Headless - Oi, quer ser meu amigo? DTRL17 (REVISADO)

"Oi, quer ser meu amigo?"

Buster disse sim.

...

(00h33min)

Com a respiração à mil, Chester cruzou a porta do quarto do filho, seguido pela esposa. Ouviram barulhos estranhos vindos dali.

Estacou, com os olhos arregalados, ao contemplar a cena à sua frente: no chão, ao lado da cama do garoto, uma poça de algo avermelhado, quente e fresco começava a se formar.

"Meu Deus", foi só o que ele conseguiu pronunciar, enquanto o grito da esposa se misturava ao sussurro do vento e ao barulho da chuva que caía lá fora.

(01h09min)

- Você viu o que ele fez com o gato, querida! Temos que levá-lo ao doutor.

- Você não estava lá. Não viu ele fazendo aquilo.

- Lisa, por favor. Ele estava sozinho na droga do quarto!

- Ele é uma criança, droga! Mesmo que quisesse, não teria força suficiente para fazer aquilo. Tem que ter outra explicação!

- Então o gato se jogou contra a parede até quebrar quase todos os ossos, e depois arrancou a própria cabeça? Eu acho que não!

Lisa desabou no sofá, com o rosto entre as mãos, soluçando.

- Eu não quero que meu filho seja internado em um manicômio.

- Não será, querida, eu juro. - Chester se inclinou sobre a esposa e beijou-lhe a testa - Mas nós temos que ajudar Buster!

Ela não disse nada, apenas balançou a cabeça positivamente.

- Eu marcarei um horário com o psicólogo. - disse levantando-a do sofá, e abraçando-a amorosamente. - Vamos dormir.

Eles sairam da sala de estar, e seguiram para as escadas.

"Ele disse que vai arrancar...

Arrancar sua cabeça, mamãe..."

Lisa estacou ao pé da escada. Seu rosto estava pálido.

"E a do papai também"...

- Chester...

- Que foi, querida?

- Você encontrou...

Ele a interrompeu, suspirando alto:

- Não, Lisa, não encontrei a cabeça.

"E levá-las para debaixo da cama"...

- Ches, eu sei que pode parecer loucura, mas...

- Não diga, Lisa! Eu sei o que você está pensando... mas não diga!

Ela olhava para ele, o rosto retorcido, com aquela inconfundível expressão de medo.

- Deus! Ele não existe! Headless não existe!

- Eu sei! Mas Bus disse...

- Tire isso da sua cabeça, querida! Bus deve ter ouvido isso na TV... Ou talvez de um coleguinho maluco da escola. - Ele suspirou novamente - Mas com certeza não foi a droga do amiguinho imaginário sem cabeça, que mora debaixo da cama que lhe disse que vai arrancar nossas cabeças!

Lisa continuava olhando para ele com aquela expressão.

- Não sei onde a maldita cabeça do gato está, querida. - disse ele - Amanhã veremos isso. Agora vamos dormir, está bem?

Ela assentiu, após hesitar um pouco. Eles subiram as escadas.

Na porta do quarto, o casal observou o garoto adormecido no meio da cama.

Sete anos. Passando por tudo isso com apenas sete anos, pensou Lisa, não era justo.

Eles se deitaram nos flancos da cama, deixando o filho no meio, aquecido e seguro.

(00h34min)

Lisa correu de encontro ao filho, que estava encolhido em um canto do quarto, com uma expressão de horror estampada no rosto.

- Ele está bem? Está machucado? - Chester indagou, preocupado.

- Ele não está bem, mas não está machucado.

- Leve-o para fora do quarto! - ordenou.

- Está bem.

Lisa pegou o garoto no colo e o tirou do quarto.

Chester se abaixou. À sua frente jazia um cadáver, de pelos negros e lustrosos, decepado, coberto de sangue, e com os membros dispostos em ângulos antinaturais.

- Que droga! - murmurou incrédulo.

O corpo do bichano estava encostado a parede manchada de sangue e riscada por arranhões felinos. Já a cabeça estava um pouco distante, quase debaixo da cama. Ele não cortou a cabeça com algo, literalmente arrancou-a. Não parecia certo. Para um garoto de sete anos aquilo exigiria força demais. Mas se Buster não fez aquilo, quem poderia ter feito? Ninguém. Ele estava sozinho no quarto.

Ele saiu do aposento, desceu as escadas e pegou um saco de lixo na cozinha. Ao voltar, parou em frente ao seu quarto, onde Lisa falava com Bus. Eles não o notaram.

- Querido, ele não pode ter feito aquilo! Ele não existe!

- Ele existe, mamãe, eu já disse! Seu nome é Headless, ele mora debaixo da minha cama. E conversa comigo.

- Filho, esse Headless não tem uma cabeça, certo?

Buster assentiu.

- Como ele consegue falar?

O garoto pensou por um instante.

- Ele fala na minha cabeça.

Ela suspirou.

- Bus, ele não é seu amigo? Por que ele machucaria seu gato?

- Porque ele gosta de machucar as pessoas.

Lisa olhou para o filho, pôs a mão em seu queixo, levantando seu rosto. Estava prestes a dizer algo, quando o filho se adiantou.

- Headless disse que foi só um aviso.

- Como?

- O que ele fez com o gato, foi só um aviso.

- Filho, por favor! Headless não fez aquilo.

- Ele também disse que... - ele parou, e pensou um pouco, como se estivesse decidindo se deveria ou não dizer, então abaixou a cabeça e sussurrou para a mãe: - Disse que vai arrancar sua cabeça, mamãe. E a do papai também. E levá-las para debaixo da cama.

Lisa sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

- Oh, meu Deus, Buster! Não diga isso!

- Desculpa, mamãe.

Lisa abraçou o filho. E assim ficou até o pequeno Buster adormecer.

Chester ouviu tudo, mas preferiu não interferir. Ficou lá, boquiaberto, enquanto o filho adormecia nos braços da esposa.

Lembrando-se de seu dever, voltou ao quarto do filho.

Se abaixou junto a parede e, pegando cuidadosamente pelo rabo, pôs o animal no saco. Virando-se para a cama, ficou confuso ao perceber que a cabeça do animal não estava no mesmo lugar. Ele se inclinou para olhar debaixo da cama; não estava lá. Procurou em cada canto daquele quarto, mas a cabeça parecia ter desaparecido.

Ele não podia acreditar.

Desceu até a cozinha, pegou uma capa de chuva no armário e saiu para fora, com o saco de lixo na mão, voltando sem ele.

Ao chegar na sala de estar, Lisa o esparava.

Ele tirou a capa e a guardou no armário. Voltou-se para a esposa:

- Precisamos conversar.

(02h02min)

Chester ao contrário da esposa, não conseguiu dormir. Ficou deitado, pensando em tudo o que estava acontecendo.

Sentiu sede. Levantou da cama com cuidado, para não acordar Lisa ou o filho.

Lá fora, a chuva parecia mais forte, assim como o sussurro do vento, que se transformara em um uivo frenético. Aquilo era extremamente desconfortável, pensou.

Ele saiu do quarto pisando macio. Iria a cozinha tomar um copo d'água.

Mas parou em frente a porta seguinte. Estava aberta. Ele tinha certeza que a fechara antes de dormir. Ele teria fechado a porta e descido as escadas até a cozinha, mas algo lhe induziu a entrar lá. Como que forçado, entrou no quarto do filho.

Ao cruzar a porta, ela se fechou com um baque surdo. Virando a maçaneta, descobriu que a porta estava trancada. Talvez tenha emperrado, pensou, e continuou forçando a maçaneta.

Se ele não estivesse tão ocupado tentando abrir a porta, perceberia que atrás de sí, debaixo da cama, algo se movia.

(02h43min)

Lisa acordou subitamente.

O marido e o filho não estavam na cama, ela estava sozinha.

Sentiu medo, muito medo.

Ela se levantou da cama. Seu corpo todo tremia. Fazia frio.

- Chester! - gritou, enquanto cruzava a porta do quarto.

Ninguém respondeu.

Iria descer as escadas, mas algo lhe chamou a atenção. A porta do quarto do filho estava aberta.

(02h09min)

O vulto se arrastava lentamente, já não estava debaixo da cama, e continuava a se arrastar silenciosamente na direção de Chester. Então, à poucos centímetros dele, aquele vulto se levantou, como que em camera lenta. E quando Chester se deu conta que não estava sozinho no quarto, era tarde.

Com um estálo surdo, Headless partiu seu áxis.

O pescoço se quebra, rompendo a espinha, a pressão arterial cai a zero em um segundo, e Chester perde a consciência, enquanto Headless continua seu trabalho.

(02h46min)

Lisa entrou no quarto do filho.

Buster estava deitado na cama, dormindo, com a janela ao seu lado aberta.

Ela se aproximou da cama e chamou pelo filho, mas ele não acordou. Chegando mais perto, chamou novamente. O garoto acordou, com uma expressão de incompreensão no rosto.

Confusa, e ao mesmo tempo aliviada, Lisa perguntou ao garoto:

- Filho, o que está fazendo aqui?

- Não sei. Eu não lembro!

Ele parecia tão confuso quanto ela.

- Você viu o papai?

- Não, mamãe.

Também estava com medo.

- Eu vou procurar pelo papai, fique bem quietinho, está bem?

Ele balançou a cabeça positivamente.

- Estou com frio. - disse, se encolhendo na cama.

Lisa se lembrou da janela aberta. Foi até ela. A chuva tinha dimuído, não ventava mais. Lá fora estava escuro, muito escuro.

Estava prestes a fechar a janela quando algo em seu jardim lhe chamou atenção. Não conseguiu distinguir o que era, mas sabia que não estava ali antes. Sabia que não deveria está ali.

Ouviu um baque atrás de sí. A porta tinha se fechado.

Correu até ela, virou a maçaneta várias vezes; estava trancada.

Estavam presos ali.

- Mamãe, estou com medo!

Lisa estava apavorada, mais não poderia deixar que o filho percebesse. Ela foi até a cama do garoto, e sentou a seu lado.

- Está tudo bem, filho! Não tem com o que se preocupar.

Abraçou o filho com força.

Ela se lembrou da coisa no jardim. Levantou com o filho no colo e foi até a janela. Continuava escuro demais.

Então, um relâmpago - o último daquela madrugada chuvosa - riscou o céu. E com o mais profundo horror, Lisa viu o que esmagava suas rosas. E antes que pudesse pensar, o grito escapou-lhe da garganta.

Atrás dela, saído das sombras debaixo da cama, um vulto alto, disforme e sem cabeça se levantava lentamente.

- Ele está aqui, mamãe.

Temas: Amigo Imaginário - Paranoia.

O texto foi revisado de acordo com as dicas que recebi. Agradeço à todos.

Diminuí as repetições (como pude), e tentei corrigir as mudanças no tempo verbal. Já os nomes não posso mudar. Afinal, qual sentido teria o conto se os demais personagens tivessem nomes brasileiros e apenas o personagem central um nome estrangeiro? Nenhum, acredito.

Mas podem esperar nos próximos contos personagens e lugares brasileiros.

Peço aos que deram as dicas, que digam o que acharam da revisão.

As críticas, positivas e negativas, serão bem vindas.