“Estranha companhia”

Passo na Rua da Saudade todo dia após a aula.

Moro na cidadezinha do interior e estudo numa faculdade da cidade mais próxima da minha pequenina cidade.

O ônibus me deixa na cabeceira desta rua, uma rua com muitas arvores e um muro alto que protege o cemitério, confesso que ao me aproximar do portão grande, nem olha lá para dentro, imagino sempre que tenha um morto vivo caminhando com uma lanterna a observar os túmulos.

Isso me causa calafrios, eu sou jovem, bonita, e isso atrai olhares, credo; será que ate um fantasma vai me olhar? Penso.

Mas de uns dias para cá, um simpático velhinho tem me acompanhado, sempre que eu desço do ônibus e despeço dos colegas ele surgi, sempre discreto, não tem uma lanterna, nem fala comigo, apenas meneia a cabeça quando lhe pergunto algo.

O curioso é que devido à escuridão entre um poste de luz e outro, eu o vejo melhor e percebo que ele se protege com um capuz.

Mas ao se aproximar do próximo poste, ele se apressa a caminhar na minha frente, ele se demonstra muito saudável e eu não sinto medo dele, sua presença é boa, embora ele use um perfume de estranha fragrância, parece estar sempre com cheiro de rosas.

Ao se aproximar do portão do cemitério o bom velhinho se perde da minha vista, é como se eu me confundisse quanto a ter ou não ter companhia, estranho isso.

Mas não me incomoda apenas me confunde.

Na noite passada estava muito frio, a lua estava muito clara, embora a nuvem a escondia momentaneamente, e ao descer do ônibus, lá estava ele, o bom velhinho.

Eu disse para minha amiga, nem nestas noites frias e com a lua metendo medo meu amiguinho me deixa só.

Minha amiga olhou para um lado, para outro, e me indagou; amiguinho? Onde esta? Ali embaixo da arvore, pode ir Susana, eu estou bem acompanhada, eu disse. Susana – ta bem, então boa noite.

Ao sair e entrar novamente no ônibus eu a ouvi dizer para os demais do interior do ônibus, eu acho que a Silvana da maluca.

Isso me causou medo, e fiquei curiosa; decidi descobri de uma vês quem era o velho que me acompanha, eu lhe perguntei; por que me acompanha, ele não meneou a cabeça, apenas reduziu os passos, parou por uns três segundos e novamente prosseguiu. Perguntei-lhe novamente, você esta me protegendo? Ele meneou sua cabeça; com sinal de sim.

Por quê? Insisti... Ele não me respondeu.

Ao se aproximar do portão do cemitério quase coberto pelas folhas das arvores, ele se apressou e entrou num pequeno vão do portão e foi caminhando rápido no corredor entre os túmulos, eu fiquei parada a olhar ele caminhando e o vi desaparecer noite adentro entre os túmulos.

Minha ficha ainda não caiu, poxa... Ofendi o pobrezinho com minhas perguntas, mas eu preciso saber quem ele é.

Vai que é um pobrezinho, alguém que precisa de ajuda, me desesperei em pensamentos ali sozinhos, quando vi que ele não voltaria, fui embora.

No outro dia, no mesmo lugar desci do ônibus e meus amigos também desceram, estavam preocupados comigo. Mas o velhinho não estava lá no lugar de costume, eu fiquei triste, despedi-me dos amigos e fui caminhando, à noite estava linda, o céu limpo, a lua cheia brilhando a rua com seu clarão prateado, bem próximo do portão do cemitério estava o velhinho parado, ele me esperava, segurava na mão uma bengala, eu me aproximei dele e pedi desculpas por lhe fazer tantas perguntas, mas decidi fazer mais uma.

O senhor não tem medo de entrar no cemitério? Ou ate mesmo morar ai? Este lugar mete medo na gente.

Ele levantou a cabeça letamente e respondeu; quando eu era vivo, eu tinha. Quase cai de costas, minhas pernas travaram, eu nem me mexia.

Ele disse; - calma, não tenha medo, vou te mostrar meu rosto, ele não esta como era antes de eu morrer, mas você saberá quem sou.

Lentamente abriu o capuz de frente ao seu rosto e o vi. Sua face caveira me trouxe em lembrança meu amado avo, ele morreu há vinte anos, eu era apenas uma menininha de cinco anos e órfã de pai e mãe.

Meus pais morreram vitimas de um acidente e na época meu querido avo me prometeu cuidar de mim.

E ao morrer, eu lhe cobrava a promessa feita, não morre vovo, não morre você me prometeu cuidar de mim.

Ele acariciou meu rosto com sua mão amiga e disse, não tenha medo, eu sempre estarei contigo pequena Silvana, eu te amarei para sempre.

E assim; ele cumpriu sua promessa, agora, já sou moça formada e não tenho mais medo, descansa em paz querido vovo.

De agora em diante, vou seguir minha vida em paz.

Joel Costadelli
Enviado por Joel Costadelli em 16/12/2013
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