O Ceifador

Deveria ser 19h30min da tarde, o vento assoviava balançando as árvores. Junto com a temperatura a noite também caia. Ajeitei a bolsa em baixo de meu braço, continuando meu trajeto até em casa. A pior parte do caminho era passar em frente ao cemitério, que adquiria uma aparência mais assustadora à noite.

Passando em frente a ele ouço alguém chamar meu nome, olhando para todos os lados vejo que não há ninguém além de mim. Impeço os pensamentos ruins que me veem a mente seguindo meu rumo.

Entro em casa, meu pai esta cochilando no sofá com a TV ligada, mamãe deve estar dormindo. Subo até meu quarto, tomo um banho e vou para cama, hoje é terça-feira faltam três longos dias para o fim de semana. Fico pensando sobre o quanto vou descansar no sábado e domingo até cair em sono profundo.

Pela manhã encontro meu pai carrancudo na mesa do café. Algumas pessoas tem talento na pintura, outras na escrita ou desenho, e o talento do meu pai é reclamar. Ele é ótimo no que faz.

Mamãe me fez um sanduiche, o qual fui comendo até o ponto de ônibus. Meu emprego era como secretária em uma clínica. Meu expediente acaba as dezessete e pouco, porém até pegar dois ônibus só conseguia chegar depois das dezoito em casa. Este é o lado negativo do meu trabalho.

Atravessando a rua me distrai com o toque do celular, era o alarme me avisando ser dezoito em ponto. Não me lembro de tê-lo colocado para despertar.

Um som de buzina me fez pular, o carro desviou de mim e bateu no muro. Culpa minha. Uma aglomeração se fez em volta do acidente, será que nunca viram ninguém bater o carro.

Continuei meu caminho e entrei no ônibus, senti uma pontada de remorso pelo acidente.

Quando dei por mim já estava passando em frente ao cemitério, de um canto escuro surgiu um rapaz. Acenou com a mão quando me viu.

- Ei – gritou aproximando-se. Sua expressão era séria. – O que está fazendo? – perguntou. Estava vestindo uma camiseta preta e um jeans. Camiseta naquele frio.

- Eu o conheço?

- Sim, eu também a conheço.

- Me conhece de onde?

- Não importa o que está fazendo? – disse rispidamente.

- Indo para casa.

- Para casa? – franziu o cenho, parecia incrédulo.

- Sim, eu vou indo. Adeus.

- Não pode ir como se nada tivesse acontecido.

- Está me confundindo com alguém. – o deixei falando sozinho, era tarde para estar na rua, ainda mais com um maluco. É falta de educação fazer isso, eu sei, mas ficar de bobeira na rua a noite é burrice.

Olhei por cima de meu ombro, ele não estava mais lá, deve ter ido embora. Bom. Cheguei em casa, todos estavam dormindo. Fiz o de costume, tomei um banho e fui para a cama.

Quando acordei tomei um banho rápido me vestindo para o trabalho, na cozinha e na sala não havia ninguém. Um choro abafado vinha do banheiro que fica ao lado da porta do quarto dos meus pais.

Ele estava trancado, chamei por minha mãe e meu pai e não ouvi nenhuma resposta. Devem ter saído e eu estou ouvindo coisas. Repeti essa frase para mim mesma até o ônibus chegar.

No trabalho tento ligar para minha mãe, mas ela não atende. A data e a hora do meu celular dizem ser quarta-feira, dezoito horas. Quarta-feira foi ontem, hoje é quinta. Arrumo o horário e a data, guardando-o novamente em minha bolsa.

Após acabar o expediente ajeito minhas coisas para ir embora, tenho de passar pela mesma rua em que quase fui atropelada para chegar até o ponto. No local há outro acidente, para meu horror há sangue no chão perto do carro. Ninguém está seguro nos tempos de hoje.

Em frente ao cemitério percebo que está acontecendo um sepultamento, há muitas pessoas lá. Que vá com Deus seja lá quem se foi deste mundo.

- Estamos tentando – pulei. Ele estava ao meu lado. Como eu não o vi?

- O que? – não respondeu. Devo fazer outra pergunta. – Me conhece de onde?

- Eu conheço muita gente.

- Como você se chama?

- Você sabe.

- Não vai me dizer? – balançou a cabeça negativamente. Merda. Caminhamos em silencio até minha casa. Despeço-me dele enquanto abro o portão.

- Alguns espíritos não sabem quando parar. – sussurrou virando-se em direção de onde viemos. O que ele quis dizer?

Hoje é sexta. Levanto-me feliz da cama. Ontem à noite não vi meus pais, os procurei pela casa toda, não estavam em lugar algum. Só vou ter a certeza de vê-los no sábado. Acho que meu celular estragou o horário e a data ainda mostram ser quarta-feira às dezoito horas. Do quarto vou até o banheiro me pentear. Normalmente não me penteio em frente ao espelho, na maioria das vezes acordo atrasada, só da tempo de um banho rápido, vestir uma roupa e voar pro ponto de ônibus. Nem paro em frente ao espelho.

Fito a criatura pálida no espelho. Oh Deus, eu estou tão pálida, o que há de errado comigo. Pareço... Não, deve estar faltando vitaminas no meu corpo. Deve ser isso, tem de ser isso.

No trabalho passei o tempo todo pensando sobre a frase que aquele rapaz me disse, por que ele disse aquilo? Ele não respondeu nada do que eu perguntei. Espero não vê-lo novamente. E a minha palidez, quando minha mãe me ver ela vai ficar maluca.

No fim do trabalho naquela mesma rua amaldiçoada havia outro acidente, desta vez não havia ninguém. Resolvi olhar de perto. Entre o muro e carro estava o... Corpo. Oh Deus, imprensado ali. Sua face estava ensanguentada, a frente do carro amassada.

Um celular tocou um toque parecido com o meu. Procurei pelo chão encontrando-o. Droga é o meu celular, não me lembro de tê-lo derrubado. Era o alarme dezoito horas, quarta-feira. Um pequeno ícone avisava-me uma nova mensagem.

| Te aguardo em frente ao cemitério.

| Espero que tenha entendido agora.

|Recebida:

|18:01:50pm

|09/04/2014

|De: (sem nome)

| (número desconhecido)

Flashes de uma memória não acessada vieram em minha mente. O carro. A dor. Ele nunca desviou de mim.

O rapaz estava encostado no poste em frente ao cemitério. Ele parecia contente.

- Chegou rápido.

- Porque não me trouxe logo pra cá assim eu não precisaria pegar condução.

- Achei que gostasse.

- Eu sei agora. O sepultamento ontem era meu.

- Correto.

- Porque não me disse antes? Sabe... que eu estou... – engoli em seco – morta – terminei.

- Não podemos interferir se quer ficar como um espírito errante a escolha é sua. E se quiser seguir o caminho que deve seguir, bom você sabe...

- A escolha é minha. – o interrompi – Você é Deus? – Ele franziu o cenho e logo após gargalhou alto. Estava morrendo de rir na minha frente. Irônico, não? Quando se recompôs, ajeitou sua postura. - Você é a morte?

- Sou um ceifador. Ele esta num posto mais alto que o meu.

- Vamos. Céu ou inferno?

- Purgatório. Precisamos julga-la.

- Depois eu vou para o céu?

- Talvez algum dia. Provavelmente vai reencarnar. – terminando a frase entrou em metamorfose. Sua aparência deu lugar a uma criatura assustadora.

A nossa volta tudo escureceu. Fomos engolidos pela escuridão. Os olhos da criatura brilhavam um vermelho sangue. Agora estamos em uma floresta escura, bastante escura. Há seres medonhos por aqui. Seco com as costas da mão as lagrimas que caem em meu rosto e sigo o ceifador por entre as árvores. Estamos indo. Adeus.

Jessica Alana
Enviado por Jessica Alana em 13/04/2014
Código do texto: T4767431
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