A boneca da Xuxa - (o-XU-m e o-XA-lá) - Final de lendas malditas III

Em sua cama Bianca sentiu que algo a abraçava, sob o calor do edredom rosado, abriu os olhos e virou lentamente o pescoço na direção de sua incomum companhia.

- Oh Deus!! – Ela exclamou sorrindo e abraçando-a. - É tudo que eu sempre quis! – Ali ela ficou por mais um tempo, brincou com a pequena que permanecia quieta. A jovem menina ainda sentia-se estranha nesse dia, um leve formigar em suas pernas. Passou as mãos sobre o local e assustou-se ao ver o vermelho carmesim que tingia suas unhas e dedos.

Espantada puxou o cobertor e jogou-o ao chão. Viu os arranhões em suas pernas, como se algum animal tivesse a arranhado enquanto dormia. Segurando a nova amiga nos braços Bianca se arrastou pela cama até a beira e com uma das mãos puxou sua maior companheira do dia a dia para si.

Apoiou as palmas das mãos sobre o colchão e ergueu seu corpo. Com a mesma dificuldade e ao mesmo tempo com a comum persistência e garra que sempre tinha projetou sua força ao máximo e após alguns míseros minutos alcançara seu primeiro objetivo.

Sentada sobre a cadeira, apoiou suas mãos sobre as rodas e em movimentos hábeis começou a se locomover. As rodas giravam vivas enquanto Bianca ao invés de trocar passos, brincava com seus braços como se estivesse a remar num lindo lago, sobre um caiaque.

Com tamanha precisão ela virou a cadeira e entrou no quarto da mãe que ainda adormecia aparentemente exausta. Olhou-a por um instante, em seguida parou a cadeira ao lado da cama e flexionou seu corpo, jogando-se para cima de sua mãe. A cadeira seguiu o impulso e moveu-se de ré até chocar-se com a parede. Os pés de Bianca estavam suspensos no ar, ela com o corpo sobre o de sua mãe que acordou repentinamente recebendo um caloroso abraço de sua pequena Bianca.

- Ah... Muito obrigado mamãe! Eu a queria tanto! – Ela disse em meio lágrimas.

Rita sentia a felicidade da filha pelo presente que recebera. Há tempos ela pedira a sua mãe que lhe desse aquela boneca. Olhou para a cadeira e lá estava a pequena. Viu que a mesma tinha as unhas tingidas de vermelho. Pensou se não estaria louca e concluiu que de certo não a havia observado tão bem ou quiçá aquilo fosse apenas um reflexo da noite intensa que havia vivido.

- Que bom que gostou minha linda, faço tudo por você meu amor! – Rita disse abraçando-a. Naquele momento a dançarina olhou para a filha, viu aquele lindo sorriso no rosto, os olhos acesos, e então viu o pescoço de sua Bianca. Havia pequenas manchas de sangue entorno de seu pescoço. A streper logo se viu surpresa.

- O que é isso? – Ela perguntou a Bianca que mal sabia do que ela falava.

- Isso o quê? – Ela perguntou em resposta.

- Tem sangue no seu pescoço querida. – Ela disse passando a mão sobre o local e percebendo que não havia ferida alguma ali.

- Ah, mamãe, não é nada. Só algum bicho, ou algo na cama que arranhou minha perna, pode ter sido algo que ficou no lençol ou no cobertor. Não se preocupe mamãe. – Bianca acalmava-a.

Ainda receosa Rita sentou-se na cama e levantou as pernas da calça de sua filha vendo que as pernas estavam arranhadas. Sua filha obviamente não sentira dor alguma, mas os traços finos não poderiam ter sido feitos por um animal, ou poderiam. Ela pensou nos ratos que ela tanto tentava exterminar em sua casa, mas seria possível? Confusa Rita correu até o guarda roupas, pegou um perfume e bateu contra o local.

- Vou bater isso pra impedir que infeccione. – Ela disse lembrando-se que não possuía álcool em casa.

O dia passou rapidamente, Rita dormira após o almoço para recompor-se, enquanto Bianca brincara com a boneca o dia todo, cantarolando suas canções prediletas. Sua felicidade era tanta que mal percebia a cara de tédio que a boneca carregava no decorrer das brincadeiras.

Bianca penteava o cabelo da boneca, despia-a e vestia-a repetitivamente. Ela imaginara que sua mãe devia ter dançado muito para conseguir pagá-la, mas ela mal sabia de toda estória.

No horário de sempre Rita se despediu da filha e pediu que ela trancasse a casa deixando-a sozinha. Mas era assim que as duas viviam.

A noite transcorreu sem muitos empecilhos, ou desvios de sua rotina normal, sem extras por hoje. Rita chegou a sua casa ao amanhecer, o sol encabulava a lua com todo seu brilho e as estrelas já estavam apagadas há essa hora.

Chegando a casa, viu que haviam dois jornais na sacada. O do dia anterior e o do dia. Ela apanhou-os e levou para dentro. Entrou, e foi até o quarto da filha, lendo o jornal e pulando a capa que fazia questão de estampar as piores tragédias do dia anterior. Ela sempre queria ver o resumo de suas novelas, nada mais que isso.

Chegando ao quarto da filha, viu que a mesma estava com o rosto coberto, ouviu sua respiração, pousou a mão sobre o tecido e recuou devagar, a passos sorrateiros fazendo o possível para não acordar Bianca.

Ainda com o jornal em mãos seguiu para cozinha, tomou seu achocolatado e sorriu ao ver que a vilã seria desmascarada naquele dia.

- Essa novela ta que ta. – Ela disse a si mesma, entusiasmada.

Entrou no banheiro, e viu a foto da boneca em uma das paginas promocionais do jornal, segurando-a estava a Rainha. Tantas vezes ela também a vira na televisão, por tantas vezes ela também cantou com ela. Ah, como deve ser bom ser como você, famosa, ter tudo na vida, ter uma mãe, ter dinheiro sem precisar fazer nada em troca. Como você é feliz.

Largou o jornal e seguiu para o banheiro deixando sua roupa a porta. A água fria caia sobre seu corpo, gota a gota unindo-se tal qual um cordão d’água, o alivio era imediato, como uma massagem que lhe afagasse a alma. De olhos fechados Rita pedira perdão a Deus pelo modo como ganhava a vida e pedia por sua filha, que nada de mal acontecesse a ela.

Ali, em num transe momentâneo algo a despertou, como uma voz que chegasse ao longe, transpassando as barreiras da água, como se ela estivesse imersa em um mar profundo. Por fim ela reconhecera a voz, ela ouvira o grito.

Saiu correndo deixando a água jorrar e escorrer ralo abaixo abriu a porta e patinou por breve momento, logo se equilibrando sobre a cerâmica lisa e escorregadia. Chegou ao quarto e a viu.

A boneca estava lá, jogada no chão, inerte, com as unhas ainda mais vermelhas que antes, mas os mesmos olhos de plástico, a mesma roupa vermelha. Na cama, Bianca mostrava as mãos repletas de sangue, as unhas encardidas daquele mesmo carmesim e as pernas sangravam sob o moletom.

- Me ajude mamãe! – Ela pediu aparentemente conturbada com a situação.

- O que é isso? – Rita estava apavorada, tirou a calça de Bianca e viu o quanto os arranhões estavam profundos. O sangue minava ininterrupto, o pescoço de Bianca tingido da mesma cor. – Sente alguma dor? – Ela perguntou, já sabendo que desde o acidente Bianca mal sentia as pernas, apenas um leve fumigação, isso se algo penetrasse ao ponto de alcançar a epiderme.

- Não, mamãe. Acordei assim, eu to com medo! – Ela disse chorosa.

Rita vestiu-se, lavou Bianca, e juntos seguiram para o hospital. Lá, uma média a atendeu e logo suspeitou da mãe. Um interrogatório logo surgiu. Queriam saber onde Rita estava, se Bianca não tinha problemas, além daqueles, se ela poderia ter feito aquilo nela mesma. Um turbilhão de acusações indiretas a encurralavam. Rita sabia que não podia falar em que trabalhava, tampouco dizer que sua filha ficava sozinha naquelas condições em casa. Ela não poderia correr o risco de perder a guarda da filha.

Ali ficaram a tarde inteira. Rita estava confusa. Bianca disse que não sabia o que estava acontecendo, que ninguém esteve no seu quarto, e que ela nunca faria aquilo. A médica olhava-as intrigada a cada resposta obtida. Dava para sentir a desconfiança dela a cada vez que soltava o ar, entediada.

Rita não podia faltar ao trabalho, mas também não podia deixar a filha sozinha em casa. Tudo estava tão confuso. Ao chegar a casa, foram até o quarto. A boneca estava lá, deitada na cama. A principio Rita não notara nada de incomum, deixou Bianca ao lado da loirinha e seguiu para a cozinha afim de preparar uma sopa para a filha. Enquanto refazia seus passos em sua mente, lembrou-se da imagem da boneca no chão antes de saírem, e tivera a certeza que não a colocara na cama. Logo ela percebeu que havia algo de errado.

Correu para o quarto de sua filha e viu-a brincando com a boneca. Olhou as duas, chegou com cautela no local e então se abaixou rapidamente. Olhou debaixo da cama, espiou no guarda-roupa e em todos os cantos do quarto. Ela tinha certeza que alguém entrou ali. Alguém que descuidosamente colocou a boneca por sobre a cama.

Bianca acompanhava os passos da mãe, ela e a boneca de olhos abertos.

- O que você quer mamãe? O que está procurando? – Bianca falava mexendo simultaneamente com a cabeça de sua boneca, como se a mesma falasse. – Conta pra xuxinha mamãe. Conta! – Ela disse.

- Não é nada filha, não é nada. Ela disse revelando a faca que carregava escondida atrás de si. – Apenas estou procurando uma cebola, você sempre traz coisas da cozinha para cá, para brincar de comidinha. É só isso. – Ela respondeu.

A tarde passou rápido. Bianca não largava a boneca, era quase uma obsessão. Chegada a hora de sair pra o trabalho, Rita estava tensa, ainda não tinha se aprontado. Foi ao telefone e ligou para Beto. Mas uma voz diferente atendeu.

- Beto? – Ela perguntou.

- Não, detetive Rogério, quem fala? – A voz respondeu. Rita ficou assustada e então ligou o radio. Algo dizia para ela que ali teria as informações necessárias. A voz do locutor chegou potente aos seus ouvidos.

Vamos ao vivo com Bia Fernandes, no caso da Boate do bairro Petrópolis.

- É Carlos Brasil, um crime realmente grotesco. Beto Bomba e seu patrão Rubens Prata, foram encontrados mortos nessa tarde. Cada um levou três tiros no peito e dois na cabeça. Há outro corpo não identificado, o homem pesa em torno de cento e cinqüenta quilos, mas não se sabe se restou algum sobrevivente desse estranho tiroteio. Briga de gangues? Bem Carlos, o que sabemos é que essa boate hoje não abre aqui no jardim Petrópolis. Essa foi bia Fernandes para Radio Patrulha, o seu jornal diário.

- Meu Deus! – Disse ela sentando-se no sofá. Rita estava livre, os olhos dela marejaram. Agora ela precisava arrumar outro emprego, mas essa era a chance que tanto queria para livrar-se daquela vida. A noite chegou. Bianca estava assustada, temia que alguém entrasse lá e a cortasse novamente, por fim Rita deu-a um calmante e resolveu deixar que Bianca dormisse em sua cama.

O homem com os olhos afundados no abismo de sua pútrida alma olhou pela janela vendo que as luzes jaziam apagadas. Ele a seguira no dia seguinte, sabia que logo teria o que queria, supriria aquele desejo insano que o tomara desde aquela noite onde ela o mordera como uma cadela vadia. Sentiu seu coração acelerar ao girar a maçaneta após abrir a porta com dois simples clipes.

Andou sorrateiro, pisando baixo até que ouviu o barulho de pequenos passos, como se ratos caminhassem pela casa. Parou, olhou ao redor, mas não havia nada ali.

No quarto Bianca e Rita dormiam, sozinhas, pela primeira noite a boneca não estava em seus braços. Rita acordava a toda hora vigiando-a enquanto a porta de seu quarto permanecia cerrada.

Andando de forma estranha e demoníaca a pequena criatura infernal, vagava com seus pequenos pés, ela carregava em suas mãos uma faca enquanto seus olhos seguiam cada movimento do homem que ela estava pronta a ceifar a vida.

Ele saiu do quarto de Bianca e viu que o de Rita estava fechado, só podia ser lá. Saiu caminhando e quando parou perto da mesa e ouviu novamente aqueles passos soturnos. Naquele instante sentiu a lâmina extremamente afiada passar horizontalmente em seus calcanhares, rápida e metódica, cortando a ambos.

Ele caiu de joelhos e antes que pudesse gritar ele a viu, a boneca com o rosto já não tão bonito, porém de semblante demoníaco, sorriu de volta, fitando-o com um olhar tão frio que chegava a ser hipnotizante.

- Vadia! – Ele disse, segundos antes de sentir a lamina cortar seu pescoço. A boneca o viu caindo e então o olhou mais uma vez e seguiu para o quarto de Rita, empurrou a porta que jazia apenas encostada e subiu na cama, agarrando-se ao lençol, deitou-se ao lado de Bianca e abraçou-a com as mãos cheias de sangue.

Rita acordou durante a madrugada, viu a filha repleta Daquele mesmo liquido, olhou para as pernas dela e viu que não havia nada. Sobre a cama viu a faca que jazia repleta de sangue. Tomada pelo medo, segurou-a firme e rumou na direção da sala. Ao chegar lá, proferiu um grito, tamanho o susto pela imagem de horror que presenciava. Aquele mesmo homem que havia tentado estrangulá-la estava morto sobre seu carpete. A cabeça caída de lado, quase separada do corpo e os calcanhares cortados profundamente.

Rita olhou por todos os lados, mas o que a assustou foi ver as pegadas no chão, pequenas pegadas pintadas a sangue, indo em direção ao seu quarto. Quando caiu em si, sabia que ou estava louca ou a boneca ganhara vida. Pensou em ir até o quarto quando viu a porta bater a sua frente.

Ela então começou a esmurrar a porta. Queria entrar a todo custo, começou a esmurrar e enfiar a faca contra a madeira repetitivamente enquanto a boneca estava sentada sobre a cama balançando seus pequenos pés. Ela acariciava os cabelos de Bianca que ainda dormia. Enquanto isso suas unhas cresciam desproporcionalmente. A boneca soltou-a um pouco, e olhou por sobre o criado, caminhou em cima da cama e foi até o que via. Apertou cada quadradinho fluorescente daquele, os três em seqüência e assim que ouviu a voz ela disse o que deveria.

Enquanto aguardava o chegar de seus convidados, ao som das batidas desesperadas da porta, A boneca começou a passar as unhas afiadas nas pernas de Bianca, rasgando a pele cada vez mais, arrancando os curativos enquanto o sangue jorrava. Por fim ela viu a um buraco ser aberto na porta, abruptamente um olho esverdeado apareceu tapando aquela claridade passageira.

Rita olhava pelo furo que havia feito, gritando desesperadamente para que a boneca largasse sua filha. Mas A pequena Xuxinha abraçou o pescoço de Bianca e com suas garras começou a apertar cada vez mais forte, até que num súbito instante Bianca abriu os olhos em total desespero, esses quase saltando para fora de suas órbitas enquanto ela engasgava com sua falta de ar. As unhas da boneca já estavam aterradas na pele frágil da garota que enfim desfaleceu-se.

Rita estava atônita, olhava para sua filha, morta, a boneca zombava com um olhar maquiavélico enquanto o barulho das sirenes soava alto na rua. As batidas à porta surgiram repentinamente, até que a mesma fosse arrombada.

O detetive Rogério, o mesmo que atendera ao telefone da boate quando Rita ligara, atendeu também a chamada de socorro feita pela meiga voz da garotinha ao telefone, pedindo ajuda, pois sua mãe acabara de matar o amante e agora dissera que iria matá-la também.

Rita gritava para que eles não atirassem, insistia que a boneca da Xuxa matara sua filha, que a Xuxa, tinha um pacto com o diabo. Que a boneca era o próprio demônio. Mas os policiais apenas viram uma singela boneca, meiga, loira e de unhas pintadas de um vermelho encantador.

Rita era louca, e isso foi no que eles acreditaram. Mas e você, o que acha?

Segundo alguns “loucos” Xuxa vem de Oxum e Oxalá, daí o porquê da apresentadora se referir a Deus como “O cara lá de cima”. Lenda ou não, não vale a pena arriscar não é mesmo? Sai pra lá boneca!

Fim!

A todos um forte abraço e que Deus lhes abençoe e ilumine sempre!

Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 14/04/2014
Código do texto: T4768953
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