O Rádio Maldito

Era manhã de uma segunda ensolarada. Maggie, uma descendente de japoneses, com corpo esguio e alto, de seus quarenta e poucos anos, estava em sua casa, dando café da manhã às pressas para seus dois filhos, Adam, de 12 anos, e Joyce, de 15, como fazia toda manhã. O horário no relógio da cozinha marcava 7:45 e os garotos, que estudavam em uma escola a cinco minutos de casa, levantaram rapidamente da mesa e partiram às pressas em direção à escola.

Maggie despediu-se de seus filhos e, assim que eles partiram, fechou a porta.

- É sempre assim... – disse, suspirando – Todo dia...

Recuperou-se do cansaço momentâneo e caminhou pela casa, em direção à cozinha. Arrumava a mesa, limpando as louças sujas deixadas por seus apressados filhos. Repentinamente, para sua surpresa, eis que surge um estranho chiado vindo do outro lado da casa.

Achando estranho, fechou a pia da cozinha, secou sua mão e caminhou em direção ao chiado, atravessando a pequena cozinha e chegando à porta da sala de estar.

Era uma pequena e aconchegante sala de estar. Havia dois sofás encostados na parede, com um pequeno e antigo rádio entre eles. Acima do sofá frontal à entrada da sala pela cozinha, havia uma janela, que dava ao quintal lateral. Do lado oposto, uma estante. Ao lado, uma porta.

O estranho chiado vinha do pequeno e antigo rádio.

- Estranho! – disse, enquanto adentrava na sala em direção ao rádio – Não me lembro de ter ligado o rádio!

Maggie caminhou até o pequeno rádio e desligou-o. O aparelho tinha base retangular, com pequenos botões arredondados. Na ponta oposta do aparelho amadeirado, curvas delimitavam suas extremidades.

- Vai entender... - disse

Maggie desligou o rádio e partiu. Entretanto, para sobressalto de Maggie, quando esta deu o segundo passo para se distanciar do rádio, eis que surge no aparelho uma sinistra voz, dizendo:

- Olá, Maggie!

Tão logo ouviu seu nome ser proferido pelo rádio, Maggie travou. O susto transformou-se em um medo momentâneo, que rapidamente tomou conta de seu corpo.

Maggie virou-se em direção à rádio, com as articulações de seu corpo completamente rijas.

- Desculpe-me pelo susto inicial. Não foi minha intenção!

Maggie sobressaltou-se novamente. Não sabia se estava mais surpresa por um rádio estar falando com ela, ou por um rádio desligado estar funcionando.

O coração da pobre mulher batia incrivelmente rápido. Suor frio começa a escorrer do rosto de Maggie, que perguntou:

- Q...Quem é...é v...você?

- Eu?! – perguntou o rádio – Sou só alguém que quer conversar!

- Como sabe meu nome? Quem é você? – Maggie começou a ficar desesperada.

- Eu sei de tudo, Maggie, não adianta esconder!

- De... tudo? – perguntou. Ficou surpresa. Por fora não parecia, mas o coração da pobre mulher apertou por dentro

- Sim, Maggie, de tudo! De tudo o que passa na sua vida, o dia inteiro...

Maggie fica desesperada. Procura em todos os lugares da casa por alguém ou por algo que pudesse permitir alguém de ver seus movimentos. Contudo, nada conseguiu achar.

- Está procurando por algo, Maggie? Estou aqui. Quem está falando contigo é o rádio! – disse – Não percebe?

Maggie corre até o rádio e o desliga na tomada. O silêncio reinou no local. Maggie aliviou-se, entretanto, só por alguns segundos. Uma gargalhada homérica veio do aparelho.

- É inútil, minha cara Maggie...

- Cale-se! – disse a mulher, com raiva do aparelho. Levantou a mão e projetou-a para destruir o aparelho.

- Eu não faria isso se você fosse... – disse o aparelho. Maggie parou seu movimento no ar - Acha mesmo que eu não vou te repreender se você ousar encostar um dedo em mim?

Maggie sentiu um estranho medo oriundo das palavras do rádio. Um calafrio percorreu sua espinha por completo. Abaixou sua mão.

- Isso mesmo... boa garota!

Maggie estava com medo. Quem era aquele ser, que conversava com ela através do aparelho de rádio, ou que era o próprio aparelho de rádio, e que, mesmo com ele desligado, continuava a infernizá-la?

- O que quer? – perguntou a pobre mulher, irritada – O que quer, filho da mãe?

- Já te disse, só quero conversar! - disse o rádio – Faz tempo que fico aqui, solitário, sem companhia... queria tanto alguém pra conversar!

- Eu não tenho nada pra conversar com um maluco como você! – disse Maggie, ainda irritada, partindo do local

Quando Maggie colocava os pés no pequeno degrau que dava à cozinha, eis que o rádio diz:

- Ah, é? Que pena... então acho que terei de matar seus dois queridos filhos... Adam e Joyce, né? São tão novinhos, com um futuro pela frente... não quero estragar seus futuros brilhantes.

Maggie parou, virando o foco do olhar para o rádio.

- Não ouse encostar um dedo nos meus filhos. Está me entendendo?

- Não creio que você está em condições de intimidações, Maggie. Faça o que eu te peço que eu deixarei seus filhos em paz...

- O que quer, maldito?

- Já te disse, Maggie. Apenas conversar contigo...

- E não pode conversar como uma pessoa normal, sem fazer ameaças? – Maggie estava confiante

- Não creio que você gostaria de conversar comigo normalmente, se a pauta da conversa fosse assuntos como... o Myke.

Maggie sobressaltou-se. Seu coração começou a bater rapidamente e a apertar-se dentro do peito. Ficou emudecida.

- Vejo que quando a conversa é sobre o Myke sua confiança se esvai completamente de seu corpo, não é, Maggie?

- Maldito. Como você sabe...? – o ódio voltou a tomar conta de seu corpo

- Já te disse, Maggie. Eu sei de tudo!

Maggie emudeceu-se.

- Eu tive tanta dó do Gordon quando ele morreu... em 1998, não é verdade? Como o tempo voa...

- Maldito. – gritou Maggie. O desespero tomou conta de seu corpo

- Acalme-se, Maggie. Não fique nervosa! – disse o rádio – É uma conversa pacífica, não tem necessidade de ficar irritada.

- Como não ficar irritada com um crápula que invade minha vida e quer me infernizar?

- Não é minha intenção infernizá-la. Já te disse, apenas quero conversar contigo. Eu pessoalmente acho muito feio o que você e o Myke fazem. Não acho certo!

- O que eu e ele fazemos de nossas vidas não interessa a mais ninguém! – esbravejou

- Será mesmo? – perguntou. A confiança nas palavras que o rádio dizia dava em Maggie um medo angustiante – Mesmo que seja caso de polícia, como foi? Ou você acha que não é caso de polícia matar seu marido junto do Myke para ficar com ele, seu querido amante?

Enquanto o rádio falava, Maggie gritava constantemente para ele se calar. Era como se o aparelho estivesse expondo a verdade para milhares de pessoas e Maggie queria impedi-lo de contar, gritando mais alto que ele. Entretanto, só havia ela de ouvinte.

No final, Maggie estava no chão, chorando, sem forças.

- Por que choras, Maggie? – perguntou o aparelho – Foi você mesmo quem fez este cruel ato!

- Por que está fazendo isso comigo? E como sabe meus segredos?

- Preciso realmente respondê-la? Já estou cansado de responder essas perguntas... Anda, levanta-se daí!

Maggie continua no chão. Estava sem forças para se levantar.

- Anda, levanta-se! – gritou o rádio, impaciente

Com medo do aparelho, Maggie levantou-se.

- Isso mesmo. Boa garota!

- Aonde quer chegar nesta conversa, maldito?

- Em lugar nenhum! – respondeu – Só quero prosear um pouco, como dizia os fazendeiros de antigamente, ou seu marido mesmo... Gordon era um grande homem. Conhecia-o bem. Parado aqui, o dia inteiro, você vai conhecendo todo mundo que entra e sai dessa casa... Até hoje não entendo como você deixou um homem que pagava suas contas e lhe dava do bom e do melhor e trocou-o pelo Myke... Gordon não merecia isso, Maggie. Ser traído pela própria esposa!

- ISSO-NÃO-É-DA-SUA-CONTA! – disse Maggie, irritada

- Myke foi preso pelo assassinato do Gordon, se eu não me engano. Oito anos de prisão. Agora está livre, não é verdade? Depois de tantos anos, ele está livre. E vem aqui todo dia, não é verdade? Não acha estranho trazer um amante pra casa sem seus filhos saberem?

- Cale-se, maldito! – Maggie estava impaciente com a situação. Não queria ser destruída continuada-mente pelas palavras sinistras do rádio.

Partiu do local. Ao lado da porta de saída da casa, se encontrava um telefone fixo. Colocou a mão no gancho e retirou-o. Iria discar para a polícia.

- Acha realmente que eu não tenho coragem de matar seus filhos, Maggie? – perguntou o rádio. Continuava confiante, o que amedrontava a pobre mulher – Sei que tanto Adam quanto Joyce estudam na Escola Hitsugi, não é verdade? Posso matá-los facilmente... se não quiser vê-los mortos, coloque este telefone no gancho e venha até aqui.

O medo tomou conta de Maggie. O rádio sabia inclusive a escola onde Adam e Joyce estudavam. Poderia estar blefando, mas Maggie não queria fazer uma aposta com um risco tão alto. Colocou o gancho do telefone no lugar e caminhou de volta à sala. A tristeza aparecia em seu semblante. Estava para chorar, mas não queria demonstrar o seu abate para o rádio.

- Agora são 8:15, segundo aquele relógio, não

é verdade? – perguntou o rádio. Maggie virou para trás. Havia um pequeno relógio de ponteiros na estante. Ele marcava exatos 8:15. Aquilo assustava a pobre mulher – Está na hora do Myke chegar, não é verdade? – perguntou.

- Por que não gosta do Myke? Gordon morreu há treze anos. Decerto é o meu direito de viver como eu bem quiser...

- Não é certo namorar o algoz do seu marido, não acha? – disse o rádio – Não é moralmente aceito!

- Cale-se! – gritou Maggie, no auge de sua ira

- Acalme-te. Estamos tentando uma conversa pacífica... não vejo porquê não continuarmos assim!

Repentinamente, para surpresa de Maggie, eis que a campainha de sua casa toca.

- Opa... deve ser o Myke! – disse o rádio – Despache-o! – Maggie surpreendeu-se

- Como? – perguntou

- Despache-o. Para sempre!

- Eu não vou fazer isso. – disse Maggie, irredutível – Estou cansada de suas gracinhas!

- Você já se esqueceu de que, se não obedecer, seus filhos morrerão? – perguntou o rádio, irritado

A campainha toca novamente. A pessoa do lado de fora da casa bate na porta e chama por Maggie.

- Meus filhos estão na escola. Lá, você não terá como matá-los!

- E quem disse que seus filhos estão na escola? – perguntou o rádio. Maggie se assusta – Você os viu partir para a escola, mas não os viu lá chegar... – repentinamente, o silêncio tomou conta do rádio, que se encontrava chiando

- Maldito! – gritou Maggie, indo de encontro ao rádio – O que fez com meus filhos? – balançou o aparelho. Continuava chiando. Começou a socá-lo.

- Mamãe, mamãe... – veio a voz de uma garota adolescente pelo aparelho. Parecia chorar, tamanho o medo e o desesperado

- Filha... – gritou Maggie. Segurou o rádio – Filha, filha, filha... – chamava continuadamente. Lágrimas escorriam de seu rosto.

A campainha toca pela terceira vez. Quem estava do lado de fora da casa batia novamente na porta e chamava por Maggie.

- Se não quiser vê-los mortos, é bom me obedecer! – disse o rádio

Aos prantos, Maggie caminha em direção ao Myke, a tempo de escutar a campainha tocar pela quarta vez.

Escorada na parede, aos prantos, Maggie diz:

- Vá embora, Myke!

- O que aconteceu, Maggie? – perguntou Myke, do lado de fora da casa

- Vá embora! – Maggie começa a se debulhar em lágrimas

- Você está chorando? – pausa por um ou dois segundos – O que está acontecendo?

- Vá embora, Myke. Apenas vá embora... E não volte mais! – as palavras proferidas por Maggie doíam em seu âmago

- O que aconteceu, Maggie? – insistia Myke

- Por favor, Myke. Deixe-me em paz. Vá, e não volte mais!

Myke pensou em insistir novamente, mas percebeu que Maggie estava irredutível. Sabia que algo estava acontecendo com ela, e sabia que aquele não era o momento mais oportuno para lhe perguntar o quê.

Quando Myke partiu, Maggie deslizou até o chão, debulhando-se em lágrimas.

- Isso mesmo, Maggie. Foi brilhante sua performance. Parecia realmente que você ainda queria algo com aquele homem!

- Cale-se. Cale-se! – Maggie se levantou, enfurecida

O rádio continuava:

- Esse tal Myke é muito insistente, né? Você gritando continuadamente “Vá embora. Vá embora” – o rádio muda o timbre de voz, ficando momentaneamente em um tom sarcástico, ao imitar a voz de uma mulher – e ele insistia em querer entrar. Custou a ir embora, hein? Será que ele não se deu conta de que você não quer nada com ele?

- Cale-se... – disse, com um tom de voz baixo. Caminhava em direção ao rádio

- Como? – o rádio não lhe escutou

- Cale-se, cale-se, cale-se, cale-se, CALE-SE... – repetia continuadamente, aumentando, a cada vez, a voz. Na última vez, tamanho o ódio, lançou um vaso de flores na parede

- Acalme-se, acalme-se, acalme-se, acalme-se – repetiu o rádio, em tom de deboche – Está muito bravinha, Maggie...

- E como você queria que eu estivesse? – perguntou Maggie, aos berros – Feliz?

- Acalme-se. Eu fiz o que era melhor para você. Imagina o que os vizinhos não iriam dizer de você, se você não parasse de se encontrar com o algoz de seu ex-marido...

Naquele instante, a frase proferida pelo rádio, na parte “Imagina o que os vizinhos não iriam dizer de você...” ecoou na mente de Maggie, repetindo-se em proporções incomensuráveis. Em seguida, eis que surge em sua memória um flashback, de quando passava em frente à janela da sala, já depois de tudo ter começado. Lembrou-se de ter visto uma silhueta humana na sacada da casa vizinha, virado para sua residência. Entretanto, com todo o furor causado pelo rádio falante, nem havia prestado atenção no que vira.

Caminhou até a janela. Naquele instante, percebeu ver seu vizinho, um homem de seus cinquenta e poucos anos, parado na sacada de sua casa, fitando fixamente sua residência. O homem portava um binóculos e uma gigantesca parafernália de aparelhos, ligado a um pequeno microfone ao lado de sua boca.

Ao perceber que fora descoberto, o homem largou o aparelho e partiu, às pressas. Maggie partiu em seguida, entretanto, a porta estava trancada. Demorou preciosos segundos para abri-la. Saiu de sua casa e chegou à rua. Naquele instante, o carro de seu vizinho deu partida e dali saiu, às pressas.

Maggie correu até sua garagem, entrou em seu carro e partiu, atrás do carro de vizinho. Estava cerca de cem a duzentos metros de distância do carro do vizinho, mas acelerava continuadamente o seu automóvel. A distância diminuía consideravelmente a cada segundo passado.

Tanto o vizinho quanto Maggie dirigiam às pressas em ruas pouco movimentadas, entretanto, igualmente finas. Com carros estacionados, tornava-se mais difícil de dirigir. Maggie estava extremamente irritada com os acontecimentos daquela manhã e estava inconsequente para com seus atos. Ao perceber que seu vizinho viraria a esquina à esquerda e, por conta da velocidade, perdeu momentaneamente o controle da direção, Maggie acelerou seu carro e jogou-se sobre o de seu vizinho. O choque foi violento, destruindo por completo a frente do carro de Maggie e a lateral esquerda do outro carro.

Rapidamente, curiosos cercavam a cena do acidente, e chamaram a polícia e os bombeiros. Maggie foi salva com vida de entre as ferragens, só com arranhões pelo corpo e machucados violentos nas pernas. O seu vizinho estava morto, com ferragens atravessando seu peito. No carro, só ele se encontrava.

No hospital, Maggie foi interrogada pelos policiais. Explicou o que aconteceu, fato que foi confirmado quando os policiais encontraram Joyce e Adam presos na casa do vizinho de Maggie, e, poucos dias após o acidente, Maggie voltou para casa.

Para prevenir possíveis vizinhos curiosos, Maggie levantou o muro que rodeava sua casa. Assim, sentiu-se segura para evitar novos problemas.

Estava em sua casa, em um dia normal, cerca de seis meses após o ocorrido. Era uma manhã ensolarada de segunda, e Joyce e Adam partiam com pressa para a escola, a fim de não se atrasarem.

Depois de lavar a louça, Maggie varreu a casa. Estava limpando a sala de TV, quando, repentina-mente, eis que escuta um chiado vindo do rádio, do mesmo rádio que outrora tanto lhe infernara.

O coração de Maggie gelou-se, apertando-se no peito. A pobre mulher parou de varrer a casa, olhando aflita em direção ao rádio.

E eis que uma voz sinistra surge no rádio, dizendo, cantando:

- Eu vejo você... você me vê?