A Marca Imperial - Parte 1: Legado (DTRL18)

Quando recebeu o telefonema do tio, dizendo que estava com algo importante que seu avô, falecido há duas semanas, havia deixado para ele, Cassiano Nunes não sabia o que esperar.

No fundo, ainda se sentia mal por não ter ido ao enterro, dando a desculpa pouco convincente de que tinha uma semana atribulada na faculdade de direito que cursava, sendo por isso uma viajem a outro estado inviável no momento. Mas faria questão de mandar flores, naturalmente, e pediu para a mãe mandar as suas condolências para todos os outros familiares. Fernanda não insistiu com o filho, nem usou qualquer artifício para fazê-lo sair do casulo de reclusão em que se refugiava sempre que confrontado com uma perda. Lidar com a dor não era uma das muitas coisas em que Cassiano era bom. Nunca foi. Sempre abominou despedida e evitava momentos em suas emoções eram postas à prova como se sua vida dependesse disso. Não era surpresa para ninguém, mesmo para os que não o viam nos últimos anos, que ele tenha preferido fugir para sua rotina supostamente corrida a ver o avô, uma pessoa com teve grande apego na infância, sendo colocado em uma cova.

Mas fugir não estava nos planos no momento. Tio Álvaro preferiu guardar o mistério por telefone, se limitando a dizer que o objeto deveria ser entregue nas mãos do sobrinho. Chegou a sugerir ir até a casa de Cassiano, mas o rapaz logo o dissuadiu. Falou que precisava mesmo de uma folga de seus estudos e dirigir até a cidade de seu avô lhe faria bem agora que o pior tinha passado.

Durante as horas que durou a viajem, Cassiano tentava puxar da memória um fio de lembrança que indicasse o que poderia ser essa inesperada herança, chegando cada vez mais a conclusão de que saberia apenas quando visse o que era. Ficava listando, refletindo e pensado em tudo que estivesse ligado a ele e ao avô, apenas para se frustrar quando não chegava a nenhuma conclusão que fizesse sentido.

A nuvem de pensamentos foi se desfazendo na medida em que Cassiano foi reconhecendo a paisagem por onde passava. A ponte de ferro, erguida imponente sobre o rio, e a placa verde de boas vindas o recebeu, enquanto a tarde esfriava e as nuvens tingiam-se de cores crepusculares acima da cidade onde ele tinha passado sua infância.

A casa de Ludovico Nunes ficava em um bairro abastado, de ruas ladeadas por árvores cujas folhas amareladas pelo outono se desprendiam dos galhos, caindo feito chuva espalhada pelo vento.

O carro estacionou no meio-fio. Cassiano abriu a porta, pondo o pé na calçada e saiu encarando a fachada familiar do casarão. Muito tempo havia se passado, mas ele estava convencido de que ainda era capaz de desenhar cada detalhe sem olhar uma única vez: o muro verde tomado de trepadeiras, a caixa de correio negra cravada nele, com uma águia com uma carta nas pastas ao invés de um pombo; as janelas altas e belas do segundo andar, a forma do telhado. Era como entrar em uma fotografia antiga que nunca se desbotava.

Encontrando o portão aberto, ele entrou andando pela trilha calçada de pedras que cortava o jardim até a porta. A grama em volta perdia o verde, sucumbindo ao inverno que se aproximava e até a fonte em que pássaros bebiam água e tomavam banho na primavera parecia descuidada, com suas pequenas colunas em estilo jônico de mármore opacas, sustentado uma bacia rachada e cheia de folhas secas.

Com mais alguns passos, Cassiano se deteve diante da porta, de punho erguido. Não deixava de ser estranho bater sem jeito e hesitantemente na porta da casa que ele considerava seu lar, o melhor lugar do mundo, até poucos anos atrás. Após breves batidas, ele girou a maçaneta e a abriu.

A sala ampla não estava tão bem alinhada como costumava estar. Caixas grandes de papelão competiam espaço sobre o carpete com os sofás cobertos de sacos plásticos transparentes e os quadros estavam fora de seus lugares nas paredes, encostados tristonhamente em um canto.

Cassiano fechou a porta atrás de si e caminhou pelo aposento até próximo da escada que subia para o segundo piso. Na iluminação que desvanecia, advinda principalmente da janela com persianas, o rapaz se aproximou da estante e pegou um porta-retratos com uma foto do seu avô, uma em que ele estava com um chapéu de pesca, posando ao lado de um garotinho sorridente de pernas magras e cabelos quase caindo sobre os olhos.

Se Cassiano acariciasse o indicador da mão direita, sentiria uma pequena cicatriz da vez em que se feriu com o anzol, em um dos dias em que Ludovico o levou para pescar. “Vai ficar tudo bem, filho” Ludovico cuidava do ferimento, enquanto o neto mordia o lábio, represando o choro “Só tente fisgar apenas os peixes da próxima vez, está bem?”. Um sorriso nostálgico foi refletido no vidro do porta-retratos.

- Olá, Cassiano. Que bom que você já chegou.

O rapaz pôs a foto de volta no lugar e se virou para ver seu tio descendo os degraus da escada ao seu encontro.

- Olá, tio. Como você está?

- Tudo bem. Na medida do possível, claro – Álvaro se aproximou do sobrinho. Estava vestido de maneira despojada, com camisa e chinelos, e uma camada extra de cinza pintava seus cabelos – Não repare na bagunça. Eu estava arrumando algumas coisas, sabe? Preparando a venda.

- Sim. Entendo – Cassiano sabia que havia ficado decidido em um consenso entre os filhos de Ludovico que a casa seria vendida após sua morte e o dinheiro seria repartido igualmente entre eles, ficando Álvaro, o filho mais velho, o responsável pela venda – Você disse que meu avô tinha deixado algo para mim.

- Ah... Sim. Venha comigo – Álvaro fez sinal para Cassiano o acompanhar e o rapaz seguiu o tio pelo corredor – Nos últimos dias, antes de sua morte, papai parecia preocupado – Álvaro continuou falando – Ele estava com a saúde debilitada e passava horas no quarto, pensativo. Quando já estava de cama, me fez jurar que entregaria uma coisa em suas mãos e que era para ser somente sua. Não me pergunte o motivo disso. Não sei mais que você.

Ambos entraram no escritório de Ludovico, uma fileira de enciclopédias preenchia uma larga estante e um busto de imperador enfeitava o ambiente erudito em um canto. Álvaro foi para detrás da escrivaninha, se abaixando para tirar de uma gaveta um pacote que pôs sem cerimônia em cima do móvel.

- Aqui está. Isso é seu.

Cassiano chegou mais perto e tocou no papel que embrulhava o que quer que fosse. Após uma rápida troca de olhar com o tio, ele desembrulhou com cuidado seu estranho presente, se deparando com uma espécie de livro largo com capa de couro. Não era preciso abrir para saber o que veria dentro. O rapaz conhecia as páginas repletas de colagens de correspondências, de diversos países e épocas, cada uma com sua própria história.

- A coleção de selos do meu avô! – disse Cassiano, um misto de exclamação e interrogação em sua voz.

- Exatamente. Ele queria que você ficasse com ela.

- Por quê? – Cassiano olhou para o tio.

- Como eu falei, não sei. Papai queria que eu entregasse e foi o que eu fiz. Pensei que você saberia me dizer o motivo.

- Não. Quero dizer... Quando eu era pequeno gostava de ficar olhando os selos. Meu avô era cuidadoso com esse álbum, mas ele me deixava ficar olhando se eu tivesse cuidado.

- Vai ver é por isso. Ele tinha um carinho por essa coleção de selos e você era o neto favorito dele. Ele queria deixar isso em boas mãos.

- Talvez – Cassiano não aparentava estar totalmente convencido – Não vejo outra explicação.

- Pois bem – Álvaro se aprumou – Está entregue.

- E o que eu faço agora?

- Leve para a casa e guarde, ou faça o que achar melhor. É seu. Se me der licença, tenho alguns telefonemas para fazer.

- Tudo bem. Tio, se me permitir gostaria de passar a noite aqui. Voltar a essa hora é complicado.

- Claro. O quarto de hóspedes está arrumado – Álvaro se dirigiu à porta e Cassiano o seguiu com o álbum de lado – É bom mesmo passar um tempinho aqui para se despedir – o tio reiterou – Espero vender a propriedade o quanto antes.

- Recebeu alguma proposta?

- Recebi duas. Mas a quantia que ofereceram era uma piada. Olha como essa casa é enorme – Álvaro indicou ao redor com um gesto, como se o sobrinho fosse mais um comprador em potencial – Ela vale uma fortuna e quantas casas assim você conhece que tem uma estufa como a nossa?

- É. Você tem razão – Cassiano chegou aos pés da escada – Vou tomar um banho. Vejo o senhor mais tarde – O rapaz se despediu do tio e subiu para o segundo piso. Não precisava de nenhuma indicação ou guia para saber onde ficava o quarto de hóspedes.

No corredor, acabou parando em frente a uma porta. Abriu ela um pouco, se curvando para dentro, quase olhado para os lados antes disso, como se estivesse fazendo algo reprovável e temesse que alguém visse. Mas era apenas uma discreta e rápida olhada para um quarto. A cama estava arrumada, a poltrona permanecia impassível do outro lado do cômodo e um livro continuava na mesinha de cabeceira, como se aguardasse o dono chegar a qualquer momento, o que era impossível. Ele não voltaria. Nunca mais.

Cassiano fechou a porta e seguiu para o quarto de hóspedes, colocando o álbum sobre a cama. Depois que conferiu o banheiro e voltou para o carro pegar as suas roupas que tinha esquecido, ele tomou um banho demorado, se limpando do enfado da estrada.

Enquanto se vestia, observou o álbum. Não parecia nada muito importante a primeira vista. Um livro do tamanho de um caderno escolar com uma capa de couro marrom com costuras nas bordas, uma velharia seria um termo que um leigo usaria para descrevê-lo, mas as aparências poderiam enganar. Alguns selos eram raros e valeriam um bom dinheiro para outros colecionadores.

Cassiano desconsiderou aquilo com um suspiro de repreensão consigo mesmo, jogando em uma cadeira a toalha com que enxugava o cabelo. Ludovico deixou a coleção para o neto e ele seria seu protetor, cuidando dela como o avô cuidou.

O estudante de direito se jogou na cama, arrastando o álbum para perto de si. Ele dobrou as pernas em posição de meditação e se debruçou para examinar melhor a capa antes de abri-la. Tinha visto aquilo tantas vezes que eram como se fossem suas figurinhas. O selo com a torre de Pisa, torre Eiffel, o do dia da independência. O rapaz foi virando as páginas, se deixando encantar pelos papeis coloridos como se voltasse há tem dez anos, até que teve um pequeno choque.

Em uma das folhas, um lugarzinho quadrado estava vazio. O mais intrigante era que não era qualquer selo que faltava. Cassiano lembrava o que ocupava o lugar, um azul com o desenho de um rosto masculino de perfil com uma coroa de louros.

Ludovico tinha um carinho especial por aquele. Quando olhava o álbum junto do neto, apontava dizendo que era muito especial, um dos mais valiosos de toda a coleção, poucas e importantes pessoas possuíam um igual a ele. “Será que ele se desfez dele?” Cassiano se perguntou. Não era do feitio do avô se desfazer de algo assim, ainda mais se tratando daquele selo.

Ele folheou da primeira à última folha, conferindo se não estaria em outro lugar. Álvaro não teria tirado. Nunca demonstrou o menor interesse pela coleção de selos e não fazia sentido tirar apenas um. No que parecia ser a sétima ou oitava vez que folheava o álbum, tomou-o em mãos e sentiu uma leve protuberância que não tinha sentido antes na capa de trás.

Olhando na parte exterior, parecia um círculo marcado em relevo no couro. Cassiano virou a capa, conferindo a parte interna e encontrou no canto um rasgo que ia da borda superior à borda inferior. Cautelosamente, ele pôs os dedos no rasgo e com a destreza e a atenção de um cirurgião, tateou por dentro. Estava claro que havia uma superfície áspera, possivelmente de papel, avolumando o interior. Puxando as folhas soltas de dentro, Cassiano acabou trazendo à tona a pequena superfície circular, que era um anel prateado com uma espécie de ramo desenhado.

Avaliou a peça de metal feito um joalheiro, mas fora o fato curioso de que estava na capa do álbum, aquilo não lhe despertava tanto interesse. O que lhe interessava, na verdade, eram os papéis. De dentro da capa, retirou um envelope de carta e um grupo de folhas manuscritas presas por um clipe.

O envelope estava lacrado e não possuía nenhum remetente ou destinatário no padrão das correspondências, apenas um carimbo em cera vermelha com o rosto masculino de perfil com uma coroa de louros – idêntico ao desenho do selo que sumiu – e uma pequena inscrição que dizia “Ao superior distrital, respeitosamente” escrita em uma caligrafia trêmula, a mesma que estava nas folhas grampeadas. As mãos de Cassiano ficaram geladas, enquanto segurava os papeis e era capturado pelas letras do avô, feitas em seus últimos dias.

Caro Cassiano.

Preciso ser breve nesta mensagem que vos escrevo e peço que seja discreto sobre sua existência, bem como sobre a existência da carta e do anel, até que chegue o momento certo.

Sinto minhas forças se esgotarem a cada dia, me fazendo refletir no tempo que ainda me resta nesta terra, e tenho me inquietado com pensamentos preocupantes que me fazem perder o sono. Sei que tem levado sua vida dignamente, estudando e trabalhando como o homem honrado que sempre soube que se tornaria. Por isso, acredito que seja a melhor pessoa para ficar mais do que com a minha coleção de selos. Você é a pessoa indicada para eu deixar meu anel, junto com uma carta de recomendação, e com eles meu lugar nessa grandiosa irmandade que é a Efígie, a marca imperial.

Ela teve sua origem há milhares de anos, na era de ouro das civilizações antigas. Naquele tempo, Roma se expandia estendendo seu poder por todo o mundo conhecido em volta do mar mediterrâneo para se tornar o império lendário que conhecemos. Os romanos subjugavam povos em toda a Europa, pela Ásia Menor e norte da África e nesta expansão acabou se deparando nas terras longínquas do norte, onde é hoje a Grã-Bretanha, um povo com pessoas que se assemelhavam a deuses. Eram feiticeiros poderosos, capazes de feitos espetaculares.

Logo os romanos ficaram obcecados por aquele poder, mas subjugá-los era impossível, mesmo com todo o poder bélico do império. Então, pensaram no que seria uma de suas mais arriscadas estratégias de guerra: um acordo. De outros povos dominados, se levavam para os bruxos objetos valiosos de ouro e prata; marfim, jóias egípcias, ébano e especiarias orientais para intensificar feitiços e poções. Em troca disso, os magos prestavam favores, viajando com os romanos e ajudando a expandir e manter o controle das terras.

Mas não era o suficiente. Não para a ambição de Roma. Os bruxos eram orgulhosos e muito pouco confiáveis. Eles queriam um comércio de favores e os romanos os queriam como servos. Eles eram suas melhores armas.

Por tempos, os romanos tentaram convencer os bruxos a dividir com eles seus poderes, mas era impossível transmitir a magia para um não nascido bruxo. Após anos de espera e busca por uma maneira de tornar os magos menos necessários e a magia utilizável para homens comuns, um grupo de feiticeiros inventou a Marca.

Inspirada na arrecadação de impostos de Roma, eles forjaram de forma misteriosa moedas especiais, denários, que se jogadas em uma fonte de água que tenha sido enfeitiçada por um bruxo, atenderiam um pedido a quem a teria jogado, nascendo assim o que mais tarde seria conhecida como a fonte dos desejos.

Apesar de ser um avanço prodigioso, as preocupações dos romanos não cessaram. Existiam muitas limitações e regras nas fontes, além do fato de não terem conquistado completa independência dos magos que eram necessários para enfeitiçarem a fonte no início. Com medo da disputa por poder ser ficar fora de controle e da magia cair em mãos inimigas, foi criado um ramo extraordinário do senado, formado por homens que administrariam as fontes enfeitiçadas e a produção de moedas mágicas, para garantir que a utilização delas estivesse a serviço apenas dos interesses do império.

Durante a chamada “pax romana” o uso das moedas foi feita com rigor e Roma prosperou. Então veio a queda. Com os conflitos com os imperadores, o ramo extraordinário do senado foi se fechando cada vez mais, se tornando uma espécie de seita intitulada “Efígie”, obcecada em proteger as fontes da ambição humana.

Ela viu o declínio do império e a ascensão do cristianismo nos primeiros séculos, porém, sem ficar intacta. Os membros da Efígie foram se convertendo à fé e ficando receosos de se envolverem em práticas pagãs, ao mesmo tempo em que não queriam abandonar aqueles segredos que poderiam ser usados para o mau. A adição de novos membros foi ficando mais rigorosa, as relações com os bruxos foi ficando mais distante e os registros históricos da existência da Marca foram sendo apagados, com o segredo de como fazer moedas deixado para um grupo cada vez menor de homens dentro da irmandade, praticamente se perdendo, fazendo assim a Efígie se tornar uma lenda negra que sobrevivia nas partes escuras da civilização.

A situação ficou mais difícil a partir do século doze. Na inquisição, os bruxos eram perseguidos e beiraram à extinção. Sem eles para enfeitiçar uma fonte de água, as moedas eram inúteis. Sem bruxos e com os segredo de fazer moedas perdido na Alta Idade Média, a Marca Imperial estava fadada a desaparecer para sempre.

Por volta do século XVI, com o apogeu do Renascimento, surgiu de volta o interesse pela antiguidade e pelo paganismo e com isso a Efígie se recuperou. Porém, os conflitos entre algumas famílias da aristocracia que queriam o controle da Irmandade apenas para si dificultou a relação com os bruxos que restaram e a recuperação do segredo perdido de cunhar moedas, mas havia milhares delas e foram guardas nos palácios a salvas.

Os bruxos viviam se escondendo e quando um era encontrado e ele enfeitiçava uma fonte de água, o número limitado de moedas fazia com que os desejos fossem raros, com a Efígie adotando uma política rigorosíssima de acesso ao denários que perdura até hoje.

Conheci a Marca na minha juventude, com um padrinho que me apresentou. Servi secretamente a essa sociedade paralela a minha vida inteira, sentindo que estava fazendo um grande serviço à humanidade ao guardar os seus segredos. Mas o que eu pensei ser uma dádiva provava que também poderia se tornar uma maldição. A Efígie mandava matar inescrupulosamente qualquer um que descobrisse algo sobre ela. Jornalistas, pensadores e professores eram misteriosamente encontrados mortos, castigados pelo erro de se depararem com a Marca. De encontrar seus rastros.

Eu ajudei em grande parte dessas mortes, acobertando pistas e destruindo provas, e mesmo que minha consciência me acuse, era um caminho sem volta. Não poderia simplesmente sair, sem tornar eu e minha família mais um alvo.

Pessoas desprovidas de decência e vazias de honra têm dominado a Efígie, usando os contatos internos como uma rede de influência para enriquecerem e influenciarem na política. Depois da minha morte, elas investigarão toda a minha família e as pessoas com que convivi para saber se contei a alguém sobra a Marca, e para encontrar alguém para me substituir.

Eles chegarão até você, Cassiano, e espero que esteja pronto para assumir essa missão. Você é minha esperança de que haverá pessoas na Efígie que a restaurarão e usarão seu poder para o bem. Permaneça firme e não subestime os que lá estão. Eles são capazes de muita coisa pelo poder. É inevitável que ela lhe encontre e por mais que eu acredite que ela possa melhorar, peço que tome cuidado e não seja ingênuo. Não confie na Marca.

Do seu avô, Ludovico Nunes.

Ao terminar de ler, Cassiano permaneceu encarando o papel com a sensação de que, ou não tinha compreendido, ou estaria louco. Sua confusão, que o estava levando a duvidar da própria sanidade, se dava justamente ao fato de que não acreditava que o avô não estaria em seu juízo perfeito quando escreveu aquilo, ou que ele estaria lhe pregando uma peça.

Mesmo com a idade e com a pouca saúde, Ludovico não era de delírios e piadas. Era um homem altivo e de poucas palavras. Não fazia sentido ele forjar uma carta em seu leito de morte, inclusive providenciando um anel esquisito apenas para contar uma lorota, uma fábula envolvendo história antiga com tom de conto de fadas.

Uma voz masculina chamando seu nome e batidas na porta fizeram o rapaz se lembrar do mundo a sua volta e do tempo que ficou sentado na cama segurando os intrigantes papeis.

Cassiano deixou a mensagem sobre a colcha e se levantou para abrir a porta, recebendo seu tio como se tivesse lido nada demais.

- Quer vir jantar agora? – perguntou Álvaro.

- Sim... Já estou descendo. Vou só arrumar umas coisinhas aqui.

- Espero você na sala de jantar.

Álvaro se afastou e Cassiano voltou para os papeis. Procurou pelo álbum se não havia algo mais a encontrar e, constatando que não, guardou-o junto com o anel na cômoda. Julgando que estavam seguros, ele desceu apressado para a sala de jantar. Com o impacto da leitura, tinha até esquecido a fome.

- Tio – Cassiano chamou. Ele e Álvaro estavam sozinhos na sala de jantar, cada um de um lado da mesa de doze lugares, fazendo o rapaz se sentir mais a vontade para fazer perguntas.

- Sim? – falou Álvaro, sem desviar a atenção de seu prato de sopa.

- Você sabe que algo diferente que vovô tenha participado? tipo... – Cassiano procurou as palavras – Uma religião exótica, talvez?

- Não. Ele nunca foi muito disso.

- E um grupo político? Ou algo mais... Sigiloso.

- Não que eu saiba. Papai quis concorrer a prefeito uma vez, você sabe. Mas não deu certo. Por que a pergunta?

- Nada. Só curiosidade – Cassiano meneou a colher pelo prato.

Álvaro o olhou com bondade fraterna, compreendia a saudade do sobrinho.

- Papai era um homem culto. Nunca conheci uma pessoa mais correta do que ele. Morreu como o homem lúcido que sempre foi.

Cassiano não respondeu. A mensagem deixada pelo avô vinha até sua garganta e ele se sentiu tentado a por tudo para fora, como se vomitasse o jantar sobre a mesa, mas preferiu o silêncio. Compartilhar aquilo com o tio talvez não fosse o melhor a fazer no momento e ele esperaria, até saber o que seria o certo. “Elas investigarão toda a minha família e as pessoas com que convivi” dizia a carta “Eles chegarão até você, Cassiano, e espero que esteja pronto para assumir essa missão”. Cassiano não precisaria esperar muito.

Convencer sua família que estava em outra cidade de que precisaria passar uns dias a mais na casa do avô não foi um problema e com a desculpa de que ajudaria a empacotar alguns pertences do avô, ele procurou por uma prova, algo concreto que ligasse Ludovico à Efígie, mas não encontrou nada satisfatório. Se essa suposta sociedade secreta realmente existia, seus membros não deixavam evidências claras em suas casas, salvo por referências indiretas como colunas jônicas no chafariz do jardim e o busto de imperador no escritório. Não passava disso. Mas as respostas que Cassiano procurava vieram como prometido, e chegaram dois dias depois, quando ele abriu a porta para um homem elegante vestido em um paletó preto.

- Pois não?

- Boa tarde. Meu nome é Marconi Bragança e tenho hora marcada com o Senhor Álvaro Nunes, para falar sobre a casa.

- Ah... Sim. Vou chamá-lo. Entre – Cassiano o convidou e o homem passou por ele, olhando em volta pacientemente, avaliando o ambiente.

Cassiano se afastou para chamar o tio, mas este já vinha pelo corredor, como se tivesse farejado a visita.

- Olá, senhor Bragança. Estava esperando o senhor! – Álvaro se apressou muito sorridente e estendeu a mão. Foi quando o homem estendeu a dele para cumprimentá-lo que Cassiano viu. Se a luz do sol tivesse refletido no metal e atingido seus olhos de maneira ofuscante, talvez não tivesse causado o impacto que Cassiano sentiu ao reconhecer na mão do visitante o anel que estava no álbum do avô.

- Venha. Podemos conversar mais confortavelmente no escritório de papai. Aqui está cheio dessas caixas. Depois eu lhe mostrarei a casa – Álvaro acompanhou o estranho pelo corredor, enquanto Cassiano observava os dois homens se afastarem. O rapaz subiu atônito para o quarto e quando chegou, abriu a gaveta da cômoda à procura do anel. Ele estava lá, junto dos papeis e do álbum de selos. Prata e com um ramo desenhado, talhado em um trabalho digno de mestre. Exatamente igual ao do homem que chegou.

Seria verdade tudo o que o avô havia escrito para ele? Cassiano refletiu, contemplando a jóia prateada. Independentemente se a história de Roma, bruxaria e fonte dos desejos fosse real, ele estava diante de algo grande e misterioso, e o começo para desvendar tudo estava lá embaixo, conversando com o tio sobre a compra da casa.

Cassiano pôs o anel no dedo e guardou a carta com o carimbo cuidadosamente no bolso detrás da calça, deixando o álbum e os outros papeis na gaveta. Respirou fundo e se levantou, saindo do quarto e descendo até a sala. Seu tio e o visitante não estavam ali. O rapaz entrou pelo corredor indo até o escritório, mas também o encontrou vazio. Procurou por mais um par de cômodos, antes de sair da casa e finalmente achá-los conversando no jardim. Álvaro indicava todas as direções, tentando convencer o seu interlocutor sobre a beleza da propriedade.

- Com licença – Cassiano se aproximou.

- Sim? – disse Álvaro, e depois se dirigiu ao outro homem – Este é meu sobrinho Cassiano. Ele está me ajudando com tudo.

- Muito prazer – o homem estendeu a mão – Soube que é estudante de direito.

Um frio subiu pela espinha de Cassiano.

- Sabe? – foi o tio que perguntou.

- Sim... Bem, eu já conheci Ludovico e guando soube que ele morreu, perguntei a outro conhecido e ele falou um pouco da família, dizendo que ele tinha um neto que estudava em uma prestigiada universidade. Vocês sabem que as notícias correm.

- Ah – Álvaro pareceu considerar aquilo plausível.

- Eu parabenizo você – completou o outro homem – Advocacia é uma grande profissão. Eu tenho o privilégio de acompanhar o trabalho incansável de muito juristas e advogados nos tribunais. Eles são, de fato, essenciais em uma... Sociedade – disse a última parte sugerindo várias implicações em seu tom.

- Tio, por que não vai preparar um café para o nosso convidado enquanto eu mostro para ele a estufa?

- Não precisa – disse Álvaro - Eu posso mostrar a ele.

- Por favor. Você é melhor na cozinha do que eu. Faço questão – Cassiano ajeitou a gola da camisa, deixando o anel bem visível. Pelo olhar de Marconi, ele entendeu o recado.

- Eu adoraria que o garoto me acompanhasse à estufa – disse o visitante.

- Sério? – Álvaro olhou de um para o outro – Então está bem. Vou providenciar o café – disse antes de se afastar, se dirigindo à entrada da casa.

- É um belo anel – falou Marconi, depois que Álvaro saiu de vista.

- Obrigado. Meu avô deixou para mim – disse Cassiano, tentando permanecer sereno e confiante – Ele me deixou outra coisa também e acho que o senhor pode me ajudar – o rapaz tirou o envelope do bolso e o entregou para o outro homem.

Marconi o abriu, quebrando o lacre de cera vermelha, e Cassiano esperou apreensivo enquanto o visitante lia o papel.

- É – disse o homem, quando terminou de ler – Com selo oficial não tem como ser falsa – ele mostrou a carta e Cassiano quase engasgou ao ver o selo perdido com a assinatura do avô no final da folha – De acordo com essa carta, Cassiano, nós temos muito que conversar.

* * *

Na primeira reunião não houve covil escuro, nem pessoas com túnicas sinistras, segurando uma vela cada uma e formando um círculo ao redor de um novato assustado, como é de se esperar do primeiro encontro de uma sociedade secreta. Também não teve que responder perguntas ou discursar feito um orador dos tempos de Sócrates, como o ambiente deixava a entender. Muitas das paredes e assoalhos da mansão de Marconi eram de mármore e pedra polida e tinha colunas parecidas com a de Parthenon em Atenas.

Cassiano esperou em uma sala de estar luxuosa, com lareira e uma cabeça de cervo empalhada, com um olhar indiferente à sua presença, até que teve autorização para entrar na sala de reunião da Marca Imperial. Ele sentou em uma cadeira, em uma mesa longa, com Marconi na cabeceira olhado para um notebook a sua frente, outros homens engravatados estavam do outro lado da mesa. Parecia uma conferência comum, mas o rapaz tinha a sensação de que era um tribunal, com ele no lugar de réu.

- Como sabem, irmãos – disse Marconi – Temos um iniciante. Cassiano Nunes, neto de Ludovico Nunes que faleceu há algumas semanas. Ele era um dos nossos mais tradicionais e fiéis membros e deixou uma carta de indicação, como já foi repassado para vocês, onde ele indica o neto para substituí-lo, mas com a ressalva de que seja em outro cargo.

- Uma pena – sublinhou um senhor de cabelos grisalhos e olhos azuis – Nunes previu nossa decisão ao indicar o neto, já que queríamos mesmo alguém com diploma em direito, mas queríamos para fazer o que ele fazia.

- E o que ele fazia? – Cassiano falou, e se encolheu na cadeira como uma criança quando todos olharam para ele.

- Departamento de defesa jurídica. Quando em uma missão oficial da Efígie alguém comete um crime e sua identidade é descoberta pela sociedade civil, Ludovico cuidava da defesa dele – disse um jovem não muito mais velho que Cassiano, com cavanhaque e cabelos longos – Era especializado em homicídios.

- Ele era bom nisso. Conseguia encobertar e arquivar casos excepcionais, como naquele assassinato de um professor que teve acesso a uma de nossas atas. Por isso, pensei que o sucessor pudesse assumir esse difícil cargo.

- Estamos com dificuldade nessa área, Marconi. Não se pode negar.

- Só não está mais deficitária que a de médicos – disse outro homem.

- Concordo com todos. Concordo – Marconi acalmou os ânimos dos colegas – Só não podemos ignorar a última vontade de um membro como o Nunes. Ele pediu em carta selada que o neto trabalhe em outro setor que não o de criminalística e será feito.

- Creio que o caso deva ser levado ao Procônsule – insistiu um homem baixinho ao final da mesa – Ele saberá o que é melhor para a Marca.

- Não! – Marconi elevou o tom – Eu sou o superior distrital e posso decidir. Cassiano ficará no setor político. Está decidido – finalizou e Cassiano, quieto em seu canto, estremeceu apenas em pensar no que levaria aqueles senhores bem afeiçoados e polidos em seus ternos a insistirem tanto que ele trabalhasse em defesa criminal, especialmente homicídios. Para quê tantos advogados nessa área?

- Já que esse assunto está resolvido, vamos ao que interessa. Cassiano tem a recomendação do avô, porém, como todo iniciante, precisa de seu batismo de fogo.

- Como?! – Cassiano ofegou, esquecendo pela segunda vez de pedir a palavra antes de falar

- Uma missão que faz com que você entre definitivamente para a Efígie – explicou Marconi – E como que por providência, temos uma ótima tarefa. Há alguns dias tomamos conhecimento que um colecionador de artes e antiguidades de outro estado adicionou denários que estavam perdidos ao seu acervo. Eles estão na casa dele e só o que você tem que fazer é roubá-los – Marconi olhou para Cassiano que continuou fitando-o, como se tivesse congelado – Alguma dúvida?

- Vou... Vou ter que roubar?

- Roubar, furtar, seqüestrar alguém e pedir como resgate, enfim, faça algo com que elas sejam nossas e não mais dele. Entendeu?

O rapaz olhou para o resto dos presentes, e por pouco não perguntou se aquilo não era algum tipo de brincadeira.

- E como vou fazer isso?

- Você terá direito à ajuda. Juliano, por exemplo, lhe acompanhará – Marconi indicou o outro jovem, o de cavanhaque que tinha falado com Cassiano antes – Ele irá com você. E poderá escolher mais um nessa comitiva. Se for extremamente necessário podem pedir reforços – Marconi virou o notebook para Cassiano e na tela foram passando imagens aleatórias de um homem barbudo, moedas prateados com o rosto de perfil e louros e uma rua que ele não conhecia – Mais tarde você receberá todas as informações. Por enquanto, terminamos por aqui.

Todos começaram a se levantar, deixando o rapaz a ver navios.

- Ah... Cassiano. Já ia esquecendo – Marconi se dirigiu ao novato que se levantou – Eu fico com seu anel.

- O anel que meu avô deixou?

- Sim. Devolvo com a missão cumprida. Desculpe, mas é o protocolo – Marconi estendeu a mão e Cassiano se viu obrigado a retirar o anel e o entregar. Tinha passado pouco tempo com ele, mas já estava apegado. Era uma lembrança do avô – É um rapaz inteligente. Vai se sair bem – O anfitrião deu tapinhas nas costas de Cassiano e foi arrumar sua pasta que estava sobre a mesa. Os demais já estavam se retirando da sala e seguindo corredor afora.

Cassiano saiu zonzo, incumbido de uma missão que era praticamente uma sentença. Roubar moedas antigas de um colecionador de artes em outra parte do país, com uma missão dessas, não era de se admirar a necessidade de tantos advogados.

Ele chegava a um cômodo amplo com pinturas de inspiração renascentista, quando avistou Juliano se afastando com sua pasta de lado.

- Juliano! – chamou.

O outro rapaz se virou.

- Sim? Algum problema?

- Gostaria de falar com você – disse Cassiano, se aproximando através da sala – Sobre essa missão.

Juliano coçou o cavanhaque.

- Bem, agora estou ocupado – ele pegou no ombro de Cassiano em um gesto acolhedor – Amanhã de manhã planejaremos tudo. Não se preocupe – garantiu e deu as costas para um jovem desolado e sozinho em um palácio de estranhos.

A noite pareceu uma eternidade na residência dos Bragança. Cassiano fitava o teto na penumbra com a luz mortiça do abajur, sem conseguir dormir. A cama era confortável, mas nem as penas de ganso do travesseiro ou o lençol de tecido egípcio o fizeram se sentir a vontade. Aqueles não eram sua cama, seu quarto, seu pijama. Aquela não era sua vida. Pelo menos não estava gostando do rumo que ela estava tomando, só o que desejava era poder adormecer e fugir da Efígie, de Marconi, de toda aquela gente.

De manhã cedinho estava de pé, esperando ansiosamente Juliano para poderem discutir o plano, mas ainda nutrindo a esperança de que não precisasse fazer aquilo.

Juliano chegou trazendo o terceiro membro da equipe, de nome Glauco. Tinha uma idade próxima da dos outros dois, cabelos castanhos claros, puxando para o ruivo e o rosto bem redondo, parecido com o de um coala sardento.

Os três sentaram na varanda, uma mesa redonda com biscoitos, bolinhos e suco entre eles. A vista dava para um pomar amarelado, iluminado pelo sol outonal. Sem dúvida, a paisagem era uma das coisas boas de passar alguns dias na casa de Marconi.

- Vamos começar a pensar como vamos recuperar essas moedas – Juliano entregou alguns papeis com informações do colecionador de artes a Cassiano. O nome dele era Jaques Tavares, era viúvo e morava sozinho, contando com exatos quatro empregados para cuidarem da casa diariamente.

- Eu voto em um assalto – disse Glauco – Rápido e certeiro. Entramos armados, redemos o cara e pegamos as moedas.

A idéia fez Cassiano sentir náuseas.

- Primeiro – disse Juliano – Isso iria precisar de muito mais tempo de planejamento e análise da rotina dele, sem falar dos riscos. E segundo, a decisão é do Cassino. A missão é dele. Estamos aqui apenas para ajudar.

- Pois bem, iniciante – Glauco o fitou interessado – O que tem em mente?

Cassiano deixou os papeis sobre a mesa, ao lado dos bolinhos e do copo de suco para os quais olhava com desdém, e esfregou o rosto.

- Não sei o que fazer – disse. Sentar em uma varanda e planejar um roubo era um programa inesperado para o final de semana, principalmente para um futuro advogado – Não faço idéia de como ir lá e simplesmente pegar essas benditas moedas.

- Você precisa se apressar. A Marca costuma cobrar um prazo apertado para os iniciantes cumprirem suas missões – alertou Glauco.

- E estamos falando de denários. O quanto antes estiver em nosso poder melhor – falou Juliano.

- O que farão com elas? – perguntou Cassiano, com o queixo apoiado na mão – Com essas moedas, eu quero dizer.

- Elas serão guardadas em um cofre – Juliano explicou – Só o Procônsule e poucas pessoas autorizadas terão acesso.

- Procônsule? – Cassiano já tinha ouvido a palavra, mas não teve oportunidade de perguntar ao quê se referia.

- É o líder da Efígie. O nosso líder – falou Glauco, de boca cheia – Como um Papa. Talvez possa conhecê-lo um dia. Ele está atualmente na Itália.

- Ele já nasce líder, feito um príncipe?

- Não. Ele é eleito, mas o reinado é vitalício, a não ser que seja deposto pelo círculo dos sábios – disse Juliano.

- O círculo dos sábios é um grupo dentro da Efígie que serve como um conselho – adiantou Glauco, antes que Cassiano perguntasse o que era – Apenas pessoas que faziam parte do círculo sabiam como cunhar as moedas, antes do segredo se perder.

- E o Marconi? Faz parte do Círculo?

- Não. O Marconi é apenas o administrador distrital. Mais ou menos como Pilatos nos tempos de César – disse Juliano.

Cassiano se recostou na cadeira e olhou o horizonte além de Juliano e Glauco. O tamanho da propriedade de Marconi era invejável e nenhum dos membros da Marca Imperial que conheceu parecia pouco acostumado com o luxo.

- Muita gente poderosa faz parte da Efígie – pensou alto.

- É. E você terá a oportunidade de conhecer e trabalhar com muitas delas. Espero que você entenda bem de política. Como advogado, talvez tenha que ajudar a resolver uns processos de um governador e tem um probleminha com um investidor membro da Marca que quer de volta umas ações da Bolsa de Valores.

- Aí está – disse Cassiano – A Efígie não é apenas para proteger as moedas mágicas e toda essa história da fonte dos desejos? Por que usam o poder que tem entre si apenas para ficarem mais ricos? – Ele se arrependeu de fazer a pergunta no mesmo instante em que terminou de falar. Achou que eles iriam lhe aplicar um castigo para tornar ainda pior sua situação, mas Juliano ficou calado e Glauco apenas deu uma risada.

- Você está vendo alguma fonte dos desejos aqui? Elas não existem mais. Há séculos não conhecemos nenhum bruxo e todas as fontes que já tinham sido enfeitiçadas em algum momento da história foram anuladas com o poder das moedas douradas que tira o poder da água. A Marca está entediada.

- O fato – disse Juliano – É que quanto mais pessoas nossas dominando os meios de comunicação, influenciando na política e no meio da elite rica, mas teremos poder para abafar notícias e esconder informações caso algo venha à tona – argumentou, apesar de Cassiano saber que o poder que queriam não era apenas para proteger a Marca.

- Não fique com má impressão. É uma ordem maravilhosa e você tem sorte em fazer parte dela – Glauco tomou um gole de suco – Por falar nisso, por que seu avô não quis que você ficasse com a mesma função que ele, no setor de direito criminal?

- Porque não queria que eu me envolvesse com assassinatos e outros crimes – Cassiano falou, se surpreendendo com a naturalidade com que aquilo saiu. Ludovico não se orgulhava dos assassinatos que ajudou a encobertar e não queria que o neto experimentasse do peso de ser cúmplice de mais mortes.

- O que sei é que essa missão você vai ter que cumprir e espero que tenha preparado o passaporte – disse Glauco – Como vamos pegá-las? Roubaremos na calada da noite?

- Não – Cassiano falou, respirando fundo – Acho que já sei o que fazer.

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Acesse a escrivaninha para ler a parte 2.

Jorge Aguiar
Enviado por Jorge Aguiar em 14/10/2014
Reeditado em 14/10/2014
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