O Último Homem Na Face Da Terra

Sebastião era o último homem na face da Terra.

Bom, ele não tinha nenhuma prova concreta disto, mas era exatamente assim que se sentia.

Era uma segunda-feira. Às nove horas da manhã ele tinha uma entrevista de emprego, portanto o despertador tocou às seis. Abriu a porta de seu quarto, ainda entorpecido pelo sono, e descobriu que o corredor que o levava a cozinha e ao banheiro não existia mais. Em seu lugar havia um grande rombo, com contornos incinerados, através do qual podia ver um inconcebível cenário apocalíptico. Sua casa foi totalmente destruída e apenas o seu quarto restou em pé, por alguma obra do acaso.

Deu alguns passos assustados em direção ao lugar que anteriormente foi o seu quintal. Os prédios de apartamentos a quilômetros de distância – que podia ver tão claramente durante o dia – não estavam mais lá. As casas adjacentes a sua também foram totalmente dizimadas. “Onde foi parar o azul do céu?” Sua mente estava tão enegrecida quanto à abóboda tenebrosa com nuvens espessas acima de sua cabeça calva.

Sebastião não compreendia como o mundo que conheceu deixou de existir da noite para o dia sem que ele despertasse. Tudo bem que ele bebeu um pouquinho na noite anterior, mas sempre se considerou uma pessoa de sono leve. Se uma agulha caísse em seu quarto, ele escutaria. Se uma mosca peidasse, ele escutaria. Foram terroristas? Foi a Terceira Guerra Mundial? Foi uma catástrofe ecológica? Um meteoro? Invasão alienígena? Isso foi só no Rio de Janeiro ou em todo o Brasil? Talvez o mundo inteiro estivesse de tal forma.

Caminhou um pouco pelas ruas desoladas e gritou por ajuda: “Socorro! Tem alguém aí? Tem alguém me ouvindo?” Repetiu o chamado dezenas, talvez centenas de vezes. Gritou até suas cordas vocais se cansarem e sua garganta secar, pedindo por água. Onde foram parar todas as pessoas afinal? Não havia vítimas feridas nos escombros e nem mesmo cadáveres dilacerados. Geralmente em tragédias desse porte é comum encontrá-los por toda parte.

Sebastião se sentia idiota e confuso. Não queria blasfemar nem ser ingrato com Deus, mas simplesmente não entendia porque logo ele, um bêbado solitário, sem religião, sem parentes vivos, sem amigos, sem namorada e sem escrúpulos, foi poupado desta fatalidade. Médicos, policiais, advogados, engenheiros, escritores: esses sim mereciam sobreviver, não um solitário que nunca fez nada que merecesse homenagens. Um estrondo interrompeu seus pensamentos. Sebastião voltou seu rosto assustado para o local, mas era alarme falso: apenas uma parede ruindo.

A praia ficava a uma distância de 500 metros, então ele teve a ideia de dar uma corridinha até lá. Em sua concepção, os cariocas, até mesmo no Dia do Juízo Final, iriam à praia. Havia um prédio tombado e em chamas na rua que ele geralmente utilizava para chegar à praia, então tentou um atalho por outra.

Um alarme tocando insistentemente chamou a sua atenção. Era um carro aberto no meio da rua. Ele deu uma olhada no interior do veículo, e no banco do carona encontrou um celular sujo com a tela partida. Averiguando o aparelho, Sebastião notou que havia uma mensagem não enviada escrita pela metade: “Mãe, eu sempre disse que isso ia acontecer. Eu sempre disse. Eu te amo muito. Eu estava indo para casa quando vi…” A mensagem terminava ali. “Quando vi”. Quando viu o quê? O que raios aconteceu aqui? Tentou ligar para todos os números da lista telefônica, mas nem sinal havia. Deu um urro de raiva e desespero. Jogou o celular longe e ele se espatifou contra as ruínas de um prédio.

Sebastião precisava de um cigarro e de uma dose de uísque com dois terços de água.

O som característico do mar estava ficando mais próximo e já podia sentir o vento gelado e o aroma da maresia. Apressou os seus passos e encontrou uma paisagem que, infelizmente, pôs fim a todas as suas esperanças. A água do mar estava escura, como óleo (ou piche) e difundia um odor pútrido. Toneladas de peixes mortos e estrelas-do-mar despedaçadas alastravam-se por muitos e muitos quilômetros na areia da praia. Na linha do horizonte podia ver barcos e navios destruídos, com seus destroços em chamas boiando na água.

Uma visão surreal.

Sentou-se na areia e com os olhos sobressaltados ficou observando o movimento infrequente e barulhento dos pássaros sobre o mar. Voavam descontroladamente em círculos. Inclinou sua cabeça e fechou os olhos, tentando acordar daquele pesadelo. Não acordou. Era muito real. Mais real do que tudo o que já havia vivido em sua débil existência.

Um som intrigante lhe chamou a atenção. Nunca tinha ouvido nada semelhante antes. Pareceu-lhe uma lamentação fantasmagórica que inquietou seu coração e perturbou sua mente. Há uns 100 metros viu um vulto muito sinistro se distanciando. Pareceu-lhe um espectro peregrinando na areia da praia. Ele se levantou e gritou: “Ei, você! Você aí! Volte! Quero falar com você! Você sabe o que aconteceu aqui?” O vulto parou de se locomover de repente e ficou assim por alguns minutos. Um pavor tomou conta de seu coração, e o que antes era esperança de encontrar um semelhante vivo, tornou-se temor. Sem uma explicação lógica, o vulto simplesmente se dissolveu, como se nunca tivesse existido, e foi levado pelo vento, como se fosse poeira. Teria sido a sua imaginação? E o que aquele fenômeno incomum que havia acabado de observar tinha a ver com o caos que se tornou o mundo?

Sebastião se sentou de novo na areia.

Estático.

Talvez o mundo não estivesse tão diferente daquele que ele conhecia.

O mundo sempre lhe pareceu solitário. A diferença é que agora ele estava solitário e em chamas.

Carlos Fellipe
Enviado por Carlos Fellipe em 30/07/2014
Reeditado em 17/08/2014
Código do texto: T4903312
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