O Grito do Medo
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 A mente de Durval corria como um trem descontrolado.
 Um momento atrás ele havia estado em um estupor grogue, totalmente inerte graças ao efeito do alucinógeno. Sua vertigem e latergia se evaporaram em segundos, como uma gota de água que cai em uma panela chiante. Uma golfada de alegria e energia o consumiu, fazendo com que de repente ele se sentisse poderoso.   
 Era como se ele fosse deus do seu mundo, como se pudesse fazer qualquer coisa. Num arrebatamento de nova clareza, compreendeu que era infinitamente mais forte e inteligente do que jamais percebera.
 Mas, no mesmo instante em que começava a saborear essa cascata de pensamentos eufóricos e essa visão iluminada de suas capacidades, começou a se sentir esmagado por intensas ondas de prazer, que podia definir apenas como puro êxtase. Teria gritado de alegria se pelo menos sua boca pudesse formar as palavras adequadas. Mas não conseguia falar. Pensamentos e sentimentos reverberavam em sua mente, num movimento rápido demais para serem vocalizados.
 Qualquer medo ou duvida, que sentira alguns minutos atrás, dissolveu-se nesse novo arroubo e deleite.
 Mas, como seu torpor, o prazer teve vida curta. O jubiloso sorriso que se formara no rosto de Durval contorceu-se, transformando-se numa careta de pânico. Medo.
 Uma voz gritou, ralhando que as pessoas que ele temia estavam retornando. Seus olhos percorreram o quarto. Ele não viu ninguém; no entanto, a voz continuava a gritar. Olhou rápido por cima do ombro, em direção à cozinha que estava vazia. Mas a voz continuava. Agora ela sussurrava um vaticínio mais lúgubre: sabia que iria morrer.
 — Quem é você? – gritou enquanto colocava as mãos nas orelhas, como para bloquear aquela voz. Mais uma vez seus olhos vasculharam o quarto.
 A voz não respondeu. Durval não sabia que ela vinha de dentro de sua cabeça.
 Esforçou-se para ficar de pé. Quando se levantou o ombro bateu contra a mesa de cabeceira. A seringa que pouco antes estava em seu braço caiu com um estrondo surdo. Durval olhou fixo para a seringa, com ódio e arrependimento; em seguida estendeu o braço para pega-la e esmaga-la entre os dedos.
 A mão parou pouco antes de alcançar a seringa. Seus olhos se arregalaram, confusão misturada com um novo medo. Sem nenhum aviso prévio, ele pode sentir a inconfundível comichão de centenas de insetos se arrastando na pele de seu braço. Durval esqueceu a seringa e estendeu as mãos com as palmas para cima. Podia sentir os insetos contorcendo-se nos antebraços, mas, não importava com que atenção ele procurasse os insetos, não conseguia vê-los. Em seguida a comichão espalhou-se para as pernas.
 — Ahhhhhhhhhh! – gritou eufórico, relutante.
 Tentou esfregar os braços, achando que os insetos eram pequenos demais para serem vistos, mas a comichão só fez piorar.
 Usando as unhas, Durval começou a arranhar os braços em frenética tentativa para permitir que os insetos escapassem e o deixassem em paz.
 — Meu Deus! - conseguiu dizer ao perceber que escorria suor em seu rosto. Levou a mão tremula á testa: estava pegando fogo. Tentou desabotoar a camisa, mas as mãos tremulas não conseguiram. Impaciente e desesperado, abriu a camisa, rasgando-a. Botões voaram em todas as direções. Fez o mesmo com as calças, atirando-as no chão. Mas de nada adiantou; vestido apenas de cueca, continuava a sentir um calor sufocante. A seguir, sem nenhum momento de aviso, ele tossiu, engasgou-se e vomitou em uma torrente vigorosa, manchando a parede.
 Durval foi cambaleando em direção ao banheiro. Por pura força de vontade, enfiou o corpo tremulo debaixo do chuveiro e abriu a torneira de agua fria a toda força. Com a respiração entrecortada, ficou parado debaixo da cascata de água fria.
 O alivio de Durval foi breve. Sem querer, um grito de lamento escapou de seus lábios e sua respiração ficou pesada enquanto uma dor lancinante trespassava o lado esquerdo de seu peito e descia rasgando pelo interior do braço esquerdo. Por intuição, Durval sabia que estava tendo um ataque cardíaco.
   Agarrou o peito com a mão direita. Meio caindo e meio cambaleando tentou sair do banheiro. Não importava que estava quase nu, usando sua reserva final de forças, ainda conseguiu segurar na maçaneta da porta, mas era demais para ele.
 Seus olhos estagnados encararam a porta, na esperança que alguém entrasse por ela. Ninguem entraria, pois ninguém se importava. Um grito baixo vazou de seus lábios, mas não ecoou em canto algum, pois jamais poderia ser ouvido:
 — Socorroooo...
Frio e entregue, respirou uma ultima vez, antes do coração parar.
Z
 
Zeni Silveira
Enviado por Zeni Silveira em 05/04/2014
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