Quartos

No lugar, as portas se multiplicam, infinitamente, como um vírus que assola o ambiente. O caminhar por esse trajeto não dá indício do que seja. Apartamento ou casa? Campo ou cidade? O silêncio apedreja o peito oprimido pelo som dos próprios passos. Não existe necessidade de fuga, pois sabe que é inevitável. A escolha de um objetivo apenas determinará a porta que lhe servirá de destino. O cansaço da caminhada por um corredor eterno. O desespero faz com que a paciência seja relegada a outro plano. Nem os espelhos existem para consolar através da face amedrontada. Imagina sobre si, como um cego ignorando a visão do mundo. Até que se detém diante de uma entrada, com a mão sobre a maçaneta, destranca e entra.

O primeiro quarto possui uma mulher, que chora convulsivamente no canto do cômodo. Seus cabelos encobrem o rosto, podendo ouvir apenas os sussurros melancólicos. No solo o corpo de uma criança, desfigurada. Ela chora e aponta, acusando quem entra de ser responsável por sua tragédia. O choro agudo incomoda. Rasga suas vestes e expõe um corpo repleto de cicatrizes. Começa a arrancar as próprias unhas e fazer os dedos sangrarem, mordendo seus braços e se lançando contra os objetos. Sua cabeça projetada na parede faz um estrondo contido, mas causa grande impressão. Resolve sair dali e abre a porta de forma desesperada.

A segunda porta parece acolhedora e sem hesitar, entra. Um espelho apenas no centro do ambiente. Mas não reflete sua imagem. Consegue absorver cada porção do lugar. A cama, a mesa de centro, até a teia de aranha no canto da parede. Mas a pessoa que entra, some no seu reflexo, como se inexistisse. A busca por uma revelação de si. O simples toque no lençol, não faz com que o tecido refletido se altere. Pensa que aquilo não é um espelho e sim uma paisagem pintada. Mas percebe que ao se levantar, o lençol volta a seu estado original, parecendo que nunca esteve ali e que jamais tocara em algo que pertencesse ao recinto. Quando deita e observa o espelho parece se aproximar. Fechando os olhos, parece ter sido engolido pelo reflexo inexistente. Consegue quebrar um pedaço de madeira da mobília e ataca o espelho, que resiste impenetrável. Sua mão sangra e a madeira está de volta ao seu local de destino.

Após vinte e quatros horas. Ou o que imagina ter sido esse tempo. Sai em busca de uma terceira opção. A porta se abre e um animal com mandíbulas expostas rosna, ficando entre a porta de saída e o visitante. O primeiro ataque indo direto na mão ferida. O sangue parece atrair a fera, que como um tubarão, busca saciar seu apetite. Sua mordida é avassaladora, mas não destrói os tecidos. Sente a dor sem perder porções de seu corpo. O que faz imaginar que poderia sofrer aquela dor terrível por uma eternidade. Luta contra a criatura e consegue se desvencilhar, indo para o corredor novamente.

Uma curiosidade o empurra para o quarto destino. Um velório onde observa seu próprio corpo deitado no caixão, com pessoas estranhas chorando ao redor e derramando lágrimas sofridas. O cheiro de flores e o toque no corpo causam espanto. As pessoas observam o convidado sem perceberem qualquer semelhança. Mas sabe que se trata de sua pessoa, reconhecendo os mínimos detalhes, desde os traços do rosto até os contornos do cabelo e o gosto de vestuário. Tenta abrir os olhos para enxergar um pouco mais, causando desconforto nos que se encontram ao redor. Abrir os olhos apenas faz a escuridão se apoderar de si. Sente um mal súbito e escora no caixão, indo sentar-se em uma cadeira vaga, que parece ter sido deixada propositalmente para esse fim. Indignado briga, xinga os presentes e tenta atacar o corpo velado. É contido e deixado afastado, enquanto a cerimônia segue impassível.

De cabeça baixa, sai e entra no quinta quarto. Dessa vez, encontra a mãe fazendo sexo com os irmãos se o pai. É conduzido ao interior, onde é induzido a fazer sexo oral no pai, foder a mãe e a irmã e ser fodido pelos irmãos. Na exaustão da orgia, cai sobre a cama replete de secreções. Tenta se enforcar com o lençol, que cede com o seu peso e faz com que caia mais uma vez nos braços da luxúria. Imagina que não seja humano, ou demasiado humano para não se contagiar com cada ato. A irmã conduz sua mão a uma arma e faz com que dispare dentro de sua boca, estourando seu crânio e fazendo massa encefálica decorar a mobília. O pai se enforca e o lençol resiste e quebra-lhe o pescoço. A mãe arranca o crucifixo da parede e se masturba até sangrar, terminando com um corte de lâmina na jugular, fazendo com que o sangue jorrado ensope os pés dos filhos. Os dois irmãos se matam, com uma troca de disparos com arma de fogo que atinge simultaneamente as têmporas.

Sua fuga em direção ao quarto de número seis, onde o envelhecer da placa de identificação do lugar, faz com que o fungo e a tentativa de reposicionar a plaqueta no ponto correto, fez com que se criasse uma trilha indo da mais clara á mais escura, formando três números ao invés de um, como nas outras portas. Seis claro, seis médios e seis escuro. Olha fixamente para as marcas e entra. Apenas um rapaz o espera. Fala sem pressa, demonstrando que jamais poderá escapar de um destino. Fazendo com que observe em seus olhos o vazio que existe em si, a infrutífera tentativa de fuga e o quanto a dor pode educar. Começa a lhe agradar a presença daquele estranho, ganhando simpatia. Sua mente parece girar e agora consegue visualizar-se em um espelho. Não existe rapaz. Apenas ele. Fitando aqueles olhos demoníacos. E o sorriso escapa dos lábios e escorre pela sombra de seu corpo projetada na parede de uma falsa janela.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 18/10/2014
Código do texto: T5003540
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