O Filme.

O vento uivava forte do lado de fora de minha casa. É madrugada mas não consigo dormir. O último filme me deixou assustado, e agora por mais que eu tentasse, não conseguia fechar os olhos.

Devia ter perdido este meu gosto peculiar há muito tempo. Filmes de terror sempre me instigaram, mas assustar de verdade, só aquele conseguiu. A imagem daquela mulher morta não saía de minha cabeça.

As sessões de comunicação com os mortos não eram nada comparadas a tamanha violência por trás de seu segredo revelado.

Ela era um fantasma que vagava por aquela casa. O filme alertava que eu não o visse até o final. Claro que era só uma jogada de marketing, e pensando assim eu assisti. A cena final me espantou. Dentro de seu caixão, a bruxa que outrora fora queimada viva abriu seus olhos e pronunciou meu nome.

Pulei sobre o sofá. O som saiu alto e claro. Aliás, me pareceu bem mais alto que o da TV, como se alguém ao meu lado falasse em meus ouvidos:

-Silas.

De repente tudo apagou. A luz fora embora, fazendo o aparelho desligar exibindo aquela fina luz branca antes de escurecer.

-Merda - pensei. Morar sozinho não era uma vantagem nessa hora.

Senti um vento gelado soprar atrás de mim, e tive a clara sensação de ver um vulto se mexer na cozinha. Já paralisado pelo medo, a luz voltou e a TV ligou novamente, exibindo chuviscos. O aparelho de DVD permanecia desligado e no intuíto de sanar minha curiosidade o liguei novamente.

Só que dessa vez nada aconteceu. Após a mulher ser enterrada os créditos foram exibidos. As letras brancas iam rolando pela tela do aparelho, enquanto eu não tirava a horrível imagem de minha cabeça. Foi quando a vi.

As luzes piscaram e no meio a tela negra da TV seu rosto apareceu por uma fração de segundo.

Chega. Eu precisava me livrar daquele filme.

Levantei as pressas do sofá temendo que a casa mergulhasse novamente no breu e desliguei a TV da tomada.

Ainda assustado, tirei o filme e o coloquei sobre a mesa de centro. Estava quente. As letras escritas por mim com a caneta traziam o sentido da trama. A morte de uma bruxa.

Eu tinha diversos filmes. A internet me providenciava esse luxo. Baixava a torto e a direito, sem me importar em comprar cópias originais. Ora, se pirataria fosse proibida, os downloads seriam também.

Era assim que eu pensava.

Tudo ia bem até o dia que assisti esse filme. O site dizia para não baixar, os depoimentos das pessoas que assistiram eram assustadores, e para completar meu êxtase, o diretor se suicidara duas semanas depois da protagonista principal cometer o mesmo ato. Os demais atores eram pouco conhecidos, mas segundo a notícia, sabia-se que parte deles nunca mais conseguiu trabalhos em produções, e que outra parte havia se perdido nas ruas e nas drogas.

Um filme B. Era isso que eu ia assistir. Deliciei-me com o fato de não ter amigos.

Sempre fora tratado como o "Bolha" na escola. Na verdade era esse meu apelido por ter uns quilos a mais. Após sofrer muito nas mãos se meus colegas de classe, larguei os estudos no segundo ano, contentando-me com o trabalho de atendente de um consultório pequeno em meu bairro, e com meu laptop que me providenciava os filmes que eu tanto assistia.

Eu vibrava. Como nunca ouvia falado sobre aquela produção? Aquele era o melhor filme de terror que eu tinha assistido. E claro, eu iria até o fim.

Segundo os depoimentos, a bruxa falava seu nome no fim do filme. Não importava qual era. Ela sempre dizia. Havia relatos de pessoas que tinham enlouquecido, outras que viam o corpo dela entrando em seu quarto de madrugada, e até mesmo de pessoas que se suicidaram, preferindo a morte a viver uma experiência daquelas novamente.

Eu ria em meu falso julgamento. No que a internet transformou as pessoas? Depoimentos bestas!! Depoimentos falsos!! Se eu quisesse, poderia muito bem entrar no site e escrever minhas opiniões. Quem acreditaria? Eu não acreditei e falhei nisso.

Como me arrependo de não ter levado a sério aquelas pessoas! Como me arrependo de ter visto esse filme!

Agora estou aqui sem fechar os olhos. Eu a vejo sempre que os fecho. Sempre que pisco.

Procurei historias sobre a Bruxa na internet, mas foi inútil. De nada adiantava procurar por soluções. Eu estava condenado.

Já não podia ficar sozinho. Onde quer que eu estivesse ouvia meu nome.

-Silas, Silas, Silas...

Era ela me chamando. Eu estava apavorado. Não conseguia mais ficar em lugares escuros, pois sempre via seu rosto.

-Garçom, o que é isso na minha sopa?

-Nada senhor - disse o homem dando as costas, irritado após checar meu prato pela terceira vez.

Aquilo não estava acontecendo. Não podia acontecer. Em meu prato, fios e mais fios de cabelo surgiam parecendo dar lugar a uma montanha enegrecida. Pensando ser coisa de minha cabeça, dei uma garfada e vomitei sentindo os tufos se enrolarem em minha garganta. Saí sem pagar sob olhares atônitos daqueles que frequentavam o restaurante.

-Está tudo bem? - perguntou uma senhora.

Eu vi a mulher em seus olhos. Corri do jeito que pude, mas ela estava em todo lugar.

Em casa começaram aparecer ao lado do meu travesseiro durante a noite. Unhas, pedaços de carne e vermes que vagavam sobre minha cama A morta estava se decompondo. Há quanto tempo eu vi o filme? Duas semanas?

Fui ao banheiro. Eu estava suando frio. Joguei água em meu rosto, esfreguei meus olhos e a contemplei através do espelho.

Aquele maldito rosto me encarando com seus olhos penetrantes do fundo de seu caixão...

-Chega!!! Não consigo mais!

-Silas, Silas, Silas...

-Preciso acabar logo com isso, esta voz não me deixa em paz...

-Silas, Silas, Silas...

O nó na corda é firme. A altura, suficiente. Pulo de meu sofá enquanto os fiapos dilaceram minha carne e a queimam firmando-se em volta do meu pescoço. Finalmente tudo acabou. Uma luz branca vem em minha direção, mas repentinamente fica mais distante. A escuridão vai invadindo meus sentidos, e quando me dou conta, vejo seus olhos e sua boca chamando meu nome...

-Pobre coitado - dizia o medico -, tentou mas não conseguiu se matar. Mudo e tetraplégico.

Eu nada escutava mundo afora. Estava preso dentro de meus sonhos. Sentia dor em meu corpo, mas nada se comparava ao tormento de ouvir meu nome proferido pela boca daquela mulher.

Adriano saiu do quarto de seu paciente quando foi abordado pela médica da ambulância.

-Ele não tem parentes - disse ela -. Dei uma curiada na casa dele. Será que é pecado roubar um filminho? Ele tem tantos...

-Não conto se me deixar assistir primeiro.

-Tudo bem, mas me trás amanha! Quero ver com meu namorado no fim de semana!

-Tá bom - disse Adriano.

Este deu meia volta e foi para seu consultório. Estava feliz, pois filmes de terror eram uma boa pedida...

Bonilha
Enviado por Bonilha em 24/12/2013
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