Vento Maligno
 
 
- Há Três horas esperando e não me responde. O cara combinou com a gente... Precisamos dos créditos dessa entrevista para terminar o curso e estou começando a ficar preocupada – disse Laura desligando o telefone e fazendo uma anotação no caderno. Suas mãos tremiam um pouco, efeito colateral da bup e da decisão radical de parar de fumar. O cigarro estava levando a sua pele e seu cabelo. 

- Por que escolheu logo esse, com um monte de cineasta brasileiro? Foi logo pegar um eremita americano da década de setenta... Esse cara deve fumar maconha, beber uísque e ser cabeludo. Será que vamos encontrar o Elvis por aqui? – disse Milton jogando a fumaça para fora do carro.  Ele tinha os cabelos penteados para trás, usava uma jaqueta vermelha, seu olhar era triste e desagradava à Laura - o que fazia com que Milton, apesar de ser o mais inteligente do grupo, fumasse tanto. 

- Além do mais – completou Milton – sou muito mais a década de 80:  Filmes de Ed Wood, Roger Corman, Larry Cohen, David E. Durston, José Mojica Marins (o nosso Zé do Caixão), George Romero, William Friedkin, Mario Bava, Paul Morrissey, Dario Argento, Luciu Fulci entre outros. Jovens cineastas norte-americanos da década de 1980, criaram uma nova roupagem para o gênero,  utilizando-se de roteiros muito bem construídos, muita pouca grana e revolucionários efeitos de garagem que foram evoluindo ao longo da década.  O primeiro marco desta era foi o filme "A Morte do Demônio  (Evil Dead)" de 1981 de Sam Raimi, que redefiniu os padrões do gênero.  O seu filme foi feito com uma quantidade irrisória de dinheiro e os atores, assim como o maquiador que deu vida aos demônios bizarros e toda carnificina do filme, eram amigos do diretor e não cobraram nada para participar da produção. Sam Raimi filmou todo o filme apenas com uma câmera na mão e o resultado não poderia ser mais original.  Ele reformulou a técnica ''Shaky Cam'', o estilo de câmera tremida dando ao filme um ar documental; a “Chase Cam” onde a câmera faz um papel de antagonista contracenado com os protagonistas perseguindo-os  e a “Lurk Cam”, onde a câmera fica a espreita atrás de arvores, janelas e cantos escuros. 

- Está falando como um professor – disse Rodrigo.  Ele não gostava de Milton, afinal disputavam a mesma mulher e Milton tinha uma vantagem: Laura gostava dele.  O que tudo indicava, porém,  é que Milton estava interessado em Isabel e, o que era irônico, também Isabel parecia ter um interesse por Laura - apesar de flertar com Milton. Rodrigo conhecia  aquele olhar de admiração. Também pesquisou na faculdade onde todos diziam que Isabel tinha uma paixão louca por Laura e que fazia todas as vontades dela. Laura por sua vez agia como se nada disso estivesse acontecendo e aceitava os presentes e a ajuda da amiga. 


Rodrigo depois de pensar em todas essas coisas, respondeu no lugar de Laura para que a conversa não morresse:

- Ele foi o papa do terror nos anos 70, entende? Muita gente nunca viu esse cara. Ele  mudou-se para o Brasil porque devia dinheiro à máfia italiana. Desapareceu. Agora parece estar interessado em voltar aos holofotes da mídia. Dizem que ele é uma espécie de eremita e o cara é um prato cheio para uma boa reportagem, sabe? Ele é do tipo duende, com bruxas e demônios... Sumiu no final da década de setenta, tinha uma paixão por H. P. Lovecraft e pelo universo do autor;  mas os seus filmes eram de baixo orçamento, Se hoje em dia nenhum cinasta se arisca em H. P. Lovecraft, imaginem um pobretão sem orçamento da década de setenta... Por isso os seus filmes ficaram raros e qualquer palavra que conseguirmos arrancar dele pode trazer sucesso a esse documentário – completou Rodrigo. 

-É verdade que morreu gente durante as filmagens? – perguntou Isabel. 

-É. Os filmes são considerados amaldiçoados e em locais muito religiosos são proibidos, como a Escócia e países muçulmanos. 

- H. P. Lovecraft é um clássico, mas filmá-lo é impossível. Nem sei se é possível filmar uma boa obra literária. Um filme é um filme e um livro é um livro...Para mim são coisas diferentes – disse Milton. Com isso quase todos concordaram, principalmente Laura. 

-H. P. Lovecraft... Amo esse cara! – completou Isabel, apaixonada por filmes de terror, mesmo sabendo que a maioria ali já esperava o que ela ia falar - Mas eu preferia ter entrevistado Nicolas Roeg ou o próprio H.P.  Vocês sabem que o princípio literário de Lovecraft era o que ele chamava de "Cosmicismo" ou "Terror Cósmico", que resume-se à ideia de que a vida é incompreensível ao ser humano  e de que o universo é infinitamente hostil aos interesses do homem?  Isto posto, suas obras expressam uma profunda indiferença às crenças e às atividades humanas.  H.P Lovecraft originou o ciclo de histórias que posteriormente passaram a ser categorizadas no denominado Cthulhu Mythos e também criou o fictício grimório Necronomicon, supostamente vinculado ao astrônomo e ocultista britânico do século XVI, John Dee. No decorrer de suas criações, Lovecraft criou um panteão de entidades extremamente anti-humanas que, em suas histórias, geralmente podem ser contatadas através do Necronomicon. 

Milton olhou no relógio, estava começando a escurecer.  A estrada de chão que entraram era esburacada e o veículo sedan tinha dificuldade para se manter estável.  Laura olhava para frente e ele sabia que ela estava disposta a acabar tudo com Rodrigo para ficarem juntos.  Ele até que gostava de Laura, que não era feia, era inteligente,  interessavam-se pelas mesmas coisas, esforçava-se muito no sexo. Porém o amor é uma coisa estranha... Sua paixão por Isabel chegara ao ápice e ela estava correspondendo às suas investidas. 

Isabel tinha cabelos pretos e curtos na altura da nuca, um busto sensual e natural e uma voz rouca; com um corpo que leva a personalidade feminina ao mistério que tanto deseja. Seus lábios eram exuberantes e lembravam os das atrizes italianas. Inglesa, teve a primeira infância em Londres e tinha herdado uma fortuna de sua tia.  Quando conheceu Milton, na faculdade de jornalismo, ele sabia que era ela a sua amada e sentia-se como o fantasma da opera regendo uma sinfonia para o amor e catástrofe; pois teve o dissabor de saber que Isabel era gay e que isso pelo jeito era irreversível.  Milton, porém, não desistiu e veio junto para saber se a magia do mundo o ajudaria de alguma forma. 

Rodrigo era o mais pragmático do grupo. Só aceitou fazer o trabalho quando Isabel disse que arcaria com todas as despesas. O fato de Rodrigo ser um rapaz pobre e de personalidade volátil não era o
suficiente para Milton não gostar dele.  Em sua opinião, o futuro jornalista era o protótipo da imprensa que abriu mão da “liberdade” de imprensa . Simbólica ou apenas "para Inglês ver” a impressa havia morrido do ponto de vista crítico; comprada pelos políticos, ela mesma censurava seus conteúdos, deformada pelo dinheiro e pela audiência.  Milton desprezava tudo isso. Talvez escrevesse alguma coisa na internet, mas estava terminando o curso apenas para agradar seu pai e ficar perto de Isabel. 

-Alguém pensou em outra opção? – perguntou Milton. 

-Nicolas Roeg! – disse Laura, querendo apenas continuar a conversa sem responder para Milton – Tirou do fundo do baú, é de segunda, foi diretor de vários filmes péssimos, Iniciou-se no cinema como diretor de fotografia. Nessa qualidade, trabalhou em filmes como "Fahrenheit 451"  de François Truffaut e "Far From The Madding Crowd"  de John Schlesinger, entre outros.  Foi só em 1970 que realizou o seu primeiro filme "Performance",  um exercício cinematográfico que multiplica as virtuosidades técnicas, recusando a progressão linear ao quebrar a relação espaço-tempo.  Este filme, protagonizado por Mick Jagger, e co-realizado pelo escritor Donald Cammell, acabou por não ter o sucesso esperado e, assim, Roeg teve que ir para a Austrália para dirigir o seu primeiro filme a solo (Walkabout, 1971), que foi também o seu último trabalho como diretor de fotografia. 

- Continuo achando que a decada de oitenta é melhor. "A Morte do Demônio (Evil Dead)"- sentiu o vento.

-Você curte cinema pra caralho! – disse Rodrigo – Não conheço ninguém que fale desse jeito... Parece um computador. 

- Acho que tudo é um tédio sem paixão. – disse Milton e ao mesmo tempo olhou para Isabel – O cinema para mim é uma paixão. 

Laura sorriu. Era isso que ela admirava em Milton. 
Por uns instantes a exposição longa e detalhada de Milton deixou todos calados, então puderam perceber a paisagem. Já existia centenas de túmulos pela estrada, muitos com cruz, outros com nada. A vegetação era baixa e vazia, permitindo que um homem de pé pudesse ver um imenso descampado cheio de túmulos. 

-Quanta gente morreu aqui !– disse Isabel. 

-É um cemitério familiar. – disse Rodrigo – Mas parece ter mais de duzentas ou trezentas pessoas enterradas neste lugar. 

- Percebe isso? – disse Milton – É o vento, mas parece um voz. 

- Tá de sacanagem! – disse Laura – É só o vento... Pare de meter medo que esse lugar já é horrível por natureza. 

Algo bateu no vidro do carro. Rodrigo quase perdeu a direção do veículo,  acertou o volante e parou. Todos desceram do carro e olharam para frente. O para-brisa estava quebrado.  Começaram a procurar pelo objeto que tinha acertado o carro. 

- Ali! Tem uma coisa se mexendo no chão!  – disse Milton apontando com uma lanterna. 

-O que é isso? – perguntou Isabel – Que horror! 

- Parece uma lacraia, uma lagarta, mas tem mais de um metro – disse Rodrigo. 

- De onde isso veio? – perguntou Laura. 

- Não sei.– disse Rodrigo – Quando percebi, essa coisa já tinha acertado o meu carro. 

- Gente vamos voltar! – disse Laura – O cara não me atende... Esse lugar dá arrepios. 

- Você acredita em almas? Essas coisas não existem.  O barato é a questão do símbolo; de como isso nos atormenta, dos nossos medos... E é por isso que estou aqui -disse Rodrigo.

Todos se olharam e voltaram para o carro. 

- Esse Maldito vento! – disse Milton . 

A escuridão cobria tudo com o seu breu inviolável.  Não havia estrelas no céu e a estrada ficava pior a cada minuto.  Milton fechou a janela, pois um ventou entrou e sacudiu as suas costas, trazendo para a sua alma a sua estranha melancolia. 

- Não tenho medo do desconhecido, mas como é mesmo o nome dele? – perguntou Isabel. 

- Roger Helmer alguma coisa. Foi o Rodrigo quem achou o endereço dele na internet... 

- Um desconhecido? Nunca ouviu falar dele? – disse Milton. 

- Talvez... Deve ser porque ele não dirigiu "Pânico" – ironizou Rodrigo. 

- Talvez quem sabe um nome como Wes Craven que criou um dos personagens mais icônicos do gênero Slasher Movie (filmes de horror onde seriais killers perseguem adolescentes), no filme "A Hora do Pesadelo", de 1984; o maníaco homicida que perturbava os pesadelos dos adolescentes com seu humor sádico, irônico e muita violência. Freddy Krueger interpretado por Robert Englund.

- Não pensei que fosse supersticioso. – disse Isabel – Não precisamos de uma enciclopédia ambulante, precisamos de coragem jornalística.  Temos uma oportunidade aqui de não ser brega de não ser o mesmo do mesmo... O cara está sumido, tem vinte anos que ninguém sabe nada sobre ele e você quer desistir? Eu vou até o final!

- Eu também. – desse Laura. 

- Conta comigo. – Rodrigo falou com um ar de deboche, provocativo. 

Milton não respondeu, olhou para fora e teve aquela sensação novamente provocada pelo maldito vento, forte suficiente para balançar a escassa vegetação e fraco ainda para ajudar a diminuir o terrível calor.  Além do mais, existia aquela voz infernal, aquele barulho... Talvez tenha se excedido ao demonstrar o seu conhecimento e isso não impressionava Isabel. Tudo parecia agora mais nebuloso na cabeça de Milton.
 
- A década, definitivamente, é de oitenta!  Nem só de norte-americanos vivemos nesse período, não senhor! – disse Milton ascendendo outro cigarro. Não estava ligando para o vento frio maldito e a sua voz -vento maldito, ele entra pela janela...

- Por favor! – disse Isabel – Pare de falar assim... Está me assustando. 

-Sabe que você é a garota mais bonita que eu já vi? – disse Milton. 

- Vou pedir uma coisa... Não fale mais nada! – disse Isabel. 

Quando tinha doze anos começou a ver espíritos, seres horríveis, monstros... E nunca falou a ninguém. Agora estava vendo uma segunda cabeça em Isabel: Era a de uma mulher, mas não tinha olhos; parecia querer sair do corpo de Isabel, parecia estar colada ali...  Milton sentiu náusea. Quando criança chorava sozinho, mas agora precisava falar, conversar... Pois não aguentava mais ver a aberração tentando deixar o corpo de Isabel.  Milton tinha medo até da sombra quando era criança, agora convivia com aquelas coisas.  As vezes era bom, pois elas o ajudavam a se livrar de certas situações, porém agora a criatura que estava em Isabel não queria sair e levaria todos a uma morte violenta. 
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Milton  cresceu com esses espíritos e passou a sua vida toda tentando afastar-se deles.  Ele podia ver todos agora e pedia para que se afastasse daquela expedição  - ou seria o seu fim e o de Isabel. 
Queria falar, mas não sabia o quê. Então, novamente falou de cinema.:

- Dario Argento, considerado o Alfred Hitchcock italiano, dava aos filmes de horror toda a sua genialidade como contador de histórias.  Seus filmes são os suspenses psicológicos mais filosóficos, com uma boa pitada de humor negro.  Eles são visualmente deslumbrantes, estilosos e com cenas de horror gore.  A percepção fílmica e metafórica de Dario Argento mudou todo o conceito de cinema de horror.- disse Milton.

A criatura que parasitava Isabel torceu o pescoço e ficou mais sinistra.  Ela tinha uma língua pontiaguda de cobra e seus cabelos eram manchados de sangue.  Milton estava prestes a perder o controle. 
Sabia que havia pelo menos um demônio ali.  Do lado de fora poderia existir mais e não estava conseguido fazer com que aquelas pessoas entendessem que, voltar,  poderia ser a solução mais plausível.  Porém, se tudo fosse loucura da sua mente, se aquela cabeça extra que estava em Isabel não era o argumento simbólico que precisava para deixá-la em paz, ou se, então, ele estava mesmo louco, como um médico disse-lhe certa vez.. 

- Você precisa de remédio, rapaz! – disse Rodrigo que já estava arrependido de ter deixado o excêntrico Milton entrar para aquele grupo . Mas todos diziam que ele era capaz de sintetizar e escrever qualquer coisa e isso lhe pareceu uma boa ideia. 

- Isso é um cemitério? – perguntou Laura.
 
- Sim. Ele mora em um cemitério abandonado. – disse Rodrigo 

Milton não gostou.  Não era cristão, não acreditava em um Deus cristão, mas não desafiava o sobrenatural, principalmente aquelas vozes estranhas na sua cabeça.  Queria respeitar tudo aquilo e tinha maturidade o suficiente para manter-se equidistante de cemitérios e coisas dessa natureza. A cabeça havia projetado o ombro pra fora. O que estava  à espera deles  que nem aquela coisa queria enfrentar?

- Isso é excitante! – disse Isabel, mudando o tom de voz e ficando de alguma forma mais jovial.  Nesse momento, Milton colocou a mão na sua coxa e ela lhe sorriu.  Depois colocou a mão sobre a mão de Milton, acariciou-a por alguns segundos e depois a retirou de seu corpo.  A cabeça olhou para Milton e falou alguma coisa, que só depois ele pôde entender:

- Todos mortos! 

Rodrigo parou bruscamente o Sedan.  
- O que foi? – perguntou Laura apertando os olhos para enxergar a frente. 

- Parece que teremos que seguir a pé.  – e apontou para frente – A ponte caiu.
 
Milton podia ver centenas de almas e seres estranhos.   Até no córrego, cabeças amassadas rolando como se fossem pedras, figuras horríveis com fisionomia de animais, corpos se arrastando. 

- Eu não vou!  – disse desesperado – Tem alguma coisa muito sinistra aí... Algo horrendo... Não vou me arriscar! 

- Covarde! – disse Isabel, já sem o demônio parasita. 

Milton não queria passar por covarde. 

- Não deve ir!
 
Uma menina, não mais de cinco anos, que segurava um urso de pelúcia sujo de lama, olhou para ele com a metade da face partida, deixando à amostra nervos tendões. Seu lábio havia sido arrancado e uma de suas mãos estava presa pela pele. 

- Tem muita maldade no mundo e parte dela está presa depois desse rio... Por isso ele veio para cá. Não pode salvar seus amigos, mas pode salvar a você mesmo, pois os mortos lhe têm afeição.

Milton olhou para as outras pessoas, mas como sempre apenas ele podia ver a aberração. Teve medo dessa vez.  Nunca tinha visto a  criança.  Olhou para Isabel, Laura e Rodrigo; agora cada um tinha uma espécie de demônio de escolta.  Estavam tão próximos que as suas figuras poderiam ser confundidas com uma só;  sua barriga doeu e ele passou a vomitar.  Sempre quando entrava em pânico ele fazia vômitos... Parou, ficou de pé enquanto o grupo assitia a tudo impassível, e resolveu contar a verdade. 

- Vejo pessoas mortas, espíritos, demônios... – Milton olhou a expressão dele – eles estão aqui, por todo lugar. 

Gargalhadas foram ouvidas. 

Isabel chegou perto de Milton e disse com a voz firme: 

- Covarde!  Fantasmas não existem.  Espírito? Pelo amor de Deus... Um jornalista com a sua cabeça e sua capacidade intelectual pensar que existe o mal... Pense bem: Vá a igreja, pois, se você acredita em um, logo tem que acreditar no outro também.  - depois de falar ela foi a primeira a descer o morro para atravessar o rio. 

- Vamos cara!  – disse Rodrigo – Estamos atrás da maior reportagem das nossas vidas. 

- Vem! – disse Laura. 

Milton desceu logo atrás. Olhou de volta para o alto... A criança estava na beira e movimentava a cabeça em negativa.  O vento atigiu a suas costas e lhe fez sentir o arrepio da morte. 
Os quatro de mochilas e lanternas nas mãos tiveram que descer devagar a encosta e molhar a suas botas em um córrego de águas gelatinosas e frias;  mas de tudo isso o pior era o frio cortante e o vento aterrador.  Um barulho de fundo,  feito pelo vento, parecia uma sinfonia diabólica.   Milton andava com um nó na garganta e o coração apertado.  Segurava a mão de Isabel, mas não parecia estar ali. 
Rodrigo caminhava à frente.  Atleta, conhecido por sua sorte com mulheres, parecia completamente distraído pela aventura;  portava na cintura uma arma de fogo.  Um rapaz alto e de porte atlético, cabelos escuros e sorriso bem feito, porém com uma capacidade de afastar pessoas com sua inteligência e seu vocabulário quase sempre vulgar, o que não agravam  à Laura, agora ia destemido à frente, principalmente após perceber um certo medo em Milton.
 
- Está longe? – perguntou Laura. 

- Sete minutos de caminhada.  Já estamos no velho cemitério – disse Rodrigo. 

Laura olhou para os lados e tomou um susto.  Escorregou , rolou de volta ao lago... Rodrigo não conseguiu segurá-la. 

- Que foi ? – disse levantando a namorada toda molhada. 

- Vi alguma coisa... Algo horrível! – disse Laura. 

- Foi sua imaginação. – disse Rodrigo – Eu vou lá... 

- Não vá!
 
Tarde demais para o apelo de Laura... Rodrigo sumiu na escuridão lateral.  Ela apontou a lanterna para o escuro e  ouviu um grito de horror.  Depois outro. E ela gritou pelo nome de Milton e ninguém respondeu. 
Ela resolveu voltar... Chorava muito, suas roupas estavam molhadas e tinha um dos joelhos sangrando. 
Milton e Isabel andavam logo atrás. 
Isabel foi puxada por uma mão.  Milton tentou segurá-la mas ela desapareceu na escuridão.

-Quem são? – perguntou Laura. 

-Gente maligna que morreu e veio para este lugar.... 

-Vamos morrer? 

Milton viu olhos vermelhos na escuridão... A menina estava perto da margem e novamente balançou a cabeça negativamente. 

- Não. Parece que essa gente tem afeição por mim.... – a menina balançou a cabeça negativamente e então ele completou – Parece que eles precisam de mim. 

Laura deu a mão a Milton e eles começaram a retornar.  Um vulto apareceu na frente dos dois. 

- Meu nome é Helmer e você precisa retirar todos os meus filmes de circulação. - Ele entregou-lhe o papel com mais de trinta endereços – Quando terminar,  pode vir buscá-la.  Sei que gostava da outra, mas é essa quem está no seu destino. 

Milton saiu de lá e nunca voltou, nunca gostou muito mesmo de Laura. 

- O senhor matou aquela gente? – perguntou-lhe o delegado quando Milton foi preso. 

Milton olhou para o canto da sala.  A menina estava lá e lhe apontava o papel com a lista de filmes de Helmer, balançando a cabeça negativamente.   Como Milton foi estúpido achando que poderia quebrar o acordo... Então, pensou um pouco e pediu.:

- Delegado,  preciso falar com o meu advogado.  –  O delegado concordou.  Milton precisava resgatar aqueles filmes e o advogado poderia ajudá-lo. 

- Bem, podemos tentar outro, já que os dois anteriores desistiram. 

Quando um homem magro chegou e se apresentou como advogado,  a primeira coisa que Milton pediu foi que recolhesse os filmes nos endereços,  a qualquer custo.  Quando Milton acabou de falar, o homem magro disse-lhe:
 
-Agora sim... Está entendendo a nossa linguagem. 

Milton viu a criança dar uma gargalhada. A porta da cela foi aberta novamente e entrou um senhor gordo.

- Sou seu advogado. 

Milton olhou para o canto onde estava a menina.  Os seus lábios mexeram-se e ele escutou, no interior da sua cabeça, um voz aguda:
 Os seus lábios mexeram e ele escutou no interior da sua cabeça um voz aguda.
         -Filmes...
         -Senhor – disse o advogado e colocou sobre a mesa um livro, Milton coseguiu ler o titulo do livro, tinha certeza que não estava ficando louco, o nome do livro: O Clube dos Suicidas, Antecipando-se ao moderno romance policial, numa verdadeira “extravagância literária” para os padrões da época, O clube dos suicidas apresenta um grupo de cavalheiros que querem se matar, mas não têm coragem. No intuito de investigar esta curiosa associação, o destemido príncipe Florizel e seu fiel confidente Coronel Geraldine não sabem que, ao entrarem como sócios, podem ser sorteados a assassinar um dos membros, transformando a investigação numa complicada e sinistra aventura. Afinal, quem arquiteta esses crimes sob a fachada do clube?Nesta novela perturbadora e envolvente, Stevenson, além de entreter o leitor e mantê-lo com os sentidos aguçados da primeira à última página, faz um minucioso levantamento dos costumes do século XIX, conduzindo a ação com admirável desenvoltura e criando personagens inesquecíveis.Quem estava falando aquela merda toda na cabeça dele? – Senhor?
         -Um espelho, quero um espelho.
         -O quê?
         -Quero ir ao banheiro – gritou e um policial entrou.
         No banheiro algemado, havia um pequeno espelho, então ele pode ver o ser no seu corpo, um homem, vermelho e usava uma cartola e dizia coisas na sua cabeça.
fim



 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 29/01/2014
Reeditado em 30/01/2014
Código do texto: T4669693
Classificação de conteúdo: seguro
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