Zona de Contato - Segunda Parte - Final

O cheiro de suor e perfume barato de Anselmo inebriava uma Sofia cansada, ajudando a tirar as forças que lhe haviam sobrado depois de correr e subir angustiada a pirâmide para ajudar o amigo seqüestrado. Os braços que a envolviam pareciam tão firmes quanto às cordas que mantinham Noah preso ao altar da maneira que uma donzela ficaria amarrada aos trilhos de um trem em filmes antigos.

- Solta ela! – gritava Noah, se contorcendo amarrado.

- Por que eu faria isso? – Anselmo falou por cima do cabelo loiro de Sofia. Seus braços estavam em volta do abdômen da garota levantando-a e os pés dela estrebuchavam-se no ar – Por que eu a deixaria partir e privá-la de nossa cerimônia? – o ufólogo falava pausadamente tentado transmitir a idéia de que estava tudo sob seu controle, mas segurar a menina se debatendo estava ficando cada vez mais difícil.

Sofia conseguiu por seus pés no altar e, dobrando os joelhos, tomou impulso, jogando ela e Anselmo para trás. O ufólogo tropeçou, andando trôpego de costas em direção à escadaria e pela primeira vez ele ficou alarmado. O homem se jogou de lado no piso da pirâmide para evitar a queda que seria letal e os dois somem do campo de visão de Noah. O terror paralisou o garoto por um momento. Só conseguia pensar em Sofia, exausta e lutando com um homem adulto armado.

- Sofia!

A menina não respondeu. Ouvia-se apenas o som de dois corpos se engalfinhando no chão e depois o estampido de uma pequena explosão. Um tiro? Noah ficou gelado. Ele não se lembrava de Anselmo estar armado com outra arma que não fosse a faca de obsidiana, mas isso não significava que o homem não poderia está portando uma escondida.

- Fala comigo, Sofia!

Anselmo se levantou e se afastou para o outro lado com as mãos no estômago. Em seguida, Noah viu uma mão segurando a faca se erguer, com os dedos fixos em volta do cabo, e se apoiar no altar. Sofia se levantou em um péssimo estado. Um filete escarlate de sangue descia de seu nariz para sua boca, seu cabelo era uma bagunça dourada e ela colocava a outra mão em sua perna direita, pouco abaixo da cintura, como se segurasse um ferimento.

- O quê?... – Noah perguntou – O que foi isso?

- Meu celular... – falou a garota, ofegante e confusa – Ele explodiu no meu bolso.

Anselmo tirou as mãos do abdômen e olhou para a camisa, onde havia um buraco com as beiradas chamuscadas pelo qual era possível ver a pele avermelhada.

- Está vendo? É nisso que dá comprar produtos de péssima qualidade – ele falou. Apesar do tom de brincadeira, sua face escureceu em seriedade. Havia acabado de perceber que com o susto e com a dor da explosão lhe atingindo na barriga tinha soltado a faca que agora estava de posse da garota.

- Não vá brincar com isso, boneca. Sabe o quanto foi difícil conseguir uma dessas?

Sofia apontou a faca para ele, e depois a desviou alguns graus para o altar, começando a cortar umas das cordas. Mesmo com a faca ocupada, a menina não desviava os olhos de Anselmo, como se seu olhar fosse por si só uma ameaça.

- Não sabem o que estão fazendo – Anselmo deu um passo à frente e Sofia interrompeu o trabalho de corte para apontar a adaga novamente para ele – É mais seguro ficarem comigo – o homem insistiu.

- Para trás! – Sofia exigiu.

Anselmo recuou o passo. Sabendo que ele aguardava apenas o momento certo para atacá-la, Sofia desviou a faca e rapidamente cortou o que faltava da corda que se rompeu, liberando os ombros e peito de Noah. O garoto levantou-se, ficando sentado, e com a nova postura pode levar as mãos à boca para terminar de desatar os nós com os dentes.

- O que você quer com ele? – Sofia ameaçou Anselmo com a adaga.

- É isso o que estou tentando falar. Com o sacrifício feito como os maias faziam, os alienígenas falarão conosco. Eles irão nos poupar. E você menina, pode se salvar se me ajudar.

- Você é um louco! Está apenas querendo matar Noah. Não existe alienígena nenhum, não é?

- Foi ele que fez os círculos – Noah falou, terminando de se livrar das amarras de suas mãos e indo fazer o mesmo com os pés.

Sofia arregalou os olhos.

- Ele? Por quê?

- Por que eu precisava chamar a atenção das pessoas. Precisava alertá-las que há algo grandioso pairando sobre nossas cabeças. Sou um homem que cresceu no campo. Sei ver os sinais da natureza, ver as sutilezas do universo, e posso garantir que há algo de diferente... Ninguém acreditou no que eu disse sobre ondas de rádio espaciais, mas eu posso garantir que elas estão falando com a humanidade, e hoje deram um sinal, olhe – Anselmo olhou para o céu, apontando, e foi surpreendido com a maravilha, com o esplendor de estrelas despontando das nuvens – Ah... São eles! – Seus olhos se encheram de lágrimas. Embora tenha aprendido na infância que homens não choram, era difícil, deveras impossível, conter a emoção quando se via a razão de sua vida, aquilo pelo qual fez várias renúncias, se realizar diante de seus olhos e vir em seu encontro de uma forma tão viva e bela.

- Minha... Nossa... – Sofia também olhou. Ela abaixou a faca, mas não precisava se preocupar com Anselmo que estava absorto nas estrelas que se moviam deixando um pequeno rastro nebuloso que ficava cada vez mais visível na medida em que se aproximavam.

Noah afrouxou as cordas que prendiam suas pernas à mesa de pedra e desatou os nós dos pés rapidamente. Ao contrário de Anselmo e Sofia, ele não se deixava deslumbrar e se esforçava para se libertar e fugir dali o quanto antes. Era o único dos três que estava ciente do real perigo que aquelas luzes representavam.

- Vamos, Sofia! – ele desceu do altar e pegou nos ombros da amiga.

- Não! – Aproveitando a distração dos garotos, Anselmo investiu contra eles. Noah foi jogado no chão e o ufólogo agarrou Sofia, tirando a adaga de obsidiana de suas mãos – Vocês ficarão. Nunca se sabe quando os ETs precisarão de um lanchinho humano depois da viagem.

Noah se levantou e se deparou com Sofia feita de refém pelo ufólogo, cujo rosto estava estampado com uma expressão que oscilava entre euforia e pavor.

- Senhor Anselmo, largue ela – Noah falou o mais calmamente que foi capaz – Nós ficaremos – ele olhou nos olhos de Sofia. Não poderia piscar para ela, ou Anselmo perceberia que ele não estava sendo sincero, e torcia para que a amiga percebesse e seguisse seu plano – Não temos para onde ir. A professora Edwiges nos deixou nessa fazenda. Não temos como voltar para casa. E eu também quero ver os alienígenas. Quero falar com eles, e provar a todos que riram de mim que estavam enganados.

-Você quer? – Anselmo perguntou.

Intimamente Noah também se fez aquela pergunta. Ele queria falar com os extraterrestres? Ele acreditava que eles eram reais e que estavam chegando? Até que ponto o que ele falou era uma mentira? Ao invés das respostas, veio o barulho de um impacto na terra. Uma das aparentes estrelas deixou um rastro de fumaça como um risco cortando o ar e caiu relativamente próximo dali, no meio do milharal. As ondas de choque se espalharam como se uma pedra tivesse sido jogada em um lago de águas verdes. O tremor de terra provocado desestabilizou os três na pirâmide, fazendo-os cambalear. Outra caiu ao longe, bem no lugar onde estava um dos sinais feitos por Anselmo, levantando uma cortina de fumaça e poeira.

- O quê?... Estão atacando... Não pode ser... – o ufólogo olhou para as luzes fulminantes cruzando os céus e deixando listras negras e cinzas.

Sofia bateu com a cabeça no peito do homem que a agarrava e ele a soltou.

- Corre Noah! – ela se juntou ao amigo e com ele correu, descendo os muitos degraus da escadaria da pirâmide sem ousar olhar para trás ou para cima, apesar do temor que sentiam dos astros cadentes que choviam no mundo, uma chuva de fogo, rocha e metal. Eles chegaram ao solo e continuaram correndo o mais rápido que era possível, abandonando o templo do sol e seu estranho construtor.

- Por quê? – Anselmo cambaleou para o altar – Não precisa ser assim. Estamos dispostos... Eu estou disposto a dividir o planeta com vocês! Ouçam-me! Por favor, ouçam-me – ele gritava. Pôs a adaga no altar em meio às cordas soltas, e olhou para os meteoros, clamando por seus deuses, os deuses dos egípcios, dos babilônios e dos maias, os deuses que vinham do espaço e falavam com fogo e destruição – Esse é o nosso mundo, e pode ser seu também, apenas juntem-se a nós. Juntem-se a nós! – ele continuava falando, já tomado por uma espécie de torpor.

Como que ouvindo suas preces, as forças que regem o universo o consideram contemplar sua fase, uma face de luz mortal e abrasadora que o envolveu quando o meteoro atingiu a pirâmide. A onda de choque se espalhou e a rajada de ar provocada derrubou Sofia e Noah na terra vermelha do caminho. Poeira subiu do impacto, deixando como túmulo do ufólogo uma montanha destroçada que nada mais remetia à bela pirâmide que um dia fora.

Os dois amigos se levantaram e meio correndo, meio se arrastando, tropeçado na terra, eles continuaram correndo. O ar tornou-se pesado, dificultando ainda mais a respiração. O coração de ambos parecia querer sair pela boca e as pernas doloridas não obedeciam como deveriam.

- Noah! – Sofia parou para tomar fôlego, apoiando-se nos próprios joelhos – Não agüento mais... Não estou...

- Vem! Estamos chegando! - ele puxou o braço da garota para continuarem. Noah procurou ver o moinho e a casa grande. Ela deveria ter um porão que poderia servir como refúgio. Correndo mais, viu que na direção que deveria estar a casa, restava um imenso incêndio que se alastrava pelas plantas, bloqueando o caminho para o terreiro e os cercando a partir da esquerda como uma cordilheira de chamas e fumaça.

- Por aqui! – Noah apertou com a força a mão da amiga correndo com ela na direção oposta e, juntos, adentraram na plantação, se embrenhado nos meio dos pés de milho, procurando uma saída, um lugar seguro do terror que descia do céu em sucessivos “bum” e tremores de terra. Era como uma tempestade implacável, que fez Noah desejar ser capaz de construir um reduto da ira cósmica com as próprias mãos e assim salvar ele e os seus como fez o personagem bíblico cujo nome ele carregava, mas sabia que isso era impossível.

Enquanto corriam, afastavam com as mãos as palhas das plantas que pareciam navalhas, arranhando e fazendo pequenos cortes como riscos vermelhos em suas peles. Mas a dor tinha cedido lugar em suas mentes para o pânico e a idéia constante de fuga e sobrevivência, não importava onde, não importava como. Queriam somente se salvar das estrelas cadentes.

- Noah... Noah... Pára – Sofia puxou o braço de volta. Os pés de milho em volta deles chicoteavam com as rajadas de vento – Não agüento mais... Doe muito... – ela falava com a voz embargada e colocava a mão sobre o ferimento na coxa onde ficava o bolso.

- Mais um pouco, Sofia – Noah também estava exausto. A cor laranja da blusa da farda estava mais escura com o suor – Precisamos continuar.

- Para chegar onde?... Estamos perdidos.

- Mais um pouco – O garoto puxou o braço da amiga, dessa vez mais delicadamente e eles continuaram se enveredando pelo verde hostil e cortante de palhas e milhos. Os estrondos continuavam castigando a terra, e eles tinham consciência dos meteoros através do vento e do cheiro da fumaça dos incêndios dos quais podiam sentir o calor do fogo, até que chegaram à uma área aberta onde os pés de milho estavam encalçados junto ao solo. Se tivessem uma visão panorâmica de onde estavam, veriam que chegaram a um dos sinais feito por Anselmo.

Sofia tropeçou e levou consigo Noah, também exaurido.

- Preciso... Preciso descansar. – disse a menina, deitada sobre a palha verde.

Noah se arrastou até ela, cada membro do seu corpo latejando com dor.

- Vamos Sofia... Seja forte... Seja forte... – ele pedia, como um desejo feito para uma estrela cadente, invocando o que ainda tinha de força dentro de si para incentivar a amiga a não desistir. Mas a força não vinha, todo o ânimo o havia abandonado, e só o que restou para ele foi se virar de costas contra a palha na marca que antes se pensava ser alienígena e contemplar os meteoros caindo, como caíram os anjos rebeldes.

* * *

A beleza terrível das luzes desceu, abatendo-se sobre a cidade como se carregasse em seu furor ardente o fim da humanidade e de seus pecados. Mas não encontraram as ruas intactas. Estas já estavam transformadas em rios de pânico e destruição antes de o primeiro meteoro atingir o primeiro prédio, espalhando poeira sufocante, destroços e mortes.

Edwiges libertou sua aluna de entre os carros com um ímpeto de adrenalina e com ela correu pelas calçadas, tropeçando em detritos e chutando estilhaços, mal percebendo o que estava fazendo. Algo selvagem e instintivo a havia dominado, como estava dominando as outras pessoas. Se alguém, algum dia, lhe perguntasse o que se passou, ou lhe pedisse para descrever as ruas sendo obstruídas com os restos dos prédios que ruíam e queimavam, padecendo sob os intrusos sem vida, advindos do espaço, ela não saberia o que falar. Seus estudos e conhecimentos sobre o idioma não eram suficientes para descrever a destruição, ou o som de alarmes, gritos e concreto caindo sobre concreto. Tampouco seria capaz de pintar um quadro que retratasse o terror dominando o semblante de todos, suprimindo a razão e a esperança, os fazendo se jogar, correr sem rumo definido ou pisotearem uns aos outros.

Tudo era um borrão confuso, de onde, de repente, veio a água. A água fria, encharcando seu cabelo e suas roupas, era muito forte para ser apenas chuva. Vinha em torrentes com velozes e grandes gotas sobre ela, como se estivesse sob uma cachoeira. Edwiges caiu, arranhando os braços no chão áspero e muito molhado. Centímetros de água eram o suficiente para afogá-la. Ela não tinha forças para se levantar. Ficou ali mesmo, jogada onde estava, fosse onde fosse. Marolas irritavam seu nariz e seus olhos.

Tinha outras pessoas ali, disso ela sabia. Elas corriam e a pisoteavam, molhadas. A água envolvia tudo. Ouviu gritos. Alguém chutou sem querer seu estômago. A professora tentou se levantar, mas o vai e vem de pés não permitiu. Ela estava sem forças e logo seria esmagada pelo bombardeio de cometas com suas caudas negras pintando o céu. Alguém chegou e afastou as pessoas. Deu um soco em um rapaz que caiu sobre ela. Era jovem. Edwiges conhecia aqueles cabelos espetados que agora estavam colados à testa devido à água. O garoto vestia uma blusa laranja, uma cor forte. Lembrava que sempre tinha achado aquela cor brega. Gritante demais. Falaria com o diretor sobre ela. Precisava trocar aquela cor.

O pensamento a fez tentar se lembrar que dia era aquele. O que estava acontecendo. O rapaz que afastou as pessoas que a pisoteavam se agachou e a segurou pelos ombros. Chamava seu nome. Ela não estava com raiva dele. Estava aliviada. Feliz por ele está bem e com ela. O garoto gritava olhando para ela. Falou uma palavra. O estrondo da queda de um meteoro a poucas quadras é ouvido. A dor de um tapa lhe devolve a lucidez.

- Professora! – Ryan gritou.

- Ryan? – Edwiges piscou e tossiu, a pele do seu rosto avermelhada e ardendo. Ela estava em uma rua interditada em um dos lados e de um buraco no asfalto jorrava uma coluna de água do encanamento quebrado.

A professora se levantou.

- Onde... Os outros estão?

- Correram para as outras ruas. Eu os perdi de vista. Vamos! – Ryan saiu e a professora o seguiu. Suas roupas estavam pesadas de tanta água e o frio a fazia ter calafrios. Chegava a ser irônico. Se ela sobrevivesse ao fim do mundo, poderia viver para morrer com um resfriado.

Outros cinco estudantes estavam em uma calçada esperando aflitos por eles, além de onde o sistema de abastecimento de água estava rompido. Eles correram pela rua, fugindo com outras pessoas da onda de poeira que avançava pela rua, do outro lado.

- Para onde vamos? – uma aluna perguntou, mantendo-se sempre perto da professora.

- Vamos por ali – Edwiges apontou para um beco onde passaram por uma caçamba de lixo virada. Eles viam os riscos dos meteoros entre um prédio e outro, alguns se desintegrando ainda no ar, outros caindo em estrondos e explosões.

Chegaram à outra rua que estava coberta pela fumaça e poeira, como uma névoa em um dia frio. Eles podiam se orientar pelos faróis acesos dos carros que estavam parados e não inquietos, movendo-se para frente e para trás como antes. A poeira grudava no corpo molhado de Edwiges e Ryan, como se quisesse os transformar em estátuas, feito os habitantes de Pompéia.

A professora e seus alunos acompanharam outras pessoas que corriam em uma mesma direção e após o cruzamento com um carro de bombeiros parado na esquina, viram pessoas correndo para um prédio e homens com fardas indicando para eles se aproximarem. Um refúgio.

- Ali! – Edwiges gritou, a alegria chegava a ser dolorosa – Vão...!

Os alunos correram, tomando sua frente. Pessoas caiam e se levantavam para continuarem em direção à entrada do estacionamento subterrâneo. Edwiges estava se aproximando com as forças renovadas. Podia ver os portões e os guardas ajudando os que chegavam, até que o clarão amarelo iluminou através da poeira, reverberando com o som de um trovão. Um meteoro tinha atingido o prédio e os destroços caiam anunciando a morte de quem estivesse embaixo. Edwiges correu com todo o fôlego que possuía, e praticamente se jogou quando os guardas entraram e a escuridão encobriu tudo com a avalanche de concreto e aço.

* * *

O helicóptero cortou as nuvens negras de fumaça e pousou no topo de um dos únicos prédios que permaneciam intactos. A equipe se apressou, saindo e arrumando os equipamentos antes mesmo das hélices pararem. Apesar da paisagem de catástrofe e calamidade não poder ser modificada rapidamente, nem a cidade ser reconstruída da noite para o dia, a notícia era urgente. Sempre era.

A repórter arrumou o cabelo, segurando o microfone com a outra mão. Um homem careca que usava um colete parecido com a da repórter preparava a câmera. Como ainda não era possível transmissão ao vivo, eles gravariam e levariam a fita de jato para o país de origem, onde seria exibido para milhões de telespectadores.

- Gravando em três, dois, um... – o homem fez sinal e a luz da câmera acendeu.

- O cenário que vocês vêem atrás de mim não saiu de nenhum filme de ficção científica – a repórter falou – Essa cidade é uma de milhares de outras que sofreram com o fenômeno inédito na história da humanidade até onde se sabe, que se desenrolou essa tarde. As ondas que a NASA e observatórios no mundo inteiro monitoravam há meses pensando ser um efeito das manchas solares se mostraram serem as primícias de uma força exótica e avassaladora. Foi descoberto que elas são fruto de uma anomalia desenvolvida no sol que escapou da superfície da estrela na forma de um feixe a atingiu o planeta com mais força nesse meridiano, abrangendo uma área de nove países que os cientistas chamam de zona de contato. De uma maneira desconhecida essa energia causou pane nos veículos e aparelhos eletrônicos, fazendo tudo que fosse movido à energia elétrica explodir, e arrastou consigo meteoros dispersos no espaço, satélites e lixo espacial espalhado acima da atmosfera. Por enquanto, não temos maiores informações da extensão dos danos, do número de mortos ou se o fenômeno se repetirá algum dia e permanecemos aguardando respostas.

* * *

A brisa fria do fim de tarde soprava, dispersando o calor e a fuligem, e o aro de luz dourada ao redor do sol havia se esvaído, restando a coloração comum do crepúsculo através das nuvens. À beira da estrada, um menino de cabelo desgrenhado e uma menina loira saíram do milharal. O menino ajudou a amiga a passar pela cerca e, depois, ambos caminharam pela pista deserta, sem se preocupar se viria algum carro. Até por que o desejo deles era que viesse. Que passasse alguém que os levasse dali. Que os levasse para casa.

A menina se sentou à margem da rodovia completamente vazia e observou o milharal. Estavam longe dos focos de incêndio e não viam muitas crateras causadas pela queda dos meteoros.

- Você está bem? – Noah se juntou a ela.

- Estou... Só preciso descansar – Sofia respondeu.

- Consegue andar mais um pouco?

- Não. Não muito.

- Não é seguro ficarmos aqui, Sofia. Está anoitecendo e com esse incêndio é bom chegarmos a um lugar seguro logo.

- Eu sei, mas... – Sofia suspirou e olhou para o amigo sentado ao lado – O que você acha que aconteceu?

- Anselmo falou que eram extraterrestres, mas não acredito. Foi uma queda de meteoros.

- Não. Estou perguntando o que você acha que aconteceu com a professora e com os outros. Será que os meteoros também caíram na capital? E na nossa cidade? Será que nossos pais estão bem? – a aflição era visível nos olhos de Sofia.

- Isso eu não sei. Mas nós vamos ficar bem se ficarmos juntos. Temos um ao outro.

A pele suja de terra e sangue da menina enrubesceu.

- Desculpe – ela disse em um sussurro.

- Pelo quê?

- Por ter feito Daniela tentar convencer Ryan a não implicar mais com você. Ele está apaixonado por ela. Achei que funcionaria. E também por ter corrido de você. Eu fiquei apavorada...

- Tudo bem, Sofia – Noah pôs as mãos no rosto da amiga – Você só queria me ajudar. Não a posso culpar por isso – Noah a soltou e Sofia permaneceu com os olhos fixos nele – Depois, foi bom ver a cara do Ryan com ciúmes. Ele deve saber que não é o único bonitão da escola.

- Não fique tão convencido. Não acho que Ryan tenha ficado com raiva apenas por ver em você um concorrente em potencial. Ele apenas não gosta de você mesmo.

- Não custa sonhar.

Sofia sorriu.

- Então não está bravo?

- De forma alguma. E nem poderia depois de você ter salvado a minha vida – disse Noah, o que de certa forma surpreendeu Sofia, como se ainda não acreditasse em tudo o que haviam passado.

- Eu queria acreditar que a professora e os outros também tenham se salvado.

- Como eu disse, não sei se estão bem, ou se as cidades foram atingidas, nem se Anselmo estava certo ao dizer que há alienígenas por trás disso – Noah se levantou – Não sabemos nada disso, mas juntos podemos descobrir – ele estendeu a mão para a amiga – o que você me diz?

Sofia pegou a mão do amigo e se levantou.

- Pode contar comigo – respondeu. E ambos, menino e menina, se viraram para encarar a longa estrada que, mesmo castigada pela queda dos meteoros, continuava seguindo, sumindo no horizonte como se tendesse ao infinito.

Jorge Aguiar
Enviado por Jorge Aguiar em 04/04/2014
Reeditado em 07/04/2014
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