John estremecer até as bases. Era o brinquedo do Katrius Keddy!