O Colecionador de Ossos

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Em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer: Cuidado com as vozes, as vozes que estão em sua cabeça, não confie nelas, pois na imensidão do nosso inconsciente se escondem monstros, aberrações, malucos, assassinos!

Por ouvir o que essas vozes diziam, me destruí.

Acho que isso é uma doença, só pode ser, não há outra explicação! O problema é que além de ser uma doença e me fazer mal, esse meu problema não tem cura. E se tem, eu ainda não achei, mas as vezes acho que nem quero achar, acho que essa porra já tomou conta de mim, de meu espírito e agora meu destino com certeza vai ser morrer por causa dela ou pagar de uma maneira horrível todos os meus pecados. Acho demais, eu acho.

Em minha memória a lembrança ainda é fresca, a primeira vez que adoeci, que ouvi a voz, os primeiros sintomas.

Foi com dezenove anos que eu comecei a ouvir as vozes, essas malditas vozes que estão dentro de minha cabeça e que ninguém a não ser eu escuta.

Tentei evitar, juro que tentei, mas as vozes eram mais fortes, seus argumentos eram melhores e então acabei sucumbindo, me deixando levar por meus próprios fantasmas, em uma verdadeira dança macabra.

A princípio eram poucas palavras e depois, se transformaram em discursos, carregados de críticas, ofensas e concelhos, sobre minha vida e forma de agir. E eu apenas um garoto, tomei como verdade, a voz daqueles que não são Eu.

Será que tudo isso era culpa das drogas? Das bebidas? Da falta de fé?

Não sei e no fundo acho que sou apenas mais um cara azarado, um desgraçado.

Quando olho para trás, quando penso em tudo que fiz nos últimos vinte anos, sinto pena de mim mesmo, nojo do meu ser, mas sei que tudo isso é culpa das vozes. Ah, pensar que a qualquer momento elas podem começar e estragar com todo este texto meu e afirmar que fui eu o culpado, que eu fiz o que fiz por prazer, por que achava aquilo gostoso.

Mas não, não foi isso.

E eu só comecei a escrever por que já não há outra saída, por que ontem, enquanto assistia TV, vi um cara que parecia ser um escritor, dizer que escrever manda nossos fantasmas embora. E aqui estou, e este papel, estas letras, servem de desabafo, pois eu hoje tenho muito medo. Medo de mim mesmo, medo dos fantasmas que me cercam e dos que estão em minha cabeça.

Fingi por todo esse tempo ser forte, mas agora eu não aguento mais, não quero fazer o que as vozes mandam, só que infelizmente me faltam forças para lutar! Não há nenhum Deus ao meu lado e hoje, após tanto tempo deixando isso de lado, eu choro.

Destino cruel! Vida maldita! Quando todo esse inferno irá acabar?

Ontem a jovem Fernanda me encarava enquanto eu tentava dormir, com a barriga arrebentada, aberta, derramando tripas e sangue no chão.

Ela me encarava e sorria.

Tentei mandar ela embora, mas ela não ia, pois sabia que parte dela estava comigo. Com o braço que lhe restará depois da morte ela apontava para mim e dizia:

- Você vai pagar!

Eu ouvia aqueles juramentos e sabia que tudo era verdade, pois eu já estava pagando. De nada adiantava explicar a garota que o culpado não havia sido eu, a defunta não acreditaria que o verdadeiro monstro estava em minha cabeça. Ou melhor os monstros... pois eram várias vozes, não só uma.

Então junto com Fernanda apareciam as demais, dezenas, que cercavam minha cama e impediam que eu dormisse.

Eu errei, pois fui fraco, e foram as vozes que pediam para mim matar. Eram elas que escolhiam seus alvos e também a maneira de como destruí-los. Eu agia como uma marionete. Perseguia, matava e até comia.

E só voltava a ter controle absoluto de meu corpo quando retornava ao meu quarto e guardava mais um troféu para as vozes.

Por que diabos elas precisavam de tudo aquilo?

Eu não entendo e acho que morrerei sem entender.

Quando penso em quantas já padeceram sob minhas mãos, tenho vontade de acabar com minha própria vida, mas nem isso consigo agora.

Vejo na TV as notícias e entre milhares de tragédias lá estão meus horríveis atos. Por que a policia ainda não me encontrou? Por que?

Não aguento mais viver matando, não aguento mais viver com todos esses ossos guardados em meu quarto.

Ah meu Deus! Elas estão voltando! As vozes! Não! São os fantasmas, eles estão todos juntos aqui comigo, todas as mais de trinta garotas que eu matei nessa minha drástica vida!

Meu quarto fede morte e eu agora sinto a presença de todas elas em volta de mim. Ouço um barulho na porta, as vozes dizem para mim correr, mas não, eu não vou!

Se os mortos querem se vingar de mim, que se vinguem! Vamos fantasmas façam justiça!

Não! Eu não vou fugir! Parem de atormentar!

Minha cabeça precisa aguentar, eu não vou ouvi-los, eu não vou fugir! A porta se abriu! São tantos! Agora será minha salvação, adeus! Eu nem acredito, adeus!

2

Depois de mais de quinze anos investigando, a policia especial do Governo do Paraná conseguiu capturar um dos mais temidos assassinos da última década. Conhecido como "O Colecionador de Ossos". A lenda sobre o homem que matava crianças e roubava para si ossos das vítimas foi confirmada, pois no quarto do senhor de quarenta anos, foram encontrados dezenas de ossos, que tudo indicam ser das mais de trinta garotas assassinadas pelo mesmo.

O homem que também é acusado de matar brutalmente na última semana uma garota de apenas 16 anos, chamada Fernanda, foi levado para a Prisão Estadual nessa última quinta-feira. O acusado irá ao tribunal na próxima semana e todos os moradores de Curitiba esperam que as consequências de seus macabros atos sejam justas e que o sujeito, pague por tudo.

Além dos ossos no quarto do assassino foi encontrado um texto, uma especie de confissão segundo as autoridades. O relato escrito pelo monstro em seu santuário não foi divulgado ao público, mas a policia se manifestou dizendo que O Colecionador de Ossos, pretendia se matar e que o mesmo é vítima de problemas mentais, informação que pude mudar o rumo do julgamento drasticamente.

FIM

Mr Belzebu
Enviado por Mr Belzebu em 26/11/2013
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