MERCADOR DE ALMAS

A rodovia se mostrava longa como o inverno que não queria cessar. O frio cortava a pele, que não se cobria com roupas. O mês era julho, e o carro era velho, não impondo limites ao frio que vinha do lado de fora. Era tardinha duma quinta-feira que passara toda nublada, e com chuvisqueiro teimoso. A má notícia havia chegado pela manhã, sobre a morte de um velho tio. Eram unidos, e logo ao sair do trabalho rumaram para o velório do parente. A viagem era longa, moravam na capital, e teriam de enfrentar mais de trezentos quilômetros, pretendiam chegar pela madrugada, e na manhã do dia seguinte acompanhar o enterro.

Iam, Seu Renato, sua esposa Fátima, e seus dois filhos, Ronaldo de dezessete, e Carina de quinze. Junto também foi Beto, amigo de Ronaldo. A viagem já passava da metade, e fazia uns vinte minutos que haviam cruzado uma pequena cidade, haviam saído da rodovia federal, e agora trafegavam em estradas estaduais. Estava um breu, e o chuvisqueiro, vez por outra, obrigava-lhes a ligar o limpador, a visibilidade quase não existia, e Seu Renato não conseguia andar mais rápido que setenta por hora.

As curvas eram perigosas, e de trecho em trecho penhascos se insinuavam aos motoristas desatentos. Seu Renato não alterava o ritmo, pretendia chegar com segurança. Levou um susto enorme quando um farol iluminou o interior de seu carro, e tirando um fininho por eles um caminhão passou como raio. “Isto é um louco!” Praguejou Seu Renato. Passado o susto, percebeu que tudo estava mais escuro, que se desligasse os faróis não enxergaria mais de meio metro à frente. Além do clima pesado, passava por um trecho circundado de florestas, o breu era completo. Teve de diminuir a velocidade ainda mais.

Já haviam andado mais de dois quilômetros na escuridão, quando algo lhe chamou a atenção. Ao lado esquerdo, em meio à floresta, luzes coloridas cintilavam, como se ali tivesse um parque de diversões. Tirou os olhos do volante por um instante, e um solavanco forte atirou o automóvel ao acostamento, e causando o choque dos passageiros dentro do carro. Seu Renato quase cortou a testa. O carro ficou parado, e eles sem entender o que acontecera, Por alguns segundos se calaram, quando voltaram a si viram que o breu cobria-lhes novamente, e não viram nenhum sinal das luzes que há poucos instantes iluminavam todo o lugar.

Seu Renato pegou sua lanterna e caminhou até o ponto de impacto, e ver no que haviam batido. Ao ver um homem, que aparentava ser um andarilho, morto envolto a uma poça de sangue, com seus ossos expostos, sentiu seu sangue gelar. Juntou suas forças, e retornou ao carro. Ligou, e deu partida. “Não foi nada, só um animal que cruzou a estrada. Vamos”. Sem saber, naquela noite o diabo através de suas artimanhas e disfarçado de mendigo havia comprado a alma de Seu Renato.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 10/05/2007
Código do texto: T482171
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