O QUILOMBO

O dia amanheceu cinzento, nuvens cor de chumbo carregadas de maus presságios postavam-se sobre o Quilombo dos Palmares.

Zumbi tinha estampado em seu olhar toda a preocupação a respeito da possível invasão que se avizinhava. Os outros negros pareciam não perceber a gravidade do problema, sentiam-se protegidos, tinham o quilombo como um lugar seguro e onde poderiam tranquilamente reconstruir suas vidas que a muito haviam sido roubadas pelos senhores de escravos.

Ao sopé da grande montanha, onde muitos outros brancos já haviam estado, Domingos Jorge velho organizava a maior expedição já enviada para destruir o grande Quilombo dos Palmares. A região era muito perigosa e a floresta que a envolvia era muito densa e cheia de perigos escondidos, mas para Jorge Velho nada disso importava, pois estava decidido a acabar de uma vez por todas com o maldito quilombo e com o endemoniado negro Zumbi.

O ódio pelos negros que existia na alma de Jorge Velho tinha origem no fato de sua mãe ter sido supostamente morta por um negro da fazenda onde viviam, no entanto sua raiva era infundada, pois quem realmente havia morto sua mãe fora o senhor da fazenda, que tendo se apaixonado pela mesma, tentou força-la a manter relações sexuais, como houve resistência, o senhor aplicou uma facada certeira no coração da jovem senhora e para fugir da culpa, acusou um de seus negros.

Mesmo sob os protestos do negro e sob a alegação de inocência, o pobre escravo foi morto pelas mãos de Honorato, pai de Jorge Velho, que vingou sua honra com o sangue daquele que era tido como culpado.

Jorge Velho era garoto e cresceu odiando os negros, tendo jurado para si e para seu pai, que quando fosse homem feito tornar-se-ia capitão do mato e caçaria todo negro fujão que existisse no mundo e que os traria vivos ou mortos, mas se vingaria do que havia acontecido.

E assim o fez, ganhou fama de grande caçador, ninguém escapava-lhe do laço ou do chicote e assim, foi contratado para dar um fim ao Quilombo dos Palmares.

Muitos já haviam fracassado nessa tentativa, pois Zumbi comandava tudo de forma organizada, tinha seus soldados de elite, negros capoeira que sabiam manejar com maestria tanto o corpo como as armas de lança.

O quilombo por sua vez, mas parecia uma grande cidade encravada na montanha e lá se produziam os alimentos para a subsistência, se produziam as armas para a defesa e os moradores eram insuflados por um grande senso de liberdade, onde deveriam dar as próprias vidas para defender tanto a sua liberdade quanto a de seu irmão de cor.

Zumbi tinha vindo da África ainda jovem, havia acabado de tornar-se rei, seu pai havia falecido em um confronto com outra tribo e assim, a liderança passou para suas mãos. Desde cedo, seu senso de responsabilidade e de liderança haviam aflorado e assim, comandava tudo com mão de ferro, mas também com sabedoria e justiça.

Em uma incursão pelas florestas de sua amada África, foi surpreendido por um grupo de caçadores de escravos, a luta foi acirrada e seus seguidores resistiram com bravura, no entanto, os inimigos estavam em maior numero e assim, Zumbi foi aprisionado juntamente com os seus, e enviado para as terras brasileiras.

Na fazenda para onde foi enviado, ele trabalhava duro, mas no fundo de seu coração, a ideia de liberdade nunca morreu. Lá, conheceu Quitéria uma feiticeira muito poderosa que recebia as entidades dos negros mortos que lhe ensinavam feitiços e formulas poderosas para controlar as pessoas e as almas.

Quitéria tinha um plano para matar todos os moradores da casa grande e contava com a força de Zumbi para alcançar seu objetivo. Ela tinha recebido uma entidade que lhe ensinou uma poção para ser posta na água da casa grande, que faria com que todos entrassem em um sono profundo e assim, ficaria mais fácil escapar.

No dia e hora combinado a poção foi posta na água e depois de todos adormecerem, foram levados para fora da casa e amarrados aos troncos. Quitéria ordenou que fossem despidos e pediu para aguardarem os senhores acordarem. Quando os brancos recobram os sentidos, e se viram naquela situação, ficaram desesperados, pediram clemencia no entanto não foram ouvidos e a tortura começou.

Primeiramente foram chicoteados, as mulheres foram estupradas e depois tiveram o bico de seus seis arrancados por mordidas, por fim, foram empaladas por uma vara que atravessava-lhes o ânus e penetrava suas bocas.

Os homens assistiam a tudo horrorizados, após serem chicoteados, pegaram o filho do senhor da fazenda e colocaram explosivos em seu ânus, acenderam e o explodiram vivo, esse tipo de tortura, Quitéria tinha presenciado na ilha de Santo Domingo, onde os franceses faziam o mesmo com seus escravos e agora ela repetia com os brancos que tanto a torturaram.

O senhor foi esquartejado, seus pedaços foram assados e deglutidos pelos escravos, que enlouquecidos e enfeitiçados riam como loucos e dançavam em torno de fogueira canibal.

Por fim incendiaram a casa grande e fugiram para a localidade que agora tinham como lar, O Quilombo dos Palmares.

Zumbi foi consultar Quitéria sobre um possível ataque, ela disse para ele se preparar, que suas entidades tinham acabado de lhe avisar, que deveriam lutar com todas as suas forças para derrotar o inimigo.

O guerreiro negro colocou seus homens em posição de ataque ao invés de esperarem pela investida de Jorge Velho, mandou um grupo em direção ao caçador, para que pudessem pega-lo de surpresa.

Conseguiram tomar o acampamento de assalto, no entanto a luta foi acirrada, Jorge Velho tinha muitos homens e não se rendeu facilmente, ao contrario disso, conseguiu reverter à situação e aprisionou os guerreiros exigindo que os levasse até o Quilombo.

Otocha, um dos guerreiros aprisionados, seguiu na frente e quando já estavam as portas do quilombo, desvencilhou-se de suas amarras e correu em direção ao portão de entrada gritando que estavam sob ataque, foi atingido por um tiro de arcabuz que atravessou-lhe as costas, trazendo seu coração para fora.

Ao contrario do que Jorge Velho pensava, os quilombolas haviam deixado local e tinham se escondido em outro ponto da montanha, o ódio tomou conta do caçador que começou a destruir as casas dos quilombolas, quando de repente os grandes portões foram fechados e o caçador e seu bando viram-se encurralados.

Zumbi havia armado um golpe de mestre e agora era o caçador que estava em posição de caça. Ele mandou incendiar tudo para que todos morressem queimados, que os demônios brancos perecessem com o fogo.

Jorge Velho conseguiu escapar por uma brecha no cercado, mas foi perseguido e capturado, assistiu a seus homens serem queimados vivos e os gritos de dor e horror dos mesmos, fazia-o enlouquecer.

Zumbi agradeceu por ter apanhado o grande caçador de negros e disse para ele, que tinha um tratamento especial, um tratamento vindo do inferno.

O que Jorge Velho não sabia, era que a fortificação destruída era apenas uma dentre outras três que existiam pela montanha e que era por isso que os seus antecessores nunca haviam tido êxito em destruir o quilombo.

Levaram-no para uma segunda fortificação e amarraram-no em um grande poste fincado no centro do terreiro, seus braços e pernas estavam presos de maneira dispersa, onde o mesmo ficava de braços e pernas abertas como se fosse uma estrela, sua cabeça estava amarrada ao grande poste, desta forma o caçador não poderia movimentar.

Do centro de um grande barracão, surge Quitéria, a centenária guardiã do quilombo, ela aproxima-se de Jorge Velho e lhe diz:

- Branco desgraçado, hoje é um dia muito honrado para você, meus demônios estão famintos e você servira de alimento para saciar a fome deles!

Jorge Velho estremeceu, pela primeira vez sua alma gelou diante das palavras da feiticeira negra.

A velha chamou a todos para reunirem-se em volta do prisioneiro e após feito isso, posicionava-se a frente de um a um e dizia palavras inaudíveis mas que imediatamente surtiam um efeito transformador na forma física do negro que recebia as palavras do feitiço.

O primeiro homem a sua frente, caiu ao chão contorcendo-se e de sua cabeça, começaram a surgir grandes chifres pontiagudos como a ponta de uma faca, suas unhas cresciam em torno de uns quinze centímetros e pareciam agulhas de aço, de sua boca surgiam grandes presas que poderiam rasgar um homem com apenas uma só mordida.

A transformação se repetiu em todos os presentes. Jorge Velho, pedia para morrer de uma vez por todas, que Deus o perdoa-se por ter feito tanto mal, mas a única coisa que recebia como resposta, era a gargalhada aterradora de Zumbi.

Quitéria que na verdade era a grande orientadora espiritual daquele grupo, deu a ordem para servirem-se, mas zumbi tomou a frente e pôs-se diante de Jorge velho. Primeiramente arrancou-lhe as orelhas e jogou para seus demônios famintos, em seguida extirpou o nariz do caçador, que gritava de dor e desespero por estar sendo devorado vivo.

E assim foi feito, o grande caçador foi devorado vivo e cada pedacinho seu, foi saboreado por todos os participantes daquele almoço macabro.

A alma de Jorge Velho libertou-se dos seus restos mortais e pretendia afastar-se de todo aquele horror, no entanto, surgiu a sua frente Quitéria já transformada em outro demônio que o aprisionou, fazendo de sua alma, uma alma escrava, uma alma que não tinha direitos, uma alma que não poderia descansar nunca, uma alma escrava, assim como os negros escravos que ele tanto perturbou quando estava vivo.

Obs. : É apenas um conto, e nada tem de preconceituoso, seja para com os negros ou os brancos. Somos todos iguais, onde o que nos difere, é apenas o caráter de cada um.

Tony Monteiro
Enviado por Tony Monteiro em 21/05/2014
Reeditado em 09/07/2014
Código do texto: T4815205
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