O DEMÔNIO DENTRO DE UM CAIXÃO

Mariana tinha apenas dezesseis anos de idade e apesar de ainda conservar traços pueris já era uma mulher casada. Ela era uma linda moça, tinha o rosto assimétrico e os olhos castanhos claros em contraste com a tez morena. Seus cabelos negros caídos sobre os ombros modelavam seu lindo rosto. Tinha aproximadamente um metro e sessenta e cinco centímetros de altura e seu corpo era perfeito. Arlindo Orlando, seu marido, tinha o dobro de sua idade. Seus cabelos já raleavam sobre a testa e os que se destacavam dos lados já traziam um tom de grisalho. Tinha uma estatura mediana e ainda trazia consigo o vigor da juventude. homem trabalhador e de bom coração, era extremamente apaixonado por Mariana.

Viviam num sertão desértico onde só se ouvia o som dos bichos. A natureza era tão bela e exuberante mas ao mesmo tempo dava a impressão de que naquele mato tudo era triste, exceto Mariana e Arlindo Orlando que se amavam e viviam o seu paraíso particular. Mas como neste mundo o mal existe e trabalha para destruir os sonhos transformando-os em pesadelos, foi numa noite muito calma e quente que tudo começou. Arlindo Orlando e Mariana já estavam deitados mas não conseguiam dormir por causa do calor infernal que fazia naquela noite. Então ele disse para Mariana:

-- Vamos estender as esteiras lá no terreiro e deitar sobre elas, porque lá fora o ar está mais fresco. Mariana concordou com um aceno de cabeça. Eles caminharam até a porta e Arlindo Orlando a destramelou, abriu-a até o canto e já ia apressando o passo para ir ao encontro da brisa noturna, mas empacou de repente na porta de saída. Mariana que o seguia de perto chegou a chocar-se nas costas do marido devido a sua parada repentina. O corpo de Arlindo Orlando tremia como se fosse uma vara verde e não se movia nem pra frente, nem pra traz. Mariana suspendeu-se nas pontas dos pés e olhou por cima do ombro do marido. Seus olhos castanhos arregalaram-se e ela apertou com força as costelas dele. A imagem que eles viam era aterradora, tratava-se de um caixão de defunto com a tampa aberta e com um corpo dentro dele. A cabeceira do caixão estava voltada para eles e a tremedeira de Arlindo Orlando aumentou quando o defunto sentou-se ficando de costas para o casal, de seguida seu pescoço girou lentamente até que a face do demônio ficasse ao contrário, ou seja, ele estava de costas para o casal mas com a face totalmente voltada para eles. A criatura soltou uma gargalhada diabólica e disse com uma voz rouca e agonizante: "Ela é minha, venha pra mim Mariana... venha pra mim"! Neste momento um cão de grande porte da raça Rottweiler, que pertencia a Arlindo Orlando, avançou violentamente sobre a criatura que num movimento muito rápido segurou o pescoço do cão e torceu de maneira tão violenta que o animal deu um único grito e morreu subitamente. Arlindo Orlando aproveitou o momento e fechou a porta rapidamente. A criatura entrou debaixo do assoalho da casa e começou a dar pancadas tão violentas que o chão tremia sob os pés do casal. De repente seguia-se um silêncio e, logo após, eles eram atormentados por pancadas alternadas na janela e na porta e ainda por vezes por baixo do assoalho. E assim foi, durante toda aquela noite, o casal sendo atormentado por aquele demônio.

No dia seguinte, quando o sol já invadia as frestas das janelas, Arlindo Orlando abriu a porta devagar e contemplou o seu cão de estimação morto sobre a terra seca do terreiro. Foi até ele e sentou-se do seu lado, ergueu a cabeça do animal e a apoiou sobre uma das pernas e disse baixinho: " Obrigado meu amigo, obrigado". Uma lágrima rolou sobre o seu rosto e caiu na cabeça de seu cão. Levantou-se e foi até os fundos da casa e pegou um enxadão, veio e parou próximo do seu cão, contemplou-o por alguns segundos e saiu caminhando com lágrimas nos olhos. Parou debaixo de um pé de ipê que ficava ali mesmo no terreiro próximo de sua casa e começou a cavar. Assim que a cova ficou pronta, Arlindo Orlando foi até o cadáver de seu cão e tomou-o em seus braços, trouxe até o pé de ipê e ali o sepultou. Mariana estava observando da porta da casa. Ficou o tempo todo em silêncio, respeitando a dor do seu amado, pois aquele cão tão amigo de Arlindo Orlando representava muito para ele, porque foi um presente que seu pai lhe deu pouco antes de falecer. As lágrimas de Arlindo Orlando molharam a terra fofa do chão, onde o cão estava sepultado, ele saiu de cabeça baixa e foi caminhando até a sua casa. Mariana veio ao seu encontro e eles se abraçaram, foi um abraço mágico, um abraço de um casal que se ama muito e demorou o suficiente para confortar a alma dos dois.

Arlindo Orlando e Mariana estavam arrumando as malas para irem embora daquele lugar, pois temiam que aquela criatura voltasse na noite seguinte e os matassem, quando de súbito, ele ouviu uma voz que dizia: "Fugir não vai adiantar"! Virou-se para Mariana e perguntou:

--Você ouviu isso?

--Isso, o que?

--Nada não, deve ser coisa da minha cabeça. E novamente a voz: " Se fugirem, não haverá lugar seguro"! Arlindo Orlando ficou impressionado e sua mulher notou, e logo indagou:

--O que é que está acontecendo.

--Uma voz está me dizendo que não vai adiantar nada a gente fugir, que não haverá lugar seguro. Mariana ficou assustada e perguntou:

--Será que aquele demônio voltou muito mais cedo do que a gente pensava.

--Não, não é ruim, essa voz é suave e está me trazendo paz e confiança.

--Então? O que é que a gente vai fazer.

--Não sei ainda.

Arlindo Orlando sentou-se na beira da cama e sua mulher sentou-se ao seu lado. Ele abaixou a cabeça, fechou os olhos e colocou as mãos sobre o rosto. Ficou assim em silêncio por alguns segundos e de repente começou a ouvir uma mensagem muito clara, como se um rádio estivesse ligado e dizia assim: "Fique no conforto e na segurança de sua casa, aqui mal nenhum lhes sucederá até a meia noite. A partir da meia noite sua casa será invadida pela criatura das trevas, mas vocês não estarão mais aqui, eu quero você e sua esposa revestidos de coragem, esperando pela criatura debaixo do pé de ipê. Não duvides!!! a salvação de vocês estará lá, e, portanto, quando faltarem cinco minutos para a meia noite, saiam da casa e fique do lado da cova de seu cão, pois tem grande valor as lágrimas que você derramou. Isso comoveu as forças do bem que promoverão a justiça."

Arlindo Orlando despertou-se daquela espécie de transe, sua mulher estava sentada ao seu lado segurando o seu braço com as duas mãos e ela sentia aquela mesma paz e confiança que o seu marido estava sentindo. Ele contou a ela na íntegra o teor da mensagem que havia recebido e eles se uniram ainda mais para se tornarem fortes o suficiente para enfrentarem o demônio que saía de dentro de um caixão.

As horas se arrastavam pesadamente e eles não saíram de dentro de casa como haviam sido orientados pela voz. Até que, o relógio marcou cinco para a meia noite e eles foram até a porta e Arlindo Orlando a destramelou devagar, sua esposa o seguia silenciosamente. Puxou a porta lentamente e olhou o terreiro a sua frente, não havia nada de anormal, a lua iluminava o pé de ipê logo adiante. Ele segurou na mão de Mariana e já iam começar a correr em direção ao pé de ipê quando ouviu a voz dizer:"Devagar!" Desta vez Mariana também ouviu. Caminharam até o pé de ipê e se posicionaram ao lado da cova de seu cão. Quando deu meia noite em ponto, surgiu um redemoinho de poeira no terreiro, no mesmo local onde a criatura havia assassinado o seu cão. Assim que a poeira baixou, eles viram o maldito caixão com a criatura erguendo o seu tronco, ficando sentada dentro dele. Seguiu-se o mesmo ritual da noite anterior: a criatura de costas para a porta da casa, foi virando a cabeça totalmente ficando com o pescoço todo virado para trás. Deu aquela gargalhada maldita e começou a chamar por Mariana. Entrou debaixo do assoalho da casa e começou a dar bordoadas de estremecer tudo, em seguida ia como um raio até as janelas e portas e batia violentamente como na noite anterior. Como o demônio não percebia nenhuma atividade dentro da casa, deu uma última investida sobre a porta, desta vez com mais violência ainda e esta veio a baixo. A criatura adentrou na casa e pouco tempo depois saia pela mesma porta que acabara de derrubar, logo avistou o casal debaixo do pé de ipê. O demônio deu um grito aterrorizante e veio correndo na direção do casal . Arlindo Orlando e mariana estavam abraçados e imoves, pois haviam acabado de ouvir a voz dizer " não se mexam". A criatura veio numa velocidade incrível e quando mais próximo, saltou sobre o casal indefeso e quando ia voando sobre a cova, um anjo em forma de um imenso rottweiler saiu dela e abocanhou a garganta do demônio de forma tão violenta e precisa que este deu apenas um grito e sucumbiu sem forças com a garganta totalmente dilacerada, sendo tragado em seguida pelas entranhas da terra. O rottweiler aproximou-se de Arlindo Orlando, lambeu a sua mão e foi obliterando diante deles.

O casal ouviu pela última vez a voz dizer: "A justiça foi feita".

E a paz reinou naquele sertão.

Em breve publicarei um novo conto, aguardem!