Sem fim.

É estranho o modo como as coisas acontecem. Sempre me perguntei porque o remorso é mais forte que a alegria, e a culpa maior que a gratidão. Nunca obtive resposta satisfatória. Sou triste, infeliz, incapaz. Portanto, prazer em conhecê-lo. E espero que esse sentimento não seja recíproco.

Algo que você deve saber: a eternidade é a pior maldição possível. De todos os prazeres possíveis, nenhum é mais agradável que o fim. Confie em mim, não há dor. É rápido, infinitesimalmente rápido. E não me venha com moralismo, dizendo que a vida deve ser preservada, que é algo divino, e semelhantes. A morte é tão gloriosa quanto a vida, aceite isso. A ausência de um fim é inconcebível e inconsumível.

Tudo que é vivo só é rotulado como 'vivo' por um único fator, imutável: em algum dado momento, vai deixar de ser. Estrelas param de brilhar, fazendo com que o calor que transmitiam cesse. Sabia que tudo o que vemos não passa de uma mera fotografia? Você não vê o sol: vê apenas uma fotografia do sol, de oito minutos atrás. E um dia, essa fotografia vai deixar de existir.

Criações morrerão, e o tempo é a única coisa que irá perdurar. O universo, que hoje se expande de modo acelerado, um dia irá parar de crescer, e a gravidade irá fazê-lo colapsar. Você não estará vivo quando isso acontecer, então agradeça. Eu presenciarei, naturalmente. Observando tudo ser convertido em nada, num ponto tão pequeno quanto um átomo e tão massivo quanto um buraco negro. E então nada além de caos.

Mesmo tendo visto tudo - minha maldição inerte - num intervalo infinitesimal de tempo, as vezes, consigo me surpreender com os humanos desta era. São seres rígidos, mas tão frágeis... tão abaláveis, manipuláveis e pequenos, e mesmo assim conseguem, as vezes, causar-me espanto. A vida - velha conhecida que já vi extinguir-se vezes e mais vezes - é tão sensível e persistente que merece ser apreciada. Sou triste, já disse isso? Ah, sim, no começo do texto... desculpem-me por minha desatenção.

Não sei como ainda não enlouqueci. Não tenho corpo, isso é algo importante. Não tenho vida: desse modo, não posso morrer. Estou apenas fadado a ver o cosmo e o tempo nascerem e colapsarem, sempre do mesmo modo. As mesmas partículas sendo emitidas e aniquiladas, os mesmos átomos se formando, as estrelas - supermassivas - começando a queimar e então, morrendo. A gravidade convertendo-as em anãs brancas, cuja densidade tende ao infinito, ou então buracos-negros, que engolem tudo, até a luz.

Se sentindo minúsculo e inútil? Aproveite. É sua condição.

Eu andei em universos onde as leis da física eram caóticas, onde o tempo fluía de jeito diferente, e nunca pude sentir nada. Você não vai ler esta mensagem, é claro, mas que culpa eu tenho nisso?

Já lhes disse que sou triste? Acho que sim... sou sozinho, aliás, e nunca pude realmente sentir algo físico. Imagine ver tudo, e não poder interagir com nada. Imagine isso infinitamente. Imagine perder tudo, mesmo não tendo nada.

Sinto-me como uma criança, de castigo, sem poder gritar ou falar ou chorar.

Não sei porque escrevo, ou falo, ou busco algo novo. Queria poder ser vivo, apenas para morrer.

O infinito é grande de mais.

Grande de mais.

Miguel Bernardi
Enviado por Miguel Bernardi em 11/06/2014
Reeditado em 18/06/2014
Código do texto: T4841011
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